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A Arte de Amar o Bem (Chafets Chaim)
A Arte de Amar o Bem (Chafets Chaim)

A Arte de Amar o Bem
ISBN 978-85-7931-041-6
Versão Eletrônica
©2012 - Todos os direitos reservados à
EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.
Produção: LCT Informática Editorial
Versão Impressa
Esta obra está baseada no
AHAVAT CHÉSSED
©2005 - Todos os direitos reservados à
EDITORA E LIVRARIA SÊFER LTDA.
Alameda Barros, 735
CEP 01232-001 — São Paulo - SP — Brasil
Tel. 11 3826-1366 Fax 11 3826-4508
sefer@sefer.com.br
Livraria Virtual: www.sefer.com.br
Em parceria com
OR ISRAEL COLLEGE
R. Gal. Fernando Albuquerque, 1011 – Cotia – Tel.: 4612-2450
Tradução Paulo Rogério Rosenbaum
Edição Final Daniel Presman
Revisão Técnica Rabino Chaim Vital Passy
Editoração Eletrônica Editora Sêfer
Projeto Gráfico e Capa Dagui Design
Nota:
Nesta obra, as citações da Torá foram extraídas do livro
TORÁ – A LEI MOISÉS, do Rabino Meir Matzliah Melamed (2001);
dos Salmos, do livro Salmos – com tradução e transliteração,
de David Gorodovits, Vitor Fridlin e Jairo Fridlin (1999),
ambos da Editora Sêfer.
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio,
sem a autorização expressa da Editora e Livraria Sêfer Ltda.
Dedicamos com amor este livro,
em memória de nosso querido pai e avô
ABHOU BEN MAZALZ”L
lembrando seu exemplo de integridade
e o carinho que sempre dedicou a todos nós.
Que o estudo destes capítulos sirva de inspiração
para todos e traga elevação para sua alma.
TEHE NISHMATO TSERURÁ
BITS’ROR HACHAYIM.
Oferecido por seus filhos e netos:
Sr. e Sra. Salim e Rita Dayan,
David e Daniella Dayan,
Eby e Carla Dayan,
Ezra e Dálya Harari,
e Roberto Dayan
Introdução à Edição Brasileira
Por volta do ano 5646 (1876), o Gaon rabino Israel Meir Hacohen Kagan – mais conhecido
como Chafets Chaim – começou a compilar esta incrível obra: o Sêfer Ahavat Chéssed.
Este livro, que trata do tema Chéssed (bondade) é, na realidade, um volume associado ao
Sêfer Chafets Chaim, sobre assuntos ligados a proibição de Lashon hará (maledicência),
pois ambos estão baseados no mesmo trecho:
“Quem é o homem que deseja a vida (chafets chaim) e que ama os dias para ver o
bem? É aquele que protege a sua língua do mal e que não permite que seus lábios
profiram mentiras; que se afasta do mal e faz o bem, procura a paz e luta por ela.”
(Salmos 34:13-15)
“A Arte de Amar o Bem” é, sem dúvida, uma obra que envolve o leitor e anula por completo
todas as desculpas e pretextos que somos capazes de encontrar para não ajudar o
próximo ou praticar atos de caridade.1
Vários acontecimentos atuais estão despertando o mundo para a prática da caridade.
Países com sérios problemas de pobreza e fome, acometidos por tragédias e guerras,
sendo ajudados por países mais desenvolvidos. Isso também foi profetizado pelo Chafets
Chaim nesta obra, que prevê que, na era Messiânica, o que amenizará as dores da
redenção serão os atos de bondade praticados no planeta.
No entanto, está claro que não há por que esperar por estes acontecimentos para nos
despertar e olharmos pelo próximo.
No livro Daat Tevunot de autoria do rabino Moshe Chaim Luzzatto, encontramos a essência
e o segredo para nos tornarmos pessoas mais sensíveis às causas humanas: devemos
nos espelhar nas virtudes do Criador para alcançarmos o verdadeiro lapidar de nosso
caráter, como é dito aqui na obra do Chafets Chaim,2 “da mesma forma que o Criador é
piedoso, sejamos piedosos...”.
Ele ainda acrescenta: “Coloque um espelho na sua frente e caminharás olhando para o
outro como se fosse você mesmo”. Não olhe para o seu colega desamparado somente
com um olhar de pesar e pena, mas encare como uma oportunidade de ajudá-lo e
fomentar nem que seja apenas mais um sorriso nesse mundo desigual.
O Chafets Chaim traz uma verdadeira e dura realidade: 3 Muitas pessoas costumam gastar,
muitas vezes exageradamente, o seu dinheiro para comprar artigos religiosos como
Chanukiót, copos de kidush, tefilin, etroguim, etc... e, em contra partida, quando devem
praticar a mitsvá de tsedacá apresentam uma grande dificuldade para agir da mesma
forma.
O Maharshá (Sucá 49b) esclarece que a mitsvá de ajudar o próximo é a maior de todas as
mitsvót.
O Talmud Ierushalmi cita (Peá 1:1): “Tsedacá e Guemilut Chassadim equivalem a todas as
mitsvót da Torá.”
Caros leitores, saibam que este livro traz ainda uma valiosíssima informação: o Chafets
Chaim revela abertamente o melhor investimento que existe no mercado financeiro. 4
Imagine uma oportunidade única onde com uma pequena soma de dinheiro você consegue
um lucro imediato e ainda adquire créditos no banco mais seguro do mundo e, além disso,
os lucros são acumulativos por vários e vários anos. Você não iria correndo aproveitar essa
oportunidade?
Isso acontece quando praticamos Chéssed, como é dito em (Peá 1:1) Elu devarim
shehakeren... “Essas são as mitsvót que recebemos a sua recompensa nesse mundo e o
saldo ainda fica acumulado para o mundo vindouro”. Uma delas é a mitsvá de Guemilút
Chassadim.
Assim relata também o livro Ialcut Shimoni 103: “A bondade praticada agora faz com que o
homem colha seus frutos até o final de todas as gerações, como é dito nos Salmos
(103:17): “Mas por toda a eternidade é a benevolência do Eterno para com os que O
temem.”
Não pense que pelo fato de você não ser uma pessoa de vida pública, ou responsável por
alguma instituição de caridade ou recolhedor de fundos para necessitados não há maneiras
de praticar Chéssed e ser benevolente com o próximo.
Neste livro encontraremos alguns caminhos que estão diante de nós e, às vezes, não nos
damos conta de que são oportunidades únicas para ajudar alguém, seja emprestando
dinheiro, alegrando os noivos no dia de seu casamento, visitando enfermos, consolando
enlutados e etc...
Mesmo assim, se você não puder por algum motivo vir a ter essas oportunidades, que pelo
menos em suas preces lembre do necessitado, ou de alguém enfermo que precise de sua
súplica.
Ahavat Chéssed realmente nos inspira em diversos aspectos a chegar a uma simples
conclusão: Praticar atos de bondade é a maior dádiva que o Criador nos legou.
“Olam Chéssed yibanê”. O mundo será construído através dos atos de bondade.
Com certeza estaremos aproximando a redenção tão esperada.
Boa leitura!
Rabino Chaim Vital Passy – Or Israel College
Prefácio à edição brasileira
“Amar o bem” – e não somente fazer o bem.
“Amar o bem” é procurar todas as oportunidades para ajudar o próximo e fazê-lo se sentir
melhor.
“Amar o bem” demonstra que a bondade já faz parte de seu caráter, que sua essência é
voltada ao próximo, e não ao seu ego.
O sábio Hilel, quando questionado por um gentio que queria se converter, para que lhe
ensinasse toda a Torá “resumida numa frase”, respondeu:
– “O que não queres que façam a ti, não faça aos outros – esta é toda a Torá. O resto, vá
e estude!”
Um sábio perguntou como as leis da Torá de Shabat, Tefilin, Casher etc. estariam
englobadas nesta Mitsvá. A resposta é que quando alguém pára de ser egocêntrico e
começa enxergar os outros, ele consegue chegar à verdadeira fé, se procurar a verdade.
O egoísta tem seus próprios interesses como obstáculos para chegar à verdade. Ser
altruísta é a base de toda a Torá.
Existem gênios do pensamento, gênios do Talmud, gênios da Cabalá. Nosso livro nos
ensina como podemos ser “gênios da bondade”, inspirados nos ensinamentos do Chafets
Chaim – esse, sim, um verdadeiro gênio do caráter que iluminou as gerações que
precedem a vinda do Mashíach com seus ensinamentos sobre as Mitsvót “entre o homem
e seu próximo”.
Iniciamos o livro com a parte 2, que trata da importância de Chéssed (benevolência) e
Tsedacá (caridade), seguida da parte 3, que cuida de Mitsvót específicas: os capítulo 1 e
2 tratam da Mitsvá da hospitalidade, o capítulo 3 trata da Mitsvá de visitar os doentes, o
capítulo 5 trata da Mitsvá de consolar os enlutados e o capítulo 6 trata da Mitsvá de
alegrar os noivos etc. No final trouxemos o capítulo 9 e 10 da parte 1, que tratam de leis
referentes a pagamentos de empréstimos (os demais capítulos da parte 1 foram excluídos
por serem menos práticos para a maioria da comunidade).
Encerrando, imprimimos uma coletânea de ensinamentos do sábio rabino Iehonatan de
Wolin, que costumava lê-la duas vezes ao dia e que foi impressa no fim das edições
anteriores deste livro.
Para facilitar seu estudo, dividimos o livro em 30 partes, para aqueles que quiserem
estudá-lo de forma diária e sistemática.
Esperamos que a leitura e o estudo desta grande obra faça com que cada um de nós
aumente seus atos de benevolência e o amor entre todos, aproximando assim a Gueulá
Shlemá, Amém.
Rabino Raphael Shammah
Breve biografia do Chafets Chaim
Israel Meir Hacohen Kagan nasceu em Zhetel, Polônia, no dia 11 de Shevat de 5598
(6/02/1838). Foi educado até os 10 anos por seus pais; transferiu-se para Vilna a fim de
dar continuidade aos seus estudos judaicos e por fim estabeleceu-se na cidade de Radin.
O rabino Israel Meir passava os dias estudando Torá e disseminando o seu conhecimento
entre as pessoas simples. Com o crescimento da sua reputação, estudantes de toda a
Europa vieram até Radin para estudar com ele.
Em 1869 a sua casa ficou conhecida como a Yeshivá de Radin. Além da yeshivá, o rabino
Israel Meir era muito ativo no que dizia respeito às causas judaicas. Viajava longas
distâncias com o intuito de estimular o cumprimento das mitsvót entre os judeus.
Entre 1870 e 1871 escreveu a sua primeira obra, o Sêfer Chafets Chaim, uma compilação
de leis que tratam da maledicência e da difamação. A obra foi finalmente publicada em
1873 e obteve tanta repercussão que o rabino Israel Meir ficou conhecido como o “Chafets
Chaim”. Gigantes espirituais da época, como o rabino Israel Lipkin (Salanter), perceberam
que estavam diante de uma daquelas personalidades raras que deixariam a sua marca
sobre todo o povo.
O Chafets Chaim sentia que as leis práticas de bondade e caridade eram cada vez mais
ignoradas. Assim como tratou da questão de lashon hará (maledicência) ao publicar
Shemirát Halashón — que enfatizava a importância de vigiar a própria língua, citando os
ensinamentos dos nossos Sábios — resolveu fazer o mesmo por guemilut chéssed em seu
livro Ahavat Chéssed: classificou suas leis e realizou uma campanha para que os judeus se
reunissem em grupos de estudos para estudá-las e aplicá-las. Em decorrência disso,
surgiram centenas de sociedades que emprestavam dinheiro sem juros, abrigos para os
sem-teto e sociedades de bicur cholim.
O Chafets Chaim estava preocupado com uma deficiência na literatura haláchica: não havia
nenhum comentário moderno sobre o Orach Chaim (a seção do Shulchan Aruch que trata
dos rituais cotidianos e das datas festivas) que resumisse séculos de comentários e
responsa, a fim de oferecer decisões autorizadas em áreas de disputa no campo da
Halachá. Em 1894 passou a escrever a sua obra-prima, a Mishná Berurá. Concluída
somente em 1919, esta obra exerce grande influência até os dias atuais. A sua amplitude,
concisão, clareza e genialidade falam por si, bem como a sua aceitação universal. Este é o
atestado supremo que dá ao seu autor a estatura de um sábio.
O Chafetz Chaim foi um dos primeiros a se dar conta de que o judaísmo da Torá precisava
atualizar as suas táticas a fim de se opor à arremetida de seus adversários, os partidários
da Hascalá (Iluminismo judaico) e da conduta não-religiosa.
Ciente disso, em 1912 foi um dos fundadores da Agudát Israel, em Katowicz, que mais
tarde tornou-se o principal braço organizacional internacional do judaísmo tradicional. Como
sempre, ele via nisso mais do que uma questão estratégica, mas uma obrigação religiosa:
“Em uma época em que nossos valores nunca estiveram tão ameaçados quanto agora,
até mesmo pequenos atos em defesa da Torá são multiplicados muitas vezes, em
escalas Divinas, em direção à derradeira recompensa”.
O Chafetz Chaim era um homem tão religioso quanto pragmático. Homens como o rabino
Chaim Ozer Grodzensky ZT”L , de Vilna, valorizavam enormemente seus sábios conselhos ao
procurarem soluções práticas para os problemas mais complexos. Durante os anos de
crise que se seguiram à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando o rabino Chaim
Ozer era o líder absoluto da comunidade judaica da Lituânia, este e o Chafetz Chaim eram
constantemente consultados sobre todas as principais questões da vida judaica.
Em 1923, o Chafetz Chaim sentiu que a comunidade deveria se organizar para prover
refeições casher aos soldados judeus. Ele chamou o seu novo projeto de Kessel Cosher e,
naturalmente, a sua primeira ação foi viajar até Vilna para obter o endosso e apoio do
rabino Chaim Ozer; mas este respondeu que havia muitas restrições que tornavam uma
campanha assim inoportuna naquele momento. O Chafetz Chaim encolheu os ombros e
respondeu:
“O que eu posso fazer? As pessoas me consideram um judeu temente a Deus. Quando
eu for chamado para o mundo vindouro, elas me perguntarão por que eu não fiz nada
para prover comida casher para os soldados judeus. O que eu direi? Talvez eu lhes
diga que não fui indiferente; fiz uma difícil viagem até Vilna, mesmo fraco e com mais
de oitenta anos. Mas o rabino de Vilna era o gadol hador e me disse que eu estava
errado. Quem melhor do que o gadol hador para saber o que é certo ou errado?”
Ao perceber o seu equívoco, o rabino Chaim Ozer convocou uma reunião pública na
sinagoga central a ser coordenada pelo Chafetz Chaim. Naquela reunião nasceu o Kessel
Cosher.
Ao longo de sua vida, o Chafetz Chaim publicou inúmeras obras, cartas públicas e artigos.
Exemplo vivo do Salmo 34:13-14, “Quem é o homem que deseja a vida e e que ama os
dias para ver o bem? É aquele que protege a sua língua do mal e que não permite que
seus lábios profiram mentiras; que se afasta do mal e faz o bem, procura a paz e luta por
ela”, o Chafets Chaim faleceu em 24 de Elul de 5693 (15/09/1933), aos 95 anos.
Carta do maran Chafets Chaim
zt”l
muito
pertinente à nossa época
DIA 1
Podemos ver que todos os sinais mostrados por nossos sábios, de abençoada memória,
com relação aos momentos que antecedem a vinda do Mashiach (Messias) já foram
consumados e que não há dia sem uma praga maior do que a anterior. O povo judeu sofre
agruras intermináveis, que são, sem dúvida alguma, sinais claros da era pré-messiânica.
Estas maldições foram chamadas pelos sábios do Talmud de Chevlê (dores que precedem
a chegada do) Mashiach. Assim como uma parturiente, que antes do nascimento da
criança sente dores insuportáveis, a chegada do Mashiach será sentida com grande
angústia e sofrimento.
Um conselho para livrar-se de Chevlê Mashiach
Apesar de não termos, aparentemente, remédio algum para nos livrarmos destas dores e
que elas são inevitáveis, se observarmos com atenção as palavras de nossos sábios (San
́hedrin 98b), encontraremos um conselho para minimizar este sofrimento: perguntaram aos
discípulos de Rabi Eliezer, ‘o que um homem deve fazer para se livrar das dores que
precedem a chegada do Mashiach?’ Sua resposta: ‘Que se ocupe com o estudo da Torá e
com a prática de Chéssed!’
Estas duas atividades protegem o homem das dores que antecedem a vinda do
Mashiach, desde que ele se ocupe delas constantemente e não as abandone. Por isto o
texto talmúdico usa o termo ocupar-se. Assim como os homens procuram bons conselhos
e soluções enquanto se ocupam dos seus negócios, não dando trégua aos problemas sem
tentar solucioná-los, e não os abandonam até que lhes tragam lucro, eles devem se ocupar
destes dois assuntos: o estudo da Torá e a prática de boas ações, procurando todo tipo de
conselho e soluções para que seus méritos cresçam e venham ao seu salvamento na hora
da agonia.
Cada um deve estudar o que for capaz
Assim como encontramos diferentes níveis nos negócios mundanos, alguns mais e outros
menos lucrativos, alguns mais e outros menos seguros, uns grandes e outros menores, os
negócios espirituais também apresentam níveis diferentes. Alguns homens foram
agraciados por Deus com uma capacidade maior para compreender com clareza os textos
da Torá e entender com profundidade as passagens do Talmud e da legislação rabínica;
para destrinchar assuntos de Halachá e orientar o povo judeu nos caminhos Divinos. São
os professores e sábios de cada geração. Alguns chefes de família são doutos em
Guemará e outros em Mishná, alguns na literatura rabínica e outros são capazes de
compreender somente Chumash com Rashi. Cada um, no seu nível de estudo, é muito
querido pelo Altíssimo. Por isto, cada qual deve tentar estudar aquilo que pode, fixando
um tempo determinado diariamente para o seu estudo e não deixando passar um dia
sequer sem estudar. Então o estudo virá ao seu auxílio e o protegerá. Mas se o homem
não se ocupar diariamente do estudo da Torá nos prazos que fixou e fizer do estudo algo
aleatório, passando dias e dias sem estudar – um estudo como esse não o protegerá
tanto. A que isto se assemelha? A um doente a quem foi prescrita uma receita. Se não a
tomar na medida e horários corretos, ela não surtirá o efeito desejado. A chance de cura
será tanto maior quanto o paciente se esforçar em tomar o remédio na dose e horários
estipulados pelo médico.
É preciso se ocupar constantemente com Chéssed e não deixar
passar um dia sem a prática de boas ações
Praticar boas ações também inclui diferentes níveis. São tantos que não poderíamos
descrevê-los aqui como o fazemos nos capítulos do livro Ahavat Chéssed (“A Arte de Amar
o Bem”). O principal é que o homem pratique tantas boas ações quanto puder, segundo
suas posses materiais e condição física. Isto também deve ser feito diariamente, não
deixando passar um dia sequer sem a prática de algum tipo de Chéssed, seja com o
corpo ou com recursos materiais e conforme a oportunidade. Isto fará despertar a
medida da Compaixão nos mundos superiores, como afirmaram nossos sábios: Assim
disse o Altíssimo: “Os homens necessitam que seja feita bondade com eles próprios, e
mesmo assim fazem bondade com os outros. E Eu, que Sou pleno de bondade,
certamente preciso estendê-la às Minhas criaturas”.
Vejam o que diz o Zôhar sagrado, na parashá Emor: Aprendemos que uma ação praticada
no plano terreno desperta uma ação semelhante no mundo superior. Se uma pessoa faz
algo neste mundo de modo condizente, esta ação desperta uma força concomitante no
Céu. Se o homem pratica Chéssed neste mundo, ele desperta Chéssed nos mundos
espirituais. Este Chéssed desce ao mundo e envolve todo o seu dia, pelo seu mérito. Se
um homem age com misericórdia aqui na Terra, ele desperta misericórdia durante todo
este dia e ela o envolve, pelo seu mérito. Este dia virá ao seu socorro num momento de
necessidade, pois o modo como o homem age neste mundo faz o mundo espiritual agir de
igual maneira consigo.
Em nossos dias, principalmente, onde o atributo da severidade se incrementa cada vez
mais, precisamos fortificar o espírito com atos de bondade sempre frequentes. Isto
naturalmente despertará a mesma medida nos Céus e ela virá ao nosso auxílio quando
mais precisarmos.
Capítulo 1
O que é “Ahavat Chéssed”?
DIA 2
Como é importante que o homem se apegue à virtude da bondade, como está escrito
(Miqueias 6:8): “Ele te há declarado, ó homem, o que é bom, e o que o Eterno requer de ti,
senão que pratiques a justiça e ames a beneficência (Ahavat Chéssed)...”
À primeira vista, seria suficiente que as Escrituras dissessem que devemos “praticar a
justiça e a bondade” ou que “amemos a justiça e a bondade”. Mas, quando a Torá
proclama “Ele te há declarado”, significa que há algo nesta ideia que o homem não
desvendaria por si, se isto não lhe fosse revelado.
Todos sabem da importância de fazer justiça, pois esta verdade foi citada explicitamente na
porção Mishpatim 5 da Torá. A prática da bondade é igual e obviamente importante, como
diversos versículos o ostentam. Entretanto, o verdadeiro significado da intenção das
Escrituras fica evidente na seguinte afirmação de nossos Sábios (San’hedrin 7a): “Se o
casaco de uma pessoa foi confiscado por um veredicto judicial, ela deve cantar de alegria”.
Podemos ilustrar esta afirmação com uma estória: Um bando de rebeldes vivia numa certa
cidade. Muita gente havia se unido a eles. Para fortalecer ainda mais os laços entre os
membros do grupo, decidiram confeccionar um uniforme para todos e tingi-los com a
mesma cor. Deste modo eles se destacariam do resto da população e poderiam
reconhecer uns aos outros mesmo à distância. Certo dia eles se reuniram na taverna local
e beberam além da conta. Alguns se recusaram a pagar e por isto, o proprietário da
taverna tomou-lhes os uniformes como penhor, até virem saldar suas dívidas. Os que
perderam os uniformes foram embora, inconformados.
Pouco depois, chegou aos ouvidos do rei que aquele grupo de rebeldes conspirava contra
ele e sobre o modo como se vestiam. Suas atividades foram investigadas e todos os que
estavam vestidos daquele modo foram capturados. Suas posses foram confiscadas e eles
pereceram. Os únicos que conseguiram escapar foram os que haviam sido obrigados a
deixar seus uniformes ao taberneiro como penhor. Por isto não foram capturados e
conseguiram se salvar. Disseram uns aos outros: “Pensávamos que o taberneiro nos
causou prejuízo ao confiscar nossos uniformes. Na verdade ele nos fez um enorme favor e
com isto salvou nossas vidas. Deveríamos ir agradecer-lhe por este ato. No futuro,
devemos nos resguardar e não seguir os passos malignos de nossos amigos, assim não
seremos apanhados como eles”.
Do mesmo modo, cada um de nós deve saber que apropriar-se indevidamente do que
pertence a outros pode lhe causar prejuízos e por a perder até mesmo os bens que
adquiriu honestamente. Isto é ainda pior quando a aquisição de suas próprias roupas não
está livre de desonestidade, como aprendemos com as palavras de Nossos Sábios (de
acordo com San’hedrin 7a): Se um tribunal conclui que as roupas que a pessoa está
vestindo foram adquiridas desonestamente e a obriga a restituí-las a seu legítimo dono, ela
deve dar pulos de alegria, pois do contrário os Céus lhe confiscariam todas as posses e
ela ficaria desprovida de tudo o que tem.
Agora podemos compreender melhor o versículo acima, “Ele te há declarado...”. Se uma
pessoa dedica toda sua energia para acumular fortuna e não se preocupa com a
integridade da origem dos seus ganhos, que podem ter sido adquiridos por engodo,
apropriação indébita e outros tipos de delito na área financeira, está enganando a si
própria pensando que, no presente, ele terá proveito disto e que a prestação de contas
final será feita somente quando chegar ao mundo superior. A isto deve-se o alerta do
profeta, “Ele te há declarado...” acima citado. Sua intenção é nos transmitir uma
mensagem contrária ao credo comum, segundo o qual acumular riqueza é o melhor que o
homem pode fazer por si. Na verdade, a única vantagem que um homem pode tirar de sua
fortuna é praticar atos de justiça e benevolência, além de inspecionar constantemente a
idoneidade de seus negócios e se o modo como obtém lucros é conforme as diretrizes da
Torá. Este é o caminho que o homem deve seguir para assegurar a perenidade de seus
bens. É o que as Escrituras tencionam quando dizem “... senão que pratiques a justiça”.
Mais adiante, o profeta acrescenta, “E ames a beneficência”. Aqui a intenção é transmitir a
seguinte mensagem: as pessoas devem ponderar sobre a forma como obtém suas posses
– se estão isentas de atos desonestos –, acreditando que permanecerão suas pelo bem
que praticaram e que tudo lhes será concedido a seu tempo. E que devem praticar o bem
e serem caridosas de acordo com suas posses. Do contrário, Deus o livre, sua riqueza
começará a minguar, como relata o Talmud (Ketubót 66b) no incidente de Nacdimon ben
Gurion.6
Quanto à escolha dos termos “praticar a justiça e amar a beneficência”, ao invés de “agir
com justiça e caridade”, o profeta chama nossa atenção para uma nova e importante lição,
numa área onde a maior parte das pessoas descuida. Na verdade, todos nós praticamos
atos de bondade. Principalmente quando nos sentimos pressionados. Se uma pessoa em
estado de pobreza e desespero precisa do nosso auxílio e nos acorre uma ou mais vezes,
é difícil evitá-la. Então decidimos auxiliar esta pessoa, mesmo se não o fazemos de
coração pleno e alma pura. Por isto, o profeta exorta: “O que o Eterno quer de ti, senão
que... ames a benevolência”. Não pense que já cumpriu seu dever apenas por haver
praticado alguns atos de caridade. Pelo contrário, você deve nutrir verdadeiro amor por
esta Mitsvá (preceito – plural: Mitsvót).
Obviamente, existe uma grande diferença entre a pessoa que faz o bem porque se sente
pressionada e a que faz por amor genuíno. É possível ver isto em nossas próprias vidas,
no modo como agimos em relação aos nossos filhos, nossa dedicação em conseguir
alimentos e roupas, no casamento e tudo o que fazemos motivados por um amor
despretensioso. Nestes casos, costumamos agir além da nossa obrigação. Todo pai
procura o bem de seus filhos, mesmo quando não o pedem explicitamente. Ele o faz
alegremente e de espírito grato. Do mesmo modo, a pessoa que ama a benevolência
procura o melhor modo de fazer bem ao próximo e busca agir generosamente. Todos os
aspectos desta virtude (conforme veremos mais adiante, se Deus quiser) também devem
ser praticados por puro amor e não só pela obrigação de fazer o bem.
Veja como esta virtude é importante. Na benção de agradecimento, no final da Tefilá
(oração silenciosa), nós dizemos: “Abençoa a todos nós conjuntamente com Luz da Tua
Presença; porque com o fulgor desta mesma Presença deste-nos, Eterno, Deus nosso,
Torá (Lei) para a vida e amor pela beneficência”.
A “Luz da Sua Presença” foi revelada no Monte Sinai, como atestam as Escrituras:
“Fizeram-te ver estas coisas para conheceres que Ele, o Eterno, é Deus” (Deuteronômio
4).
Nossos Sábios afirmam que Deus, bendito seja, abriu as comportas dos Céus e dos
mundos inferiores para revelar que Ele é o único Senhor e que reina sobre todos eles.
Simultaneamente, foram reveladas diversas verdades fundamentais: que a Torá é a fonte
da existência dos Céus e da Terra; que pelo seu mérito o mundo persiste e que sem o seu
cumprimento ele deixará de existir, como disseram nossos Sábios (Avodá Zará 3a): “Deus
estipulou no ato da Criação que ‘Se o povo de Israel aceitar a Torá, muito bem, do
contrário, farei o universo retornar ao caos’”.
Portanto, se o mundo deixar de cumprir a Torá por um momento sequer, todo o universo
ruirá, pois é a Torá quem assegura sua existência no plano superior, como citam os livros
sagrados, com base no Zôhar.
Durante aquela convocação no Sinai, o modo constante que o homem deve amar perseguir
e praticar o bem ficou claro e patente a todos os que a presenciavam. Naquela
oportunidade, dotados de elevado senso de profecia, eles puderam compreender como se
mantém a continuidade da Criação, alcançando o entendimento de como a existência em
sua totalidade, perpetuidade e sustentação, depende completamente da bondade de Deus,
bendito seja, que preenche todo o universo, como declaram as Escrituras (Salmos 136:25):
“é Ele quem fornece alimento a todos os seres vivos, porque Eterna é Sua misericórdia”, e
noutro versículo: “A bondade de Deus preenche toda a terra” (ibid. 33:5).
Outrossim, caso o Santíssimo, bendito seja, tratasse as Suas criaturas unicamente de
acordo com a justiça pura, Deus nos livre, o mundo não existiria por um instante sequer,
como dizem nossos Sábios no Midrash Tehilim, com referência ao Salmo 89:1-2: “Um
Maskil, de Etan, o Ezrachita. Para sempre cantarei sobre a imensa bondade do Eterno...”.
Perguntaram a Etan: O que sustem a Terra? Sua resposta: a Bondade, como está escrito:
‘O trono (celestial) deve suster-se pela Bondade’ (Isaías 16:5). Com que isto se
assemelha? – com um banquinho. Uma de suas pernas ficou frouxa. Um seixo foi colocado
sobre a perna frouxa para firmá-la. Por assim dizer, é o trono de Deus. Ele tornou-se
frouxo. E como Deus o escorou? – com a bondade. Deste momento em diante Ele
declarou: ‘O universo será construído com a Bondade’ (Salmos 89:3). Por conseguinte, o
homem deve buscar constantemente esta virtude. Pelo seu mérito, ele sobreviverá tanto
neste mundo como no Mundo Vindouro, como explicaremos mais adiante por meio de
passagens bíblicas e das palavras de nossos sábios.
Capítulo 2
Por que a Torá incentiva amar o Chéssed?
DIA 3
Neste capítulo elucidaremos o motivo pelo qual, Deus – bendito seja! – exige tão
firmemente do homem assimilar esta virtude, ao ponto de cada porção da Torá estar
permeada por ela, como mencionamos na introdução. No primeiro capítulo explicamos por
que o homem deve amar esta qualidade. Aqui, esclareceremos os diversos aspectos deste
tema, com a ajuda de Deus.
As Escrituras registram que “Deus criou o homem à Sua imagem” (Gênesis 1:27). De
acordo com os comentaristas, isto diz respeito aos atributos Divinos. Ele deu às Suas
criaturas o poder de imitar Suas virtudes (Midót), de fazer o bem e agir bondosamente
para com os demais, como está escrito: “Ele é bom para com todos e manifesta Sua
bondade através de todos os Seus feitos” (Salmos 145:9) e também, “é Ele quem fornece
alimentos a todos os seres vivos, porque Eterna é Sua misericórdia” (ibid. 136:25).
Se examinarmos melhor este conceito, constataremos que a existência de toda a
humanidade depende das virtudes da caridade e da bondade, pois não há quem não se
confronte com circunstâncias variáveis durante a vida. Em todas as ocasiões precisamos
da cooperação e assistência de outras pessoas para enfrentarmos estas situações. De
que maneira? Às vezes precisamos da ajuda financeira de alguém, ou talvez de um
empréstimo. Até mesmo uma pessoa rica pode ver-se numa situação como esta. Em
outras ocasiões, precisamos de ajuda para encontrar emprego ou abrir um negócio
rentável. Quase toda a humanidade é afetada por este tipo de necessidade. Na Torá, estas
Mitsvót são descritas como “Quando empobrecer teu irmão... deterás sua decaída... e
viverá contigo” (Levítico 25:35).
Às vezes, o ser humano precisa da simples presença da pessoa querida, como nas
celebrações, cujo valor é exaltado pela presença dos convidados, que compartem a nossa
alegria (podemos citar, por exemplo, a Mitsvá de alegrar os noivos durante sua boda). Pois
o homem jamais pode ser feliz sozinho. Quando alguém está triste, se fortalece e se
conforta na presença de outras pessoas (aqui temos a Mitsvá de confortar os enlutados e
outras do gênero, cujo objetivo é aliviar o fardo da pessoa que sofreu uma perda). Outras
vezes, tudo o que alguém precisa é alguém para ajudá-lo a aliviar-se das preocupações,
pois do contrário, adoecerá. Se alguém está longe de casa ou em viagem, precisa de
ajuda para transportar seus pertences (a Mitsvá de carregar e descarregar). Se o viajante
precisa fazer uma pausa em sua viagem, deve contar com a hospitalidade alheia e ser
tratado com dignidade, de modo a sentir-se querido (esta Mitsvá inclui todos os tipos de
viajantes – dos mais pobres aos mais abastados –, como elucidaremos no primeiro
capítulo da próxima parte do livro).
Se uma pessoa está doente, precisa de companhia e visitas que se interessem por sua
condição, ajudando a acelerar seu processo de cura (a Mitsvá de visitar os doentes).
Quando cumprimos nosso tempo na terra e passamos para o plano superior, dependemos
de outras pessoas para receber o único ato de caridade que não pode ser devolvido.
A regra é: o mundo não pode existir sem a virtude da bondade. Portanto, a Torá especifica
repetidamente que devemos nos empenhar em incorporar esta virtude à nossa
personalidade. Podemos afirmar que nossos Sábios queriam nos transmitir este conceito
quando disseram que “o mundo se mantém sobre três coisas: a Torá, o trabalho Divino e
atos de bondade” (Pirkê Avot 1:2).
Também podemos afirmar que o mais almejado de todos os objetivos humanos é merecer
estar na presença de Deus e deleitar-se com o resplendor da Shechiná (Presença Divina).
Este é o prazer verdadeiro, e o maior entre todos os deleites que o homem pode
encontrar. Porém, para isto, cabe ao homem apegar-se a Deus ainda durante seus dias e
com todas as suas forças, como está escrito: “e apegar-se a Ele” (Deuteronômio 11:22), e
isto significa “apegar-se” a suas virtudes, conforme explicaram nossos sábios.
Ou seja, a pessoa deve compelir-se todos os seus dias para se apegar às virtudes do
Eterno, bendito seja, que são permeadas exclusivamente de bondade e Chéssed, como
está escrito “pois Ele deseja Chéssed” (Miqueias 7:18). Então a pessoa terá o mérito de
sentar-se eternamente diante de seu Criador e satisfazer a sede de sua alma. Mas,
quando, em sua vida suas virtudes não eram compatíveis com as do Eterno, e a pessoa
não praticava bondade para com os demais, como ela pode apegar-se a Deus?
E é a isto que alude o Talmud (Eruvin 86a): “Ensinou Rava Bar Mari sobre o versículo
(Salmos 61:8) “Que lhe seja permitido sentar sempre em seu trono em Tua presença” –
Quando alguém pode sentar-se sempre na presença de Deus? Quando “bondade
(Chéssed) e fidelidade lhe sirvam de proteção (man yintseruhu)” (ibid.). (Rashi comenta:
Quando alguém se senta eternamente diante de Deus? Quando há ricos que praticam
Chéssed, e preparam refeições para os pobres, e estes méritos os protegerão. Man –
significa alimento). A palavra proteção é adequada, pois quem tem o mérito de estar em
um lugar santo como este, na presença de Deus, Senhor dos Céus, precisa de uma
proteção reforçada, já que lá estão presentes os anjos e os serafins, cujo hálito da boca
de apenas um deles é capaz de queimar todo o mundo, conforme está escrito em Sifri
Haazinu.7 E para isso é necessário um grande mérito, para evitar ser destruído pelos
promotores da justiça. Portanto nos dizem as escrituras que aquele que possui a virtude da
fidelidade (ou verdade – emêt), que é a Torá, e também a virtude de bondade (Chéssed)
estará protegido contra qualquer dano.
Do mesmo modo, disseram nossos sábios (Talmud de Jerusalém, Taanit 84b): “E colocarei
minhas palavras em sua boca” (Isaías 51:16) – estas são as palavras de Torá. “E com a
sombra de minha mão te cobrirei” (ibid.) – estes são os atos de Chéssed. (Ou seja,
através dos atos de bondade que o homem pratica, adquire o mérito de que Deus o
proteja com a sombra de Sua mão.) Para que aprendas, que aquele que se ocupa da Torá
e da prática de Chéssed é merecedor e se senta à sombra de Deus, bendito seja. E disto
pode o homem concluir o quanto ele deve amar esta virtude. E quando ele tiver amor por
esta virtude, toda vez que Deus lhe proporcionar a oportunidade de praticar algum ato de
bondade, ele o encarará como um artigo muito valioso, e o cumprirá com plenitude, e
jamais envergonhará uma pessoa ao conceder-lhe um empréstimo, e, por estas ações,
Deus irá abençoá-lo. E, além disso, quando ele amar esta virtude, irá também incentivar
8outros a que pratiquem Chéssed, como escreveu Rabi Ioná Gerundi em sua Igueret
Hateshuvá.
Capítulo 3
Por que se ocupar da bondade?
DIA 4
Creio ser necessário elucidar o comentário do Ialcút Tehilim sobre o versículo em Salmos
17:2: “‘De Ti emanará meu julgamento, de Ti que tudo vês com equidade’. Disse Rabi Levi:
o Santíssimo, bendito seja, falou a David, ‘Estabelecestes um Sinédrio 9 sem propósito
algum? Que eles te julguem!’ David respondeu ao Altíssimo: ‘Mestre do universo, Tu
escreveste na Tua Torá (Êxodo 23:8), ‘E suborno não tomes’. Eles (o Sinédrio) temerão
serem considerados culpados de se deixar subornar quando tentarem me julgar. Mas Tu te
permites subornar, como está escrito em Provérbios 7:23, ‘Ele aceitará suborno do
coração do ímpio’. E qual é a forma deste suborno? – Teshuvá – o arrependimento que o
Santíssimo, bendito seja, aceita dos que pecaram neste mundo, assim como suas boas
ações”.
O Santíssimo, bendito seja, disse a Israel: Meus filhos! Arrependam-se enquanto as portas
da Teshuvá ainda estão abertas, pois Eu aceitarei subornos oferecidos neste mundo, mas
não os aceitarei quando Eu sentar no trono da justiça no Mundo Vindouro, como está
escrito, ‘Ele não favorecerá quem Lhe oferecer suborno’ (Provérbios 6:35)”.
À primeira vista, isto parece estranho. Que ligação poderia haver entre arrependimento e
boas ações, por um lado e o suborno, de outro? Se o arrependimento pode não ser
eficiente para impor-se ao atributo da justiça no Mundo Vindouro, o que teria a ver com
suborno? O Eterno não é o Deus da verdade?!
De fato, existem dois fatores pelos quais Deus controla o mundo: 1) a virtude da justiça
(midat hadín) e 2) a virtude da bondade e compaixão. Sabemos que a recompensa ou a
punição do homem no Mundo Vindouro serão determinadas pelo balanço entre as Mitsvót
que cumpriu neste mundo e os pecados que cometeu, como disseram nossos Sábios: “Se
a maioria das ações do homem forem justas, ele será categorizado de justo (Tsadic); se
forem iníquas, será categorizado como perverso (Rashá)”.
O homem inteligente compreende que quando Deus senta-se no trono da Justiça, mesmo
aquele que possui méritos excessivamente numerosos, poderá ser condenado pela corte
Celestial (a menos que tenha se empenhado com todas as suas forças para cumprir todas
as Mitsvót em todos os seus pormenores). Cada uma de suas Mitsvót será examinada
minuciosamente com o intuito de revelar se foi feita com amor, reverência e alegria, bem
como os demais fatores relacionados a cada Mitsvá, da maneira descrita no Sêfer
Hacharedim. As Escrituras declaram (Eclesiastes 12:14): “Porque todos os fatos, mesmo
os mais ocultos, quer sejam bons ou maus, finalmente por Deus serão julgados”.
Certamente, Ele encontrará diversas falhas no cumprimento de muitas Mitsvót e elas serão
excluídas do balanço final. Consequentemente, as faltas desta pessoa serão maiores que
suas boas ações e os Céus a designarão como Rashá, Deus não o permita. Ainda que a
pessoa tenha se arrependido de suas faltas, um exame minucioso da sua Teshuvá pode
revelar que esta não foi feita de modo adequado.
No entanto, se o Santíssimo, bendito seja, decide julgar o homem de acordo com Seu
atributo de bondade e compaixão, isto certamente faz uma grande diferença, seja no caso
de que todos os detalhes de um Mitsvá foram obedecidos, seja no caso de alguns deles
serem negligenciados, pois algum mérito será seguramente encontrado – o que implica um
aspecto de amortização da punição pelo não cumprimento ou cumprimento parcial desta
Mitsvá, e assim os méritos desta pessoa não serão rejeitados.
De certo modo, mesmo que seus pecados sejam maiores que suas boas ações, quando
Deus exerce toda a Sua compaixão, a contagem dos pecados torna-se significativamente
reduzida. pois muito serão considerados não intencionais ou atribuídos a alguma
circunstância atenuante. Portanto, se forem subtraídos das iniquidades, os méritos da
pessoa sobreporão suas faltas e o nome Tsadic lhe será imputado. Certamente, esta
pessoa se arrependeu de suas muitas faltas e sua Teshuvá foi aceita, mesmo que esta
tenha sido feita de maneira imperfeita.
Obviamente, cada um de nós gostaria que Deus o tratasse segundo Suas virtudes da
bondade e compaixão. Não obstante, estes atributos não são usados senão como um
complemento do julgamento e assim mesmo, de acordo à medida da justiça. Conforme a
conduta do homem neste mundo tenha sido um exemplo destas características, ele atrairá
para si, das fontes celestiais, os atributos correspondentes. Se a pessoa atua de acordo
com a virtude da bondade em suas relações com o próximo, inspira o atributo Divino da
misericórdia e Deus demonstra compaixão com o mundo, em seu benefício. A alma
humana alimenta-se necessariamente desta conduta e por esta razão a pessoa merece
que Deus estenda sobre si a mesma medida de consideração quando ela precisar ser
tratada com compaixão. Nossos Sábios declararam (Shabat 151b): “Quem tem compaixão
pelas demais criaturas merece ter compaixão dos Céus”.
O Zôhar sagrado expressa este conceito na Sidrá Emor: “Cada ato realizado nos plano
inferior gera uma reação correspondente no plano superior”. Quando uma pessoa pratica
um ato meritório na terra, desperta o poder correspondente nos céus. Portanto, se o
homem pratica um ato de bondade na terra, desperta a bondade celestial e coroa o
restante de seu dia com esta virtude. Similarmente, se pratica um ato de misericórdia,
coroa o dia com misericórdia e ela será sua protetora num momento de necessidade.
Afortunado o homem que exibe uma conduta apropriada no plano terreno, pois dela
depende o despertar da conduta correspondente no plano superior.
Se durante a vida a pessoa jamais dedicou ou deu algo de si a outra ou não teve piedade
das outras, reforçará o atributo da justiça celestial (Midát Hadín). Logo, quando precisar
de benefícios, será tratada de modo igual. Deus a tratará com a mesma atitude com que
tratou os demais. Esta ideia é expressa em Isaías (3:10): “Diga aos justos que tudo será
bom para eles, pois comerão o fruto de suas atitudes. Pobres dos malvados! Eles terão
desgosto, pois serão tratados de acordo com a obra de suas mãos”.
É a isto que nossos Sábios aludem quando ensinam que Deus, bendito seja, aceita nosso
arrependimento e boas ações como suborno. “Boas ações” são os atos de bondade e
caridade que praticamos neste mundo. Estes atos fazem com que o nosso arrependimento
seja aceito nos céus, mesmo que sejam inadequados sob o puro ponto de vista da justiça.
Os atos de cada pessoa fazem com que atraia para si os atributos Divinos da bondade da
compaixão enquanto estiver viva. A própria virtude da justiça a tratará com bondade –
concedendo-lhe crédito no fim dos seus dias, por ter agido com bondade e arrependimento
em todas as suas Mitsvót.
Agora podemos entender o motivo pelo qual, através da Torá, Deus, bendito seja, exige do
homem incorporar este atributo, como bem o expressam as Escrituras (Miqueias 7:18):
“Deus deseja a bondade”. O desejo do Eterno é que as pessoas de Seu povo sejam
inocentadas no dia do julgamento de cada um e que, Deus não o permita, não sejam
declaradas culpadas. Portanto Ele os comanda, insistentemente em toda a Torá, a seguir
Seus caminhos de bondade e benevolência, para que Ele possa, no final, conduzir-se com
relação a cada um de nós a partir desta mesma virtude.
Capítulo 4
A grandeza da bondade
DIA 5
Venha e constate você mesmo a grandeza desta Mitsvá. Ela consta entre as Mitsvót “cujos
frutos o homem consome neste mundo, enquanto seu estoque permanece reservado para
o Mundo Vindouro”, como diz a Mishná (Peá 1:1). 10 Nossos Sábios (Talmud de Jerusalém,
ibid.) acrescentam que a bondade perdura como crédito do homem até o fim de todas as
gerações, como dizem as Escrituras (Salmos 103:17): “Mas por toda a eternidade é a
benevolência (Chéssed) do Eterno, para os que O temem”. Por outro lado, o efeito da
caridade (Tsedacá) dura somente três gerações, como está escrito (ibid.): “E Sua caridade
para os filhos dos filhos”.
Os atos de bondade são designados como “bondade Divina”, pois através deles fazemos
com que Deus exerça este atributo Divino neste mundo, como vimos no capítulo anterior.
Os méritos também atuam em benefício do homem quando ele enfrenta dificuldades e
salva-o dos problemas, como está escrito em Avodá Zará (17b): “Nossos mestres
ensinaram: Quando Rabi Elazar filho de Parta e Rabi Chanina, filho de Teradion, foram
presos, Rabi Elazar disse a Rabi Chanina: Bem-afortunado sois! Pois foste preso por uma
acusação! Pobre de mim que fui preso por cinco acusações! Rabi Chanina respondeu: Feliz
és tu! Pois foste preso por cinco acusações, mas serás libertado. Pobre de mim! Fui preso
por uma acusação, mas não serei libertado. Tu te ocupaste com o estudo da Torá e com
atos de bondade, enquanto eu me ocupei somente com o estudo da Lei. Isto atesta as
palavras de Rav Huna, que disse: Aquele que se ocupa somente com o estudo da Torá, é
como se não tivesse Deus, pois está escrito (2 Crônicas 15:3): ‘Por muito tempo Israel
esteve sem o verdadeiro Deus’”.
O que significa estar ‘sem o verdadeiro Deus?’ – significa ocupar-se somente com o estudo
da Torá como se Deus não estivesse para protegê-lo” (veja Rashi, ibid.) Veja também o
que diz o Talmud (ibid.)
Rabi Chanina também praticou atos de bondade: foi tesoureiro de um fundo de caridade.
Mas não fez tanto quanto poderia ter feito.
O conteúdo desta passagem pode ser mais bem elucidado com um trecho do Midrash
(Rute Rabá, capítulo 5): “Veja e considere quão grande é o poder das pessoas que
praticam atos de bondade, pois não se abrigam sob a sombra da manhã, nem sob a
sombra do Sol, nem sob a sombra das asas dos Chaiót, Kerubim e dos Serafim, mas sob
as asas de Quem elas se abrigam? – sob a sombra Dele, com cujas palavras o mundo foi
criado, como está escrito (Salmos 36:8): ‘Quão preciosa é a Tua bondade, ó Deus, à
sombra das Tuas asas se refugiam os homens’”.
Eis o que esta passagem nos quer transmitir: Quando a Corte Celestial conduz um
julgamento, muitos anjos de misericórdia sentam-se no Sinédrio celestial (na verdade
formam a maioria do corpo jurídico Celestial, sentando-se à direita do trono Divino, com a
finalidade de achar méritos na pessoa que está sendo julgada – por isto são chamados de
Nedivim (generosos) de acordo com o Shaarê Orá 11). Contudo, estes anjos atuam de
acordo com o atributo da justiça; mas quando o Santíssimo, bendito seja, senta-se Ele
próprio para julgar o homem, apenas o atributo da misericórdia é aplicado, como dizem as
Escrituras (Salmos 118:8): “Melhor é confiar no Eterno do que nos Nedivim”.
Mas Deus conduz sozinho um julgamento somente quando a pessoa praticou atos de
bondade e ela própria abriu as comportas das fontes celestiais da bondade para jorrarem
sobre si. É somente neste caso que o homem ganha o mérito de ter o Altíssimo, bendito
seja, como seu único juiz. Isto é o que o Midrash pretende dizer (Rute Rabá 5:4): “Veja e
considere quão grande é o poder dos que praticam atos de bondade... como está escrito:
‘Quão preciosa é a Tua bondade, ó Deus’ (Salmos 36:8). ‘Quão preciosa’, na verdade, é o
despertar da Tua bondade pelos teus filhos, que deste modo se tornam merecedores da
proteção ‘sob a sombra das Tuas asas’ e não de Suas criaturas”.
A mesma ideia é expressa no Salmo 17:2: “De Ti emanará meu julgamento, de Ti que tudo
vês com retidão”. Ou seja, da Tua única presença, sem a participação da Corte Celestial.
Também está escrito (2 Crônicas 18:18): “Vislumbrei o Altíssimo sentado em Seu trono e
todas as Hostes Celestiais sentadas ao Seu lado direito e ao Seu lado esquerdo” – “ao
lado direito para inocentar e ao lado esquerdo para condenar”, como explicam nossos
Sábios. Esta distinção é expressa no versículo: “Que os Vossos olhos olhem para a direita”
– significando que, quando Deus julga tanto os justos quanto os perversos, Seus olhos
buscam méritos até mesmo nos atos dos perversos, levando em conta as circunstâncias
que os provocaram. Isto não acontece quando a Corte Celestial senta-se para julgar.
Neste caso quem está sendo julgado não deve esperar uma atitude semelhante do tribunal.
Agora podemos compreender a passagem em questão. Se um homem se ocupa com o
estudo da Torá e com atos de bondade, desperta o atributo Divino da misericórdia. Quando
ele estiver em dificuldades, Deus não o permita, o Altíssimo, bendito seja, ouvirá seu caso,
lhe estenderá Sua benevolência e esta será a sua salvação. Mas isto não ocorre com
quem se dedica só ao estudo da Torá e não pratica atos de bondade. Neste caso a
bondade Celestial não se desperta em seu favor. Se mais tarde esta pessoa passar por
alguma angústia, Deus o livre, e ao mesmo tempo sofrer uma acusação Celestial, não
poderá impedir que as forças da justiça exerçam sua ação sobre si. Eis como nossos
Sábios afirmam esta ideia: “Aquele que se ocupa do estudo da Torá e não pratica atos de
bondade, equivale a quem não tem Deus”. O sentido desta afirmação é que a pessoa não
poderá contar com o atributo da bondade Divina como escudo protetor, como se não
tivesse Deus a seu lado para protegê-la das forças da justiça e como afastasse a bondade
para longe de si.
Ideia similar é expressa no Talmud (Baba Cama 17a), de acordo com uma das opiniões ali
apresentadas: “Quem é diligente no estudo da Torá e age com bondade, subjuga seus
inimigos, como está escrito com respeito a José (Iossef Hatsadic): ‘Com eles escorneará
(= derrotará) povos juntamente, até as extremidades da Terra’ e adquire percepção
intuitiva, como os filhos de Issachar, de quem está escrito (1 Crônicas 12:32): ‘E os filhos
de Issachar compreendem os tempos... ‘.”
É possível adquirir compreensão pelo mérito do estudo da Torá, como os filhos Issachar,
mas só é possível derrotar os inimigos pelo mérito da bondade, como ocorreu a José, que
fez Chéssed em grande escala. José proveu alimentos a diversos países durante os anos
de fome, especialmente à família de seu pai, Jacó. Além disso, cuidou dos detalhes do
funeral de seu pai e isto também é chamado de Chéssed pelas Escrituras (Gênesis 47:29):
“E farás comigo caridade (Chéssed) verdadeira”.
Depois de tudo o que foi dito aqui é preciso apreciar verdadeiramente a virtude da
bondade, apegando-se a ela e ser salvo por ela de todas as dificuldades neste mundo e no
Mundo Vindouro.
Capítulo 5
Recompensa: outros aspectos
DIA 6
Devemos nos aproximar intensamente da virtude da bondade! Ela é eficaz para despertar
a misericórdia Divina com Israel, mesmo depois de usufruir e esgotar todo o mérito
acumulado pelos patriarcas. 12 Nossos Sábios disseram (Talmud de Jerusalém, San’hedrin
10:1): “Rabi Iehudá filho de Chana disse em nome de Rabi Berachia: Deus disse a Israel:
Meus filhos, se virem o mérito dos patriarcas e das matriarcas de Israel enfrequecer,
empenhem-se em atos de bondade. Qual a razão para isso? – ‘Pois os montes se
retirarão de onde estão, e as colinas serão removidas’ (Isaías 54:10) – ‘os montes se
retirarão’, refere-se aos patriarcas e ‘as colinas serão removidas’, às matriarcas. Deste
ponto em diante, ‘Minha bondade não se apartará de ti... diz o Eterno que se compadece
de ti’.”
Esta passagem transmite a seguinte ideia: Nosso patriarca Abrahão praticou e espalhou
bondade e caridade pelo mundo, como descreve a porção Vaierá. Encontramos um modo
de conduta idêntico em todos os patriarcas (Gênesis 18:19): “Eu lhe tenho dado atenção
especial, de modo que ele ordenará a seus filhos e à sua casa depois dele, e eles
guardarão o caminho do Eterno, fazendo caridade e justiça”. Como consequência, fizeram
a bondade Divina se manifestar sobre todas as Suas criaturas. Antes do advento dos
patriarcas, a Shechiná (Presença Divina) esteve confinada no sétimo firmamento. Com
suas boas ações, nossos patriarcas causaram a descida da glória de Deus a este mundo,
onde ela ainda permanece por esse mérito. Assim diz o Midrash (Bamidbar Rabá 13:2):
“Veio Abrahão e a fez descer até o sexto, Isaac até o quinto... até que, no momento da
revelação no Monte Sinai, a Shechiná desceu à terra”.
Visto que o homem encontra-se confinado pelas dimensões do tempo e do espaço,
também suas ações não têm poder de penetração além de um certo limite – o ponto mais
distante é onde seus méritos podem alcançar. Então as Escrituras alertam: se virmos
exaurir os méritos dos nossos patriarcas, nós mesmos devemos despertar o atributo Divino
de benevolência e caridade para este mundo, abraçando suas virtudes com as nossas
atitudes. Por conseguinte, Sua bondade nos envolverá e jamais nos deixará, medida por
12amedida. (A expressão Ló iamush, implica em “nunca deixar”, como no versículo em
Êxodo 13:22, Ló iamish – “a coluna de nuvens nunca deixará Israel”).
Esta Mitsvá também contribui para a libertação de Israel do jugo das nações gentias,
como ensina o Talmud, Berachót 8a. Sua importância excede a dos sacrifícios, como
expressa o Ialcút (Oseias 522) com referência ao versículo em Oseias (6:6): “‘Pois Eu
desejo benevolência e não oferendas’– O Altíssimo, bendito seja, declarou: ‘A caridade que
vós fazeis uns com os outros é mais preciosa para Mim do que todos os sacrifícios
oferecidos pelo rei Salomão’” “Salomão trouxe mil oferendas “ (1 Reis 3:41).
Esta lição é ainda mais enfática no Talmud de Jerusalém (Peá 3a), que afirma que
caridade e a pratica de Chéssed equivalem em importância a todas as outras Mitsvót da
Torá.
Diz o Midrash (Rute Rabá 2:14): “Rabi Zeira disse: ‘O rolo (Meguilat Rut) não adiciona
coisa alguma sobre os rituais de pureza e impureza, proibição ou permissão. Por que então
foi compilado? – Para ensinar quão grande é a recompensa dos que praticam a bondade”.
Esta passagem refere-se a Boaz, que ganhou o mérito de ser progenitor de David e seus
descendentes, para quem a realeza de Israel permanece reservada para sempre.
As chuvas também são concedidas pelo mérito da bondade, como nota o Talmud de
Jerusalém no tratado Taanit (14b). Se uma pessoa foi condenada à morte por decreto
Divino, Deus não o permita, ela pode ser salva pelo mérito do Chéssed que praticou
(Midrash Tanchuma, Kedoshim). O Chéssed também é eficaz em salvar o homem das
garras de suas paixões, como encontramos no tratado Avodá Zará 5b: “Abençoados sejam
os filhos de Israel. Quando eles se ocupam com Torá e atos de bondade (Guemilút
Chéssed), sua má inclinação é dominada por eles e não eles por sua má inclinação, como
disse o profeta (Isaías 32:20): ‘Abençoados sejais, que semeiam sob todas as águas’.” O
significado desta passagem é que a má inclinação tenta dominar o homem de duas
maneiras: primeiramente, tenta distrair sua atenção para assuntos levianos. Logo, habitua
os membros de seu corpo a todo tipo de atividade contrária à vontade de Deus, bendito
seja. Entretanto, aquele que se ocupa com Torá e atos de bondade consegue subjugar
suas inclinações e as conduz sob seu controle. Através da Torá absorvemos os
ensinamentos do Deus vivo e santificamos os poderes da mente ao mesmo tempo em que
nossos atos de bondade santificam os órgãos do corpo, pois os colocamos a serviço do
Rei do Universo.
Está escrito (Deuteronômio 10:12, 11:22): “... qual é a coisa que pede o Eterno, teu Deus,
de ti? ... que andes em todos os Seus caminhos” e (Êxodo 18:20) “... e os farás saber o
caminho por onde andarão”, referência aos caminhos da bondade do Altíssimo, bendito
seja, como afirmam nossos Sábios. Deste modo, o homem adquire imunidade às investidas
de sua má inclinação e passa agir da forma correta.
A pessoa que é constante no cumprimento desta Mitsvá ganha o mérito de gerar filhos
sábios, abastados e versados em Agadá13 nas palavras dos nossos Sábios: “Rabi
Iehoshúa, filho de Levi, disse (Talmud, Baba Batra 9b): Aquele que pratica a caridade
habitualmente, terá filhos sábios, abastados e versados em Agadá – ‘Sábio’ como está
escrito (Provérbios 21:21): ‘Quem persegue a caridade encontra a vida’ (com relação à
sabedoria, as Escrituras relatam (Provérbios 8:35): ‘Quem me encontra, encontra vida’ –
Rashi); ‘abastados’ – como está escrito (ibid.): ‘E encontrará prosperidade’; versado em
Agadá – como está escrito (Provérbios 3:35): ‘O sábio herdará honrarias’ (ou seja, a
exposição homilética da Torá em público atrairá grandes plateias e lhe trará honras –
Rashi).
Aqui Rabi Iehoshúa fala sobre “caridade”, mas refere-se igualmente a todos os atos de
bondade, pois o versículo diz: “Aquele que persegue caridade e atos de bondade”.
A razão pela qual o sábio limitou-se a falar somente em “caridade” parece esclarecer que a
recompensa de “vida, prosperidade e honra” seja concedida a cada virtude em separado, e
não às duas conjuntamente.
Todas as bênçãos da Torá possuem esta característica, como vemos no versículo
(Deuteronômio 28:22): “E virão sobre ti todas as bênçãos e te alcançarão, pois
obedecerás a voz do Eterno, teu Deus”. Tana Devei Eliahu (final do capítulo 26), comenta:
“Quando estas bênçãos chegarão a ti? – Se obedeceres ao Altíssimo, teu Deus e andares
nos Seus caminhos, os caminhos dos Céus. E quais são os caminhos dos Céus? – Assim
como Ele é misericordioso e tem compaixão até mesmo com os maus, recebendo-os e
aceitando sua Teshuvá, assim como Ele alimenta e sustenta todas as criaturas – seja você
também misericordioso com os outros, ampare o próximo e ajude teu semelhante. Outra
explicação: Quais são os caminhos dos Céus? – Ele é benevolente e estende Sua bondade
tanto aos que O conhecem quanto aos que não O conhecem – Ele dispensa bondade em
abundância e pende Suas ações para a caridade; faz tu também como Ele e presta favor
ao teu semelhante, pratica caridade para com o próximo e pende tuas ações para a
bondade.
De tudo o que dissemos aqui, é possível ter uma ideia da grandiosidade desta virtude – a
bondade. Feliz da pessoa que se apega a ela com todo o coração, pois com isto adquire
mérito para as gerações seguintes.
Capítulo 6
Uma explicação mais ampla sobre a
recompensa
DIA 7
Veja como é grande a recompensa dada a quem é bondoso com seu semelhante! Até
mesmo as consequências indiretas dos seus atos lhe são creditadas como se partissem de
si. Isto ocorre de diversas formas, como explicaremos aqui, demonstrando assim, a
importância deste assunto.
1 Como isto pode nos afetar na prática: vamos supor que alguém tenha ajudado
financeiramente uma pessoa enferma e que este auxílio ajudou-a a restabelecer a saúde.
Quando forem determinar a recompensa desta pessoa, além do dinheiro que gastou com o
doente ser levado em conta, os Céus a considerarão como se tivesse salvado a própria
vida de quem restaurou a saúde. A evidência desta conclusão está nas palavras dos
nossos mestres (Midrash Tanchuma, Mishpatim 15): “Assim disse Rabi Tanchuma: ‘Aquele
que favorece o pobre empresta ao Senhor, e suas boas ações Ele remunerará’ (Provérbios
19:17). Quem provê os pobres é como um credor de Deus e Ele retribuirá, recompensando
seus atos de bondade. Rabi Pinchás, o sacerdote, filho de Chamá, disse em nome de Rabi
Reuven: O que significa ‘Ele remunerará?’ – Alguém pode pensar que se eu der uma
moeda a um pobre, Deus me dará uma moeda como pagamento. Ao invés disso, Deus
declara: Aquele homem faminto estava à beira da morte. Você o nutriu e lhe deu vida! Em
retribuição, dar-te-ei vida também. No futuro, teu filho ou filha poderão estar enfermos ou à
beira da morte. Lembrarei o que fizeste por aquele pobre homem e os salvarei da morte
em teu mérito. É isto o que significa ‘Ele a remunerará’. Deus paga vida com vida”. Este
versículo ensina outra importante lição. Alguém pode estar precisando de um favor como
cortesia. Deus lhe pagará de acordo com seus atos. Se for de sua natureza ter piedade e
fazer o bem gratuitamente com os outros, eles também lhe prestarão favores e lhe serão
bons. O contrário também é verdadeiro: se não praticar o bem com o próximo, Deus
também o abandonará. Por isto as Escrituras ensinam: “Quem dá aos pobres, empresta a
Deus e Ele lhe retribuirá por isso”.
2 Todos os benefícios advindos das pessoas que ajudou lhe serão creditados.
Suponhamos por exemplo que uma pessoa perdeu tudo o que tinha e que alguém lhe
emprestou uma quantia em dinheiro. A pessoa empregou esta soma de modo lucrativo e
com isto conseguiu manter a família e a si próprio. Além disso, ainda proveu sustento a
seus empregados. Neste caso, aquele que emprestou será considerado como se tivesse
ajudado todas estas pessoas, pois, graças ao seu empréstimo, a pessoa pôde investir em
seu negócio e prosperar. O ato original causou uma corrente de benefícios. O Talmud
(Baba Cama 9a) conta um incidente semelhante: “Rabi Iochanan disse: roubar de um
colega, até mesmo um centavo, equivale roubar-lhe vida, como está escrito (Provérbios
1:19): ‘Assim são os caminhos de todos aqueles ávidos por ganho; isto tirará a vida de seu
possuidor’. Poderíamos pensar que isto se refere somente a ele e não a seus filhos e
filhas, mas as Escrituras dizem (Jeremias 5:17): ‘Tu comerás o pão da tua colheita, assim
como os teus filhos e as tuas filhas’. Podemos também afirmar que isto só se aplica aos
casos diretamente implicados na ação e não aos resultantes de más ações, como roubar.
Vejam este exemplo (1 Samuel 21:1): ‘E disse o Eterno a Saul e sua sangrenta casa, por
ter morto os Gibeonitas’. Por que o versículo diz que Saul matou os Gibenonitas?
Provavelmente porque destruiu Nov, a cidade dos sacerdotes (cohanim), que os provinham
com alimento e água (como pagamento pela madeira que cortavam e a água que os
Gibeonitas extraíam para o Altar). As Escrituras consideram como se Saul tivesse matado
também os Gibeonitas’.” 14 Aqui temos um exemplo de como é administrada a justiça
Divina. É realmente espantoso notar como as atitudes dos homens são levadas em
consideração mesmo se causam perdas ou danos indiretos aos outros. Não é preciso ser
a causa direta do dano. Basta impedir, mesmo que de forma indireta, que uma pessoa
provenha a outra um meio de sustento. Se o fizer, os Céus considerarão como se lhe
tivesse ceifado a vida e enorme castigo lhe será aplicado.
Sabemos que a medida de misericórdia Divina excede Sua medida de justiça. Castigos são
reservados até a terceira ou quarta geração, ao passo que as bondades Divinas perduram
até mil gerações (Êxodo 21:6) como explicam nossos mestres (Tosefta Sotá capítulo 4).
Imagine quanto benefício está reservado para quem faz um favor a seu semelhante e às
outras pessoas ligadas a ele. Todos os resultados positivos destas ações lhe serão
creditados para o dia que receber sua recompensa. Uma vez que reflita sobre isto, você
tentará ajudar seu próximo de todas as formas possíveis.
Considere isto também: como podemos erguer nossos olhares para o Santíssimo, bendito
seja, e pedir na prece Amidá “Sim shalom... Estenda sobre nós paz, bem-estar e bênção,
graça, bondade e misericórdia...” – se não alimentarmos o desejo de tratar os nossos
companheiros com compaixão e bondade? Deus dificilmente aceita os pedidos de quem
não pratica a bondade. Isto vale especialmente para nossas preces diárias onde pedimos
sustento ao Eterno, bendito seja – “Aquele que concede vida com bondade” –, conscientes
de que precisamos de Sua total benevolência. Não obstante, quem pratica constantes atos
de bondade deve esperar que seus pedidos de sustento sejam aceitos de bom grado por
Deus, bendito seja, como afirmam nossos Sábios (Midrash Shocher Tov, capítulo 65):
“Quanto a Ben Azai e Rabi Akiva, um deles declarou: Quem concede bondade, receberá
boas notícias, sua oração será aceita, como está escrito (Oseias 10:12): ‘Semeiem de
acordo com a vossa justeza, colham de acordo com a vossa bondade’. O que está escrito
a seguir? – ‘É tempo de buscar a Deus’. Ele reza a Deus e sua oração é aceita: então,
recebe a alegre notícia que seus pedidos foram atendidos. E disse Rabi Chanina: não
estou em desacordo com a afirmação de meu mestre, mas venho adicionar a ela: ‘Mas eu,
por Tua imensa misericórdia, entrarei em Tua casa’ (Salmos 5:8). Logo após, está escrito:
‘Responde-me segundo a veracidade de Tua salvação’ (Salmos 69:14)”.
Se isto é verdadeiro quanto à prática da bondade com todo e qualquer judeu; é mais
verdadeiro ainda quando se trata de prestar auxílio a um estudioso, para que ele possa se
sustentar sozinho. Neste caso, o mérito de quem ajuda é imenso. Pois desta forma este
erudito poderá dedicar-se unicamente ao estudo da Torá e isto também será creditado em
favor de quem o assistiu financeiramente, pois a pessoa que o assistiu sentar-se-á ao lado
dos eruditos na “Academia Celestial”. Nossos Sábios expressam esta ideia nos seguintes
termos (Pessachim 53b): “Rabi Iochanan disse: Quem põe mercadoria no bolso de um
erudito terá o privilégio de sentar-se à “Academia Celestial”, como está escrito
(Eclesiastes 7:12): ‘Quem se abriga sob a sabedoria terá também a cobertura do
dinheiro’.” ‘Quem põe mercadoria’ – para que o erudito tenha com que comerciar. ‘Se
abriga sob a sabedoria’ – o doador entrará na área reservada a este erudito, pois ele o
sustentou com suas posses Rashi.)
Esta afirmação não se aplica somente a mercadorias, mas a qualquer forma por meio da
qual um erudito possa se sustentar. Falamos de mercadorias, porque antigamente o
costume era vender artigos variados aos eruditos a preço de custo, para que ele as
vendesse e se sustentasse com os lucros.
O Talmud (Ketubót 112a) faz um comentário sobre o versículo (Deuteronômio 4:4): “E vós,
que estais unidos ao Eterno, vosso Deus, estais todos vivos hoje”: É realmente possível
unir-se à Shechiná? Não está escrito mais adiante (versículo 24), que “O Eterno, teu Deus,
é um fogo consumidor”? Eis o significado desta passagem: Quem casa sua filha com um
erudito (Talmid Chacham) e quem se associa nos negócios de um erudito (investindo de
seus recursos para que ele obtenha rendimentos e possa ocupar-se livremente do estudo
da Torá Rashi) e quem os auxilia com suas posses, é visto pelas Escrituras como se
“estivesse unido à Shechiná”. Veja o capítulo 21, onde citamos literatura rabínica referente
à grandiosidade da recompensa reservada para quem age desta forma.
Capítulo 7
A dimensão do dano em negar caridade e
Chéssed
DIA 8
Nos capítulos anteriores elucidamos a grandeza desta virtude sagrada. Agora exporemos a
natureza maligna da pessoa que nega-se a prestar auxílio e que cerra os olhos para a
caridade. Aprendemos no Talmud (Ketubót 68a), que “Aquele que fecha os olhos para a
caridade, é comparado a um idólatra, como está escrito (Deuteronômio 15:9): ‘Guarda-te
que não haja uma coisa perversa no teu coração Belial... de modo que o teu olho seja mau
para com teu irmão’ e com referência a uma cidade onde as pessoas são culpadas de
idolatria está escrito (ibid. 13:14): ‘Saíram homens ímpios Benê Belial do meio de ti’.”
(Esta inferência é feita por semelhança de leis – Guezerá Shavá15). O versículo em
Deuteronômio 15:9 também alude a quem se recusa a emprestar dinheiro, como vemos
nos tratados de Guitin 37a e Sotá 47b. Se alguém te chamar de Belial (sem coração ou
malvado), isto seguramente te irritará, mesmo que você e ele estejam a portas fechadas e
ninguém mais esteja presente. Imagine agora como você ficaria irritado se a Torá te
chamasse por este nome! Que vergonha e que humilhação você passaria quando fosse
chamado aos Céus!
Precisamos nos preocupar com o fato da pessoa que deixamos esquecida voltar-se para
Deus, chorando por não a termos auxiliado, como segue o versículo em Deuteronômio
15:9: “...e ele clame contra ti ao Eterno, e haja em ti pecado”. Veja que a situação desta
pessoa poderia ter mudado completamente se lhe prestassem ajuda, como apontam
nossos Sábios (Temurá 16a): “Quando um homem pobre aborda um homem rico e implora,
‘Ajuda-me!’ (ou seja, impeça minha falência concedendo-me empréstimo ou presente, para
que eu possa me sustentar Betsá 32a), se o rico o ajuda, melhor para si, mas se não o
fizer, saiba que ‘Rico e pobre encontram-se juntos; o Senhor é o Criador de todos eles’
(Provérbios 22:2). Quem fez o rico prosperar o tornará pobre e Aquele que fez o pedinte
empobrecer o tornará rico.
A literatura rabínica também evidencia que, se alguém se nega a auxiliar um irmão judeu,
suas posses passarão eventualmente para as mãos de outras pessoas, deixando-o com a
roupa do corpo. O versículo (Deuteronômio 28:47) expressa esta ideia: “Em troca de não
teres servido ao Eterno, teu Deus, com alegria e com bondade de coração, pela
abundância de tudo, servirás ao teu inimigo, que o Eterno enviará contra ti, em fome, em
sede, em nudez e em falta de tudo”. Tana Devei Eliahu comenta: “Como será esta fome?
– quando o pobre abordar o rico implorando por uma gota de bebida e o rico lhe recusar,
chegarão idólatras e lhe exigirão o melhor de seus vinhos. ‘Em nudez e falta de tudo?’ –
quando o pobre abordar o rico para pedir-lhe uma túnica de linho ou lã para vestir e o rico
não as der, chegarão idólatras e lhe tomarão a melhor de suas sedas”. Esta regra também
se aplica a Chéssed. Suponha que determinada pessoa não queira servir a Deus com
alegria. Um irmão judeu lhe pediu ajuda e ele não dispôs seus meios e recursos para
proporcionar-lhe sustento e cumprir a mitsvá da Torá de “Emprestarás dinheiro ao Meu
povo, ao pobre que está contigo...” (Êxodo 22:24). Se tivesse acudido o pobre em seu
momento de crise, todo o bem que fez a ele retornaria a si no futuro. Mas como não o
acudiu, estranhos inevitavelmente tomarão suas posses e ele não terá como recobrá-las.
Mesmo se praticou algum tipo de caridade, mas não fez o melhor que pode, correrá o
risco de perder dinheiro como consequência disso. Outras pessoas, que eventualmente
participem de seus negócios também perderão o que investiram. (Veja Ketubót 66b/67a
com relação ao empobrecimento da filha de Nacdimon ben Gurion).
Quem se nega a prestar auxílio ou a fazer caridade será condenado ao Guehinom, Deus
não permita. O Talmud traz o seguinte exemplo (Betsá 32b): “Rav disse: Os ricos da
Babilônia descerão ao Guehinom”. Seu pecado é terem se recusado a praticar atos de
bondade e caridade. Em Levítico Rabá (34:12) encontramos: “Rabi Iehudá e Rabi Shimon
disseram em nome de Rabi Iehoshúa filho de Levi: Que a mitsvá de ajudar os pobres
jamais pareça trivial aos vossos olhos – pois o não cumprimento invoca 24 maldições,
enquanto sua prática merece 24 bênçãos. De onde deduzimos as 24 maldições? – Do
versículo (Salmos 109:6, onde encontramos 24 expressões de sofrimento): ‘Nomeia sobre
eles um homem tão perverso quanto sua iniquidade...’, e por que isso? – Porque ele não
lembrou-se de fazer caridade. E a recompensa de 24 bênçãos? Porque está escrito
(Isaías 58:7,11, onde encontramos 24 expressões de felicidade): ‘Acaso não consiste ele
em repartir teu pão com o faminto... o Eterno te guiará continuamente, fartará a tua alma
mesmo em lugares áridos’.” Quem se nega a praticar bons atos ou a prestar caridade faz
Deus afastar Sua paz de Israel, como menciona o Talmud (Baba Batra 10a) a esse
respeito: “Assim disse Jeremias (16:5): ‘Disse O Eterno: Não entre na casa do enlutado
não se lamente nem chore sobre ele, pois Eu retirei deste povo a Minha paz, disse Deus,
até mesmo a bondade e a misericórdia’. ‘Bondade’ refere-se a Guemilút Chéssed,
enquanto ‘misericórdia’ refere-se à caridade”, (que outrora praticavam, mas já não o fazem
Rashi).
O Midrash Vayicrá Rabá (34) comenta o versículo, “Porque eles (Amon e Moab) não vos
receberam com pão e água...” (Deuteronômio 23:5): “Por acaso o povo de Israel precisou
de seus favores? Não desceu Maná, não jorrou água, não revoavam codornizes, nuvens de
glória não os envolveram e os pilares de fogo não lhes mostraram a direção durante os
quarenta anos no deserto?! – na verdade, trata-se de um ato básico de cortesia: Se um
peregrino pede passagem, precisa ser recebido com alimento e água. Como Deus lhes
pagou pela negação? Proibindo aos Amonitas e Moabitas de entrarem para a Sua
comunidade (ou seja, nenhum homem, descendente paternalmente de Amonitas ou
Moabitas, pode casar-se com uma mulher judia).
Aqui podemos fazer uma inferência de um caso menor para outro, mais grave (Cal
Vachomer16): se quem negou-se a prestar auxílio a pessoa que não precisava deste, foi
castigado com tanta severidade, maior será o castigo de quem se nega a prestar caridade
a quem realmente precisa dela!
Considere o tamanho da vergonha de quem nossos Sábios suspeitavam ser um
descendente da “grande mistura de gente Erev Rav que saiu do Egito junto ao povo judeu
(Êxodo 12:38).” Shabetai filho de Merinus foi até a Babilônia e rogou-lhes um empréstimo
comercial (sobre o qual “compartiria” os lucros). Além de não lhe concederem o
empréstimo, também se recusaram a lhe dar alimento. Ele então lhes disse: Estes são
descendentes da grande mistura, como está escrito (Deuteronômio 13:18): ‘Para que o
Eterno... tenha piedade de ti’ (Betsá 32b). “Quem é piedoso com as criaturas, certamente
descende de Abrahão, nosso patriarca.” (ibid.) Nossos Sábios declararam (Iebamót 79a):
“O povo judeu caracteriza-se por estas três virtudes: São modestos (baishanim),
misericordiosos e benevolentes (Gomlê Chassadim)”. Quem não tem estas três
características não merece fazer parte desta nação.
De fato, diversas fontes bíblicas e rabínicas afirmam explicitamente esta regra. Contudo,
para ser conciso, limitar-me-ei a uma única e conclusiva passagem. Vejam até onde
nossos Sábios descrevem a pessoa malvada, que se recusa a praticar atos de bondade,
dizendo (Cohélet Rabá 7:4): “Quem repudia a caridade está repudiando a própria doutrina
(da existência de Deus) cofer baicar”. Com esta definição quiseram assinalar que Deus,
bendito seja, é a fonte de toda a bondade e caridade. Seu propósito, quando criou o
universo, foi permitir a Suas criaturas que adquirissem méritos para que Ele pudesse
recompensá-las mais adiante com sua bondade e caridade.
A Torá foi revelada e seus mandamentos ordenados, para atender a esta finalidade. As
Escrituras afirmam (Deuteronômio 6:24): “E ordenou-nos o Eterno observar todos estes
estatutos, e que temêssemos ao Eterno, nosso Deus, para que seja bem para nós...”.
Por conseguinte, quem se recusa a aceitar este ponto de vista, dizendo “Para que preciso
deste princípio?”– rejeita fundamentalmente a própria existência Divina, os Céus não o
permitam. Por isso é preciso afastar de ti completamente este tipo de ideia, e apegar-se
aos caminhos de Deus, bendito seja, que estão sempre permeados de bondade e
caridade, para receber bondade neste mundo e no Mundo Vindouro.
Capítulo 8
Por que as pessoas são negligentes em
cumprir esta mitsvá?
DIA 9
Nos capítulos anteriores dissertamos sobre a grande recompensa reservada às pessoas
que incorporam a virtude da bondade. Agora examinaremos as razões pelas quais as
pessoas são negligentes com relação a esta Mitsvá. Demonstraremos também os pontos
falhos em seus argumentos. Começaremos apontando os cinco principais motivos pelos
quais alguém se nega a praticar um ato de bondade: medo, ignorância, ilusão de estar
isento dele, avareza e preguiça. Discutiremos um a um, com a ajuda de Deus.
MEDO. Algumas pessoas temem que o devedor não lhes restitua o empréstimo, por isso
ficam relutantes em aceitar garantias. É preciso refletir bem antes de eximir-se desta
obrigação. Primeiramente, se a quantia for pequena é preferível dá-la de presente e assim
cumprir o que está escrito (Levítico 25:35): “E quando empobrecer teu irmão e encostar
sua mão sobre ti, deterás sua decaída”. Certamente, é compulsório emprestar dinheiro
neste caso, mesmo se houver risco do necessitado não poder devolvê-lo, pelo motivo
descrito anteriormente. Mesmo se não pudermos aplicar estes motivos num caso
específico, onde o montante a ser emprestado excede a obrigação prescrita pela lei, ou
quando a Mitsvá “deterás sua decaída” não estiver envolvida – uma vez que o devedor
forneça garantias confiáveis, não podemos nos eximir de aceitar seu o penhor (a menos
que devedor seja uma pessoa violenta, que possa forçar o credor a devolver o penhor
antes da dívida ser paga).
Outro argumento com base no medo: a pessoa abordada teme precisar deste dinheiro em
curto prazo. Este argumento tem alguma validade. Se ela precisa do dinheiro para as
despesas de seu lar, certamente ela terá prioridade, pois sua vida precede a vida do
próximo. Isto também se justifica quando lhe apresentam um investimento imediato ou
quando lhe pedirem um empréstimo sem juros por um período demorado, pois nestes
casos é normal que uma oportunidade financeira demore a dar frutos. Mesmo assim, não é
razão suficiente para negar um empréstimo de dinheiro a curto prazo a uma pessoa
necessitada, deixando este dinheiro ocioso, à espera de uma oportunidade de lucrar com
alguma negociação repentina – a menos que a pessoa vislumbre participar de um
investimento financeiro real a curto prazo e que não possa ser feito senão com o montante
de que dispõe naquele instante. Mas isto se aplica somente às pessoas que não possuem
dinheiro em abundância e contam com seus investimentos para alimentar seus lares. A
pessoa muito rica, que tem dinheiro ocioso, tem certamente o dever de emprestar parte
dele a quem o peça e possa oferecer garantias confiáveis, mesmo que a soma pudesse
ser investida de outra maneira e lhe dar lucro. O mandamento positivo, “Quando
emprestares dinheiro aos pobres” (Êxodo 22:24), é compulsório a todos os indivíduos,
cada qual de acordo com suas posses (Sêfer Hachinuch, Mitsvá 66). Neste caso, os
meios de um rico são certamente suficientes para o seu sustento e a ele não se aplica o
princípio, segundo o qual sua vida precede a do próximo. O homem rico estaria usando
este dinheiro somente para aumentar sua fortuna, enquanto o pobre o necessita para
prover suas necessidades básicas. Se aceitássemos o argumento do rico que precisa de
seu dinheiro para outro fim, não haveriam limites; ele pode sempre alegar que um negócio
iminente está por lhe trazer lucro. Por conseguinte, argumentará que precisa de tudo o que
tem e se eximirá constantemente da Mitsvá de emprestar aos pobres.
Existe uma terceira razão, também motivada pelo medo, que faz com que a pessoa se
negue a prestar auxílio aos outros. Trata-se do receio de que o público tome conhecimento
de sua fortuna. Se o souberem, pressioná-lo-ão a doar mais para causas comunitárias.
Esta preocupação é certamente infundada. Quem pode se eximir de cumprir um
mandamento positivo da Torá alegando este tipo de receio? Isto não é menos legítimo que
o argumento de quem não empresta porque receia perder seu dinheiro. Inúmeras
passagens bíblicas e rabínicas indicam que este pecado é grave e que a punição é a
perda das posses neste mundo, como está no Talmud (Ketubót 66b).
Tana Devei Eliahu Zuta (capítulo 4) afirma: “Se você deu dinheiro para caridade, adquirirá
posses. Se adquiriu posses, doe-as para caridade enquanto estiverem em tuas mãos.
Adquire este mundo com tuas posses e herdarás o Mundo Vindouro. Pois se não as usar
para caridade, te abandonarão, como está escrito (Provérbios 23:5): “Se você piscar os
olhos para ela (a riqueza), já se foi”.
É preciso confiar que ao cumprir a vontade de Deus com nosso dinheiro, nada de mal
ocorrerá. Ao invés disso, nossas posses receberão uma bênção e aumentarão, como está
escrito (Deuteronômio 15:10): “Portanto, faze todo esforço para dar-lhe e não te sintas mal
em dar-lhe, uma vez que o Eterno, teu Deus, te abençoará em todos os teus
empreendimentos”. O que vale para a caridade também vale para os atos de bondade,
como estudamos nos capítulos anteriores. Portanto, mesmo que alguém tenha que
aumentar suas doações para caridade, pois ganhou a reputação de ter acumulado fortuna,
não deve se importar com isso, pois Deus seguramente lhe pagará pelo “prejuízo” que ele
tem praticando esta Mitsvá.
Considere esta situação: uma pessoa descobre um investimento que lhe fará lucrar
milhares de dólares por ano. Como resultado, os outros saberão que enriqueceu e seus
recursos aumentarão consideravelmente. Ela deixaria de aplicar seu dinheiro para evitar
enriquecer e evitar que lhe peçam contribuições? Se agir assim, a considerarão uma
pessoa tola. Um argumento similar pode ser aplicado ao nosso caso. Vale a pena
desdenhar a vida eterna por causa de algumas moedas de prata? A vida eterna é adquirida
justamente com os empréstimos que fazemos a quem precisa, cumprindo um mandamento
positivo da Torá. A recompensa pelas Mitsvót é infinita. Quem empresta dinheiro merece
abrigo sob as “asas” do Altíssimo, bendito seja, no Mundo Vindouro, como ensinam nossos
Sábios.
Existe outra forma de enfrentar este argumento da má inclinação. A pessoa rica pode
confiar suas somas destinadas a Guemilút Chassadím a agentes ou representantes de
confiança, de modo a esconder sua identidade dos necessitados: o agente repartirá o
dinheiro em seu mérito. Este assunto é de grande importância, como explicaremos, com a
ajuda de Deus, no capítulo 14.
Capítulo 9
Refutação da ignorância
IGNORÂNCIA. Certas pessoas são negligentes com a prática da bondade por completa
ignorância. Elas não têm consciência da importância e da obrigatoriedade desta Mitsvá e
não fazem ideia da recompensa que ela traz. Consideram-na uma bonita virtude e conduta
elogiável, mas não percebem que trata-se de um mandamento positivo da Torá, assim
como Sucá, Lulav e Tefilin. Vejam, meus amigos, como somos desleixados com esta
Mitsvá. Quanto esforço faz o judeu para construir sua Sucá, para comprar seu Lulav e
Mitsvót afins! Ansioso por cumprir cada Mitsvá em todos os seus detalhes, jamais se
arrepende de ter se empenhado tanto para cumprir um mandamento Divino, pelo contrário,
alegra-se por Deus lhe ter dado a oportunidade de se engajar nestas Mitsvót e por ter sido
capaz de cumpri-las à risca. (De fato, devemos nos alegrar ao refletirmos que o homem,
afinal, é uma pequena criatura cujos dias na terra são contados e que está destinada a
transformar-se em pó e cinzas; contudo e mesmo assim, a ela foi dado o mérito de servir
ao Eterno, Deus dos Céus, assim como as hostes celestiais). Por outro lado, com que má
vontade praticamos atos de bondade! O menor inconveniente é suficiente para nos afastar
deles. Quando decidimos agir, o fazemos com relutância e tristeza, sem qualquer traço de
prazer.
Gostaria de descrever um caso particular, e as pessoas inteligentes saberão aplicá-lo a
situações similares. Suponha que uma pessoa encontre outra na rua e lhe diga: “Irmão,
pode me emprestar um pouco de dinheiro por algum tempo?” Mesmo se o interlocutor
acreditar que o pedinte seja confiável para lhe devolver o empréstimo, encontrará inúmeras
razões para não atender o pedido. Pode por exemplo alegar ser-lhe um grande esforço
voltar para casa para pegar o dinheiro e por isto pedir-lhe que volte em outro momento e
ainda, que venha até sua casa para lá receber o dinheiro. Pode também alegar que só tem
uma nota de cem e que não deseja trocá-la ou mesmo pedir-lhe que aborde outra pessoa
no momento. As desculpas são muitas. Se o pobre suplicar ajuda, o doador irá à sua casa
onde guarda o dinheiro, mas o fará relutante e tristemente, sem demonstrar alegria por
isto. Até mesmo sua expressão facial é capaz de piorar pelo incômodo que pensa lhe
estarem impondo.
Agora considere isto, meu amigo! Suponha que um homem de sua estrita confiança te
aborde na rua e diga: “Rápido, irmão, vá para casa. Quero te contar a respeito de uma
boa proposta de negócios. O investimento inicial é baixo... mas os lucros são altos. Após o
término da transação, você pode me dar uma soma modesta pela recomendação”. O que
você responderia a esta pessoa? “Desculpe, mas estou muito cansado para ir a minha
casa pegar o talão de cheques. Procure outra pessoa, ela fará o negócio”. Não! Você
certamente correria para casa imediatamente e procuraria reservar o negócio para si.
Logo ao constatar o sucesso do negócio, teria mais do que prazer em louvar quem te
ofereceu tamanho bom negócio!
Nosso caso é exatamente este. Quando alguém te procura pedindo um empréstimo sem
juros, trata-se de uma transação de pequeno valor aos olhos do pedinte, que tomou o
empréstimo. Pois ele ganhará não mais que uma pequena quantia com o pouco que você
lhe emprestou. Por outro lado, você, o credor, que praticou o ato de boa vontade, foi
abordado na rua para que pudesse realizar uma transação de grande valor e ganhar o
mérito de cumprir um mandamento positivo da Torá, cuja recompensa é eterna. Alegra-te
com isto! Recebe teu interlocutor com bom humor. E se Deus, bendito seja, te ajudou a
ponto de você poder praticar este ato de bondade, você deve correr para cumprir esta
Mitsvá, como está escrito (Provérbios 21:21): “Aquele que persegue justiça (caridade) e
benevolência encontrará vida, caridade e honra”. (Nossos Sábios ressaltam que o receptor
dá ao doador mais do que o doador dá ao receptor). É somente por conta dos muitos
pecados que a má inclinação minimiza a importância desta Mitsvá aos nossos olhos –
fazendo-nos enxergá-la apenas como uma prática louvável. O remédio adequado para
corrigir esta atitude é estudar as passagens relevantes da lei judaica que esclarecem este
tema. Recomenda-se em especial meditar sobre as parábolas dos nossos Sábios, que
enfatizam em detalhes a recompensa que aguarda quem pratica a bondade. Deste modo,
seremos capazes de subjugar o Iétser Hará (má inclinação).17
A ILUSÃO DE ESTARMOS ISENTOS. Há pessoas que se consideram isentas de praticar
caridade e argumentam para com sua consciência: “Por acaso sou o único em toda esta
cidade? Que esta pessoa vá e peça aos outros. Eles tem mais dinheiro que eu”. Este
argumento é enganoso. Primeiramente, quem garante que os outros ajudarão? O
Radbaz18 escreve em sua responsa que, mesmo se alguém possui parentes ricos na
cidade, mas eles não o ajudam, os demais habitantes têm o dever de ajudar esta pessoa.
Se os seus parentes se desviaram das leis de Deus, por isto ela deve morrer de fome?
Além disso, se alguém nos aborda pedindo auxílio, isto não nos isenta de ajudá-la
simplesmente porque na cidade há gente com mais possibilidades de fazê-lo. O que
escrevemos anteriormente a respeito também é prova irrefutável disto.
Em certas ocasiões as pessoas eximem-se de ajudar alguém porque no passado
emprestaram dinheiro a outra pessoa e ela ainda não os pagou. Este argumento também
carece de lógica. Se o outro não teve moral, isto deve se aplicar a todo o povo judeu?
Enquanto consideramos o próximo confiável para nos devolver um empréstimo, não
podemos nos eximir de fazê-lo – principalmente se esta pessoa nos fornece avalistas ou
penhores que garantem o valor emprestado. Quanto à pessoa que não devolveu o dinheiro,
existem duas possibilidades: pode ser uma pessoa rica que arbitrariamente decidiu reter a
soma emprestada. Neste caso não há obrigação de emprestar-lhe mais dinheiro mesmo
que ela forneça garantias confiáveis, pois ainda há o perigo dela levar o credor a um
tribunal sob falsas alegações (para recuperar o penhor sem ter de pagar a dívida). Por
outro lado, se o devedor não pode pagar – por ter empobrecido, por exemplo –, ninguém
pode isentar-se de emprestar-lhe dinheiro, se desta vez ele puder oferecer garantias ou
penhores confiáveis.
Capítulo 10
O mal da avareza
DIA 10
AVAREZA. Algumas pessoas evitam a Mitsvá da caridade por mesquinhez (elas sofrem por
outros usufruírem de seu dinheiro). Nossos Sábios declaram (Sotá 47b): “Quando a
mesquinhez e os predadores19 se multiplicaram, aumentou também o número de pessoas
que endureceram seus corações e cerraram os punhos para não emprestar aos pobres,
transgredindo desta forma o que está escrito na Torá (Deuteronômio 15:9): “Guarda-te que
não haja uma coisa perversa em teu coração...”.
Este é um traço de caráter extremamente nocivo, pois leva as pessoas a se esquivarem de
praticar atos de bondade, oprimindo em seus corações sentimentos sagrados como a
piedade e a compaixão – fazendo-as tapar seus ouvidos para não ouvirem o grito de
clamor dos pobres.
Uma conduta como esta pode chegar a causar derramamento de sangue, como
encontramos no Talmud (Sotá 38b): “Rabi Iehoshúa, filho de Levi, disse: o novilho cujo
pescoço teve de ser degolado20 é apenas uma consequência da avareza, como está
escrito (Deuteronômio 21:7): ‘Nossas mãos não derramaram este sangue’. Poderia passar
por nossas mentes que os sábios de uma Corte de Justiça queiram derramar sangue? O
significado desta passagem é que uma pessoa encontrada morta viera ao nosso socorro e
nós não cumprimos com nosso dever e a deixamos ir; talvez não a tenhamos percebido ou,
mesmo que a tenhamos percebido, a deixamos partir sem alimentá-la ou sem prestar-lhe
auxílio (ou seja, ela precisou de alimento, mas não o encontrou e quando viu um transeunte
carregar provisões atacou-o e ele retaliou, matando-a Rashi)”.
Vemos, portanto, que se alguém aborda um colega em busca de auxílio e este último não
lhe prestou a devida atenção e o necessitado morreu como resultado de sua avareza, a
Torá chama o negligente de assassino.
Nossos Sábios denunciaram esta característica maligna e declararam(ibid.): “Quem aceita
a hospitalidade de gente mesquinha viola uma proibição, como está escrito (Provérbios
23:6): ‘Não coma o pão de um homem de mau olhado (mesquinho) e não deseje suas
delícias... coma e beba ele lhe diz, mas seu coração não está com você’.”
De um modo geral, o avarento suprime seus sentimentos de compaixão devotando seus
esforços para aumentar sua própria fortuna. Não empresta nada a ninguém, muito menos
seu dinheiro, a menos que possa ganhar algo com isso. Às vezes, sua desenfreada
mesquinhez e avidez por lucro o fazem desdenhar qualquer vantagem que lhe possa advir
por emprestar dinheiro, mesmo que cobre juros (transgredindo a proibição da usura). As
Escrituras alertam esta pessoa (Provérbios 28:22): “Um homem de olho mau se apressa
pela riqueza e não sabe que a carência lhe virá”.
O Midrash Tanchuma (Sidrá Behar) também identifica a pessoa de “mau olho” que “se
apressa pela riqueza” como um usurário, que tem pressa em tornar-se rico. Sua
propriedade é amaldiçoada e as Escrituras adicionam: “E não sabe que a carência lhe
virá”. O Sêfer Hachinuch estabelece que a avareza impõe uma barreira de ferro entre a
pessoa e a bênção reservada a ela; este defeito de caráter também afasta a pessoa da
compaixão Celestial, conforme nossos Sábios interpretam o versículo em Deuteronômio
13:18: “ ‘Para que o Eterno... tenha piedade de ti, se compadeça de ti e te multiplique’ –
Quem é misericordioso com os outros, merece que os Céus tenham compaixão de si; mas
quem não tem compaixão dos outros, não contará com a misericórdia dos Céus”. Nossos
Sábios também declararam (Arachin 16a) que “A praga da lepra abate o mundo por sete
motivos e um deles é a avareza (a pessoa mesquinha não permite que os outros usem
seus utensílios Rashi, como está escrito (Levítico 14:35), “E virá aquele de quem for a
casa e denunciará ao sacerdote, dizendo: Parece-me que há chaga na minha casa”. A
academia rabínica de Rabi Ishmael ensinava: (ele foi punido porque) reservou sua casa
para uso exclusivamente pessoal (ou seja, não permitia que outros se beneficiassem dela
Rashi). Como rezam as Escrituras (Levítico 14:45), esta casa precisa ser demolida: ‘E
derrubará a casa, suas pedras, suas madeiras e todo o pó da casa’. Em nossos dias, no
entanto, ainda que o Santíssimo, bendito seja, não deseje que pragas infectem as
edificações, sabemos que maldições abatem as posses das pessoas, como diz o Midrash
acima, medida por medida. Como esta pessoa foi mesquinha, recusando-se a ter piedade
ou compaixão de seu colega e por ter se recusado a permitir que usufrua de sua
propriedade, ela privou-se da defesa que lhe proveria qualquer atitude de Chéssed, então
a virtude da rigorosidade (Midát Hadin), chega e toma-lhe as posses. Inevitavelmente, sua
casa é destruída e, pois como sabemos, o mundo não se mantém às custas da justiça
pura e simples.
A Pesikta ensina: “Havia uma pessoa com posses consideráveis. Mas tinha um caráter
perverso e se negava a fazer caridade. Um dia, ela enlouqueceu, pegou uma tocha e ateou
fogo às suas propriedades. Depois pegou todo o seu ouro e prata e os jogou ao mar.
Então agarrou um machado e quebrou todos os seus barris de licor. O que causou este
comportamento?
Uma vez que ela não honrou a Deus quando possuía bens e fortuna, isso foi causado a
este homem mesquinho que não quis fazer o bem e a caridade com suas posses”.
O Ialcút (Reê) citado anteriormente declara: “Cuida não cessar tua compaixão, porque
quem o faz identifica-se com idólatras e afasta-se do jugo Divino. A palavra usada nas
Escrituras é Beliyal” (Beli – sem; Ol – jugo). Esta passagem nos alerta para o fato de que
os avarentos se apegam somente a seu dinheiro, e não a Deus. A Torá nos adverte por
remez21 no versículo em Êxodo 20:23: “Não fareis diante de Mim deuses de prata, nem
deuses de ouro, para vós”.
Não demonstrar compaixão e piedade pela pobreza alheia é, em si, um enorme pecado.
Veja o que dizem explicitamente as Escrituras (2 Samuel, capítulo 12) com relação ao
profeta Natan, que veio ao rei David e contou-lhe sobre o homem que possuía apenas um
pequeno cordeiro: por causa de sua pobreza, o criou, alimentou com seu próprio pão e
deu-lhe de beber de seu próprio copo. Veio então um homem rico, roubou o cordeiro e o
abateu. Quando a sentença foi levada ao rei David, ele exclamou: “Deus vivo! O homem
que fez isto merece morrer... porque não teve piedade alguma”. Um exame mais profundo
desta passagem revela que a razão principal deste veredicto (de morte) foi a total falta de
piedade com relação ao homem pobre (pois, pelo roubo e abate, o homem rico já havia
sido multado em quatro cordeiros).
Devemos meditar profunda e constantemente sobre esta passagem. Infelizmente, devido a
nossas muitas falhas, a falta de piedade ocorre com frequência, e está ligada a milhares
de nossos atos, com enormes consequências.
Ocasionalmente, além de negar ajuda aos necessitados, o avaro tenta influenciar seus
colegas a agirem do mesmo modo com relação aos menos afortunados. Ora, ele não quer
parecer o único malvado em cena. Então ultraja todos os que agem de forma diferente,
incorporando a descrição dos nossos Sábios (Pirkê Avot 5:13): “Quem não faz caridade e
não deseja que outros a façam, é uma pessoa perversa”.
Às vezes, a natureza avarenta tem tamanho controle sobre esta pessoa, que nega a si
mesmo o desfrute de suas posses. Com relação a ela, as Escrituras dizem (Eclesiastes
6:1): “Vi entre os homens um mal... alguém a quem foram concedidas pelo Eterno riqueza,
prosperidade e honraria... e a quem, no entanto, foi negada a capacidade de aproveitar
essas benesses...” As forças inferiores dominam esta pessoa, como mostra o Zôhar
(Beshalach 65 a/b): “Rabi Aba comentou o versículo em Eclesiastes 5:12): ‘Um mal
doentio tenho percebido sob o sol: riqueza guardada por seu possuidor, apenas para gerar
seu próprio dano’. ‘Um mal doentio’ – por acaso existem dois tipos de mal, um doentio e
outro, que não seja?
Sim, existem. Há um tipo particular de mal, que sabemos por tradição ser proveniente do
“Lado Esquerdo” e que emana emissários de punição. Quando estes querem sair, são
levados à depressão do “grande mar” e depois saem, unem-se, cruzam os ares, pairam no
mundo e se aproximam das pessoas. Cada um deles é chamado de ‘mal’ e é a eles que o
salmista (91:10) se refere quando diz: “Nenhum desastre se abaterá sobre ti”. Quando
algum destes desastres abate o homem, o fazem tornar-se avarento. Quando um coletor
de caridade bate-lhe à porta, o mal convence-o a não fazer doações, pois isto o
empobrecerá. Assim não lhe permite adquirir méritos por meio do seu dinheiro. Na
verdade, a partir do momento que este ‘mal’ acomete uma pessoa, ela torna-se ‘doentio’,
como um doente que não pode comer nem beber. O rei Salomão o proclamou com sua
sabedoria (Eclesiastes 6:1-2): ‘Vi entre os homens um mal que prevalece sob o sol... existir
alguém a quem foram concedidas pelo Eterno riqueza, prosperidade e honrarias, para que
nada falte dentro do que anseia sua alma, e a quem, no entanto, foi negada a capacidade
de aproveitar essas regalias, que vão servir apenas a estranhos’...
Se um homem confia em sua má inclinação e se alegra com ela, Deus não lhe dá poderes
para dominá-la e por isto é ela quem o domina. (Quando o Iétser Hará o convence a não
prestar auxílio a um colega, ele deixa-se convencer e assume esta atitude – então Deus
não lhe dá poderes para dominá-lo.) Seus modos são como os de um homem enfermo que
não pode comer nem beber e que guarda seu dinheiro, olhando para ele até deixar este
mundo e outro homem tomar posse dele, tornando-se seu dono. Por isto o rei Salomão
exclama: ‘Um mal doentio tenho percebido... riqueza guardada para o seu possuidor,
apenas para gerar o seu próprio dano...’ Quem é o seu possuidor? Uma outra pessoa, que
herdou seu dinheiro. Por que o primeiro não mereceu ser o possuidor de sua própria
fortuna? Porque aceitou o mal, desejou-o e apegou-se a ele. Portanto, aquele que não
apegou-se ao mal ganhou o mérito de apossar-se de sua riqueza. É a isto que o rei
Salomão chamou se ‘riqueza guardada... para gerar seu próprio dano’.”
Por conseguinte, é preciso que o homem afaste-se ao máximo da avareza e eduque-se
para ser bondoso com os outros. Não deve deixar seu senso de piedade diminuir. Então,
os outros também terão compaixão por ele, como está escrito: “Faze o bem, ó Eterno, aos
justos e aos retos de coração” (Salmos 125:4). O homem deve ter sempre em mente que
o dinheiro que Deus, bendito seja, lhe confiou, não foi concedido somente para usufruto
próprio, mas para ser estendido sob a forma de caridade e engajar-se em atos de
bondade (Guemilút Chéssed), como demonstraremos a partir de fontes bíblicas e
literatura rabínica. Então esta pessoa estará bem neste mundo e no Mundo Vindouro.
Capítulo 11
Refutando a preguiça: a busca vigorosa do
serviço divino
DIA 11
PREGUIÇA. Algumas pessoas deixam de praticar atos de bondade (Guemilút Chéssed),
não porque temem deixar seu dinheiro ($50 ou $100) ocioso, mas porque tem preguiça de
ir atrás dos devedores e cobrar o que lhes devem. Ao examinar este defeito, descobrimos
que a indolência é um dos motivos mais frequentes que impedem os homens de servirem a
Deus. A preguiça afasta os homens da Torá, das Mitsvót e da Teshuvá; pois é da natureza
do indolente postergar tudo para amanhã e para depois de amanhã. O rei Salomão
descreve este tipo de pessoa (Provérbios 24:31): “Eis que pragas tinham crescido por
toda parte, ele estava coberto de urtigas e seu muro de pedra estava quebrado”.
Nossos Sábios (Berachót 32b) afirmam que quatro assuntos demandam atenção especial:
o estudo da Torá, boas ações, orações e boas maneiras. Ou seja, é necessário um
constante esforço extra no campo das boas ações. Se o homem fraqueja, dizem os nossos
Sábios em nome de Shmuel (Berachót 63a), não terá forças para postar-se diante das
dificuldades (ou seja, quando prevaleça sobre ele a força do julgamento), como está
escrito (Provérbios 24:10): “Se te mostrares fraco no dia da angústia, é que a tua força é
pequena”. As Escrituras declaram também com relação à sabedoria e ao entendimento:
“Se você o solicitar como prata, e procurar por ele como tesouros ocultos – então você
compreenderá o temor do Senhor, e encontrará o conhecimento de D’us” (Provérbios 2:4-
5).
Temos de administrar nossos assuntos espirituais com o mesmo empenho que usamos
para administrar nossos negócios mundanos. Suponhamos que uma pessoa tem um
negócio. Ela não hesitaria em esperar por clientes atrás do balcão, mesmo num dia de frio.
Pesaria a mercadoria para o primeiro cliente, depois para o segundo, para um terceiro e
assim por diante... mesmo que seu lucro não fosse tão grande. Depois, sentar-se-ia
esperançosamente aguardando clientes, e quando aparecessem ficaria tão feliz que não
sentiria frio algum. A razão para isto é que, para esta pessoa sua vida depende deste
negócio. Se o faz mesmo sabendo que sua passagem pela terra é passageira, esta
pessoa deveria despender igual esforço nos assuntos referentes a Torá e Mitsvót,
perseguindo seu cumprimento e adquirindo conhecimento, como expressam as Escrituras
(Oseias 6:3): “Saibam que é nosso dever buscar a Deus com veemência”. Este esforço
não deve ser um fardo para nós. Mesmo que um devedor não pague sua dívida e para isto
precise ser lembrado e relembrado, não é por isto que um credor deva esmorecer em seu
dever de praticar Guemilút Chéssed, assim como aquele lojista não abandona seu negócio
porque precisa de um esforço extra para cobrar seus devedores.
Praticamente não existem negócios conduzidos sem linhas de crédito e sem esforços.
Também não há negócios onde não haja perdas ocasionais. Onde está teu argumento,
então? Que o lojista ganha no cômputo geral? E que este é seu meio de sustento neste
mundo? Mas você, meu amigo, ganhará a vida eterna, assegurando que tua alma esteja
ligada através do elo da vida com o Eterno, teu Deus. Quanto ao lojista, todo o esforço em
cobrar o que lhe devem, não aumenta seu lucro nem um pouco. Em nosso caso, contudo,
quanto maior o esforço em cumprir uma Mitsvá Divina, maior o valor da Mitsvá, como está
escrito (Pirkê Avot 5:23): “A recompensa chega de acordo ao esforço”.
Cobrar um dinheiro devido permite ao credor emprestá-lo novamente. A Torá indica isto,
pois está escrito (Êxodo 22:25): “Se tomares em penhor...”, e logo após “Emprestarás
dinheiro ao Meu povo...”. De acordo com a Mechilta (ibid.), a Torá nos ensina com isto
bons modos (Derech Érets): em primeiro lugar é preciso conceder um empréstimo e só
depois tomar algo como penhor. E o penhor em questão só pode ser tomado com a
permissão de um Beit Din. O Talmud rege (Baba Metsia 113b) que tomar um penhor sem
permissão de uma corte rabínica viola a proibição da Torá (Deuteronômio 24:10): “Quando
emprestares alguma coisa ao teu próximo, não entrarás em sua casa para lhe tomar o seu
penhor”. Também é proibido exigir em público o penhor de um devedor, como decreta o
Choshen Mishpat, capítulo 97. Isto refuta a crença ilusória de que é preferível não cobrar
um devedor, para não ter que emprestar-lhe novamente. A Torá ensina a conduta
apropriada: é melhor clamar seguidamente a soma devida até recuperá-la, para poder
emprestar este dinheiro novamente.
Neste capítulo descrevi alguns tipos de indolência à qual o Iétser Hará induz as pessoas.
Na verdade, existem ainda mais instâncias onde a preguiça humana sucumbe à má
inclinação e negligencia esta Mitsvá. Ao invés disto, devemos seguir o exemplo do lojista
citado acima e perseguir os atos de Chéssed assim como conduzimos nossos negócios
pessoais. Deste modo estaremos sempre nos ocupando com valores eternos. Uma vez
que o homem se habitue com este comportamento, a promessa da Torá cumprir-se-á para
ele (Provérbios 2:5): “então você compreenderá o temor do Senhor, e encontrará o
conhecimento de Deus”.
Capítulo 12
Uma mitsvá para todos os dias
Nos capítulos anteriores explicamos a grande importância da virtude da bondade. Ela é
eficaz em prolongar os dias do homem e expiar seus pecados. Ela o protege de todo o tipo
de mal. Através de sua prática o homem abriga-se sob a “sombra” do próprio Deus,
bendito seja e não sob asas de querubins. Usufrui os frutos de suas boas ações neste
mundo enquanto o fundo permanece intacto para o Mundo Vindouro. Tem sucesso em criar
filhos ricos e sábios. Torna-se merecedor de indulto no julgamento final e obtém outros
benefícios exaltados. Por isso, o homem deve procurar incorporar esta sagrada virtude e
amá-la intensamente, como dizem as Escrituras (Miqueias 6:1): “O que o Eterno requer de
ti, senão que pratiques a justiça e ames a beneficência”, pois esta Mitsvá protege o
homem até o fim das gerações, como explicamos no capítulo 4.
É preciso ser especialmente cuidadoso para não negligenciar a prática da bondade,
mesmo que por um só dia de nossas vidas, assim como fixamos um tempo certo para o
estudo diário da Torá. Encontrei no Sêfer Shaar Hakedusha do rabino Chaim Vital, 22 que
devemos lamentar todos os dias: “Pobre de mim! Passei mais um dia sem Torá e atos de
bondade”. O teor desta afirmação é a declaração dos nossos Sábios, que o mundo se
sustenta por três tipos de atividade sagrada: o estudo da Torá, os serviços do Templo e
Guemilút Chéssed. 23
Hoje em dia, estamos impedidos de exercer a segunda atividade, os serviços do Templo,
desde o dia de sua destruição, como resultado dos nossos muitos pecados. Como só
restam as outras duas atividades, devemos dar-lhes mais ênfase e reforço. Então nossas
iniquidades serão perdoadas, como diz o versículo (Provérbios 16:6): “Por benevolência e
verdade, a iniquidade é expiada”. Nossos Sábios (Berachót 5b) explicam que a
“benevolência” aqui se refere ao versículo em Provérbios 21:21: “Aquele que persegue
justiça (caridade) e benevolência, encontrará vida, caridade e honra”, enquanto “verdade”
refere-se a Torá, como fica evidente no versículo (Provérbios 23:23): “Adquira verdade e
não a venda...”.
“Rabi Iochanan ben Zacai e Rabi Iehoshúa bar Chanania estavam aos pés do Templo
Sagrado. Rabi Iehoshúa queixou-se: Pobres de nós! O lugar onde expiávamos nossas
iniquidades agora está desolado. Mas Rabi Iochanan respondeu: Meu filho, não se
lamente. Ainda temos um meio igualmente eficaz de expiação: os atos de benevolência,
como está escrito (Oseias 6:6): ‘Pois Eu desejo Chéssed e não oferendas’.” Agora que
não temos o Templo Chéssed também é eficaz em expiar os pecados como as oferendas.
Devido aos inúmeros pecados, o altar não ficava um dia sem receber oferendas; por
conseguinte, precisamos praticar atos de bondade todos os dias.
É lamentável a constante lembrança de já não termos o Templo e as oferendas. Por causa
dos nossos muitos pecados, nossa iniquidade prolifera a cada dia. Como resultado, o
homem de hoje carece ainda mais de um meio para expiar seus pecados. Mesmo quando
tínhamos o Templo, as pessoas daquela época precisavam aprimorar as virtudes da
bondade e da caridade durante todos os dias de suas vidas, como diz explicitamente a
Torá (Deuteronômio 11:22): “Se guardardes todo este mandamento... amando ao Eterno,
vosso Deus, andando por todos os Seus caminhos e vos aproximando Dele...” E, conforme
já explicamos, de acordo ao Sifrê, “andando por todos os Seus caminhos” refere-se a
adquirir as características do Eterno, bendito seja, que são a benevolência e a caridade.
A razão disto, diz o Zôhar, é que os dias do homem neste mundo tem continuidade, ou
seja, a cada dia uma criação espiritual toma existência. No futuro, quando chegar a hora de
cada um deixar este mundo, seus dias na Terra aparecerão diante do Criador para dar
testemunho sobre esta pessoa. Por isto, o homem deve esforçar-se para manter todos os
seus dias em completo estado de santidade. O estudo diário da Torá faz o homem
alcançar o amor a Deus, como o comentário Sifrê explica o versículo “E amarás ao Eterno,
teu Deus” (Deuteronômio 6:5). O mesmo se dá pela prática das Mitsvót, como mostram
nossos Sábios (Kedoshim 40b): “Grande é o estudo que leva à ação”. É igualmente
importante incorporar em nosso comportamento os atributos Divinos da bondade e da
caridade pelo seu valor intrínseco. Deste modo, nos tornamos merecedores que Ele faça
Sua luz resplandecer sobre nosso semblante, como prova o profeta (Isaías 58:10): “Se
abrires a tua mão ao aflito e satisfizeres a alma aflita, então nascerá a tua luz nas trevas...
o Eterno... fartará a tua alma mesmo em lugares áridos”.
É por isso que nossos Sábios afirmam inúmeras vezes “Aquele que se ocupa com o estudo
da Torá e com Guemilút Chéssed”. Note que os termos usados não são “Aquele que
estuda Torá e pratica atos de bondade”. A intenção ao utilizar o termo “ocupar-se”, é
colocar o homem sempre a postos para praticar esta atividade. Por conseguinte, os
Sábios acrescentam (Baba Batra 10a): “Quem se habitua a praticar caridade...”, provando-
o a partir do versículo (Provérbios 21:21) “Quem persegue a caridade e a benevolência...”,
ou seja, que constantemente busca praticar esta virtude.
Creio havermos discorrido longamente sobre este tópico, o suficiente para remover
algumas ideias errôneas já entrincheiradas em certas mentes, como por exemplo, a ideia
de que, se praticamos hoje uma boa ação para com outra pessoa, teremos cumprido
nossa obrigação pelas próximas semanas, mesmo se, por acaso, outros atos de bondade
estiverem ao nosso alcance. Pelo contrário. Enquanto estivermos vivos, neste mundo,
temos o dever diário de cumprir esta importante Mitsvá, desde que tenhamos como fazê-lo
e ainda que sejamos convocados inúmeras vezes num mesmo dia para isto.
Ora, se nos pusermos a analisar todos os dias de nossas vidas sob esta ótica,
perceberemos que a maioria estiveram vazios desta sagrada virtude e alguns vazios até
mesmo de Torá e temor a Deus. Portanto precisamos tratar de santificar o restante dos
dias de nossas vidas, para não deixar que passe um só dia sem nos ocuparmos com o
estudo da Torá e a prática de boas ações. Não devemos nos perguntar como praticar atos
de Chéssed no Shabat, pois Chéssed inclui uma variedade de atividades além de
empréstimos sem juros.
É possível perceber a grandeza destas duas atividades: o estudo da Torá e a prática de
Chéssed. Deus nos ensina no próprio início do alfabeto hebraico, a suprema importância
em prestar serviço a Ele. Nossos Sábios revelam (Shabat 104a): “As crianças tem acorrido
às casas de estudo, dizendo coisas que não tem sido pronunciadas desde os dias de
Josué. Alef Beit significa aprender o saber (Alef aprender Bina sabedoria). Guimel Dalet
significa fazer caridade com os pobres (Guemol dar Dalim necessitados) (ou seja, agir
benevolentemente com relação aos pobres.
Mesmo que atos de bondade também possam ser feitos para ricos Sucá 49, a Mitsvá é
mais relevante quando ajudamos os pobres, como coloca o Talmud Baba Metsia 71a: “Um
rico e um pobre – quem precede quem?”. Por que a base da letra Guimel tende para a
letra Dalet? – porque é natural que a bondade se estenda para com os pobres. E por que
o topo da letra Dalet estende-se em direção ao Guimel? Porque o pobre precisa estar
disponível àquele que deseja praticar a benemerência. E por que a face do Dalet está na
direção contrária ao Guimel? – porque deve dar-lhe em segredo para não envergonhá-lo.
As letras Hê e Vav representam o Nome do Altíssimo, bendito seja. Parece-me que está
ideia possa ser elucidada com a afirmação dos nossos Sábios (Baba Batra 75b), com
referência à passagem (Isaías 43:7): “Todo aquele que é chamado pelo Meu nome, e o
que foi feito para a Minha glória...”: o significado de Alef Bina Guemol Dalim é que o
estudo da Torá e Guemilút Chéssed, Hê Vav (o Nome de Deus) serão futuramente
chamados em teu nome. (Pois o Próprio Deus estuda Torá diariamente, como diz o Talmud
Avodá Zará 4b e Deus também alimenta e sustenta todos os habitantes do universo com
Sua bondade e benevolência, como diz o Salmista 136:25: “é Ele quem fornece alimentos a
todos os seres vivos, porque Eterna é Sua misericórdia”).
Em Tana Devei Eliahu (capítulo 13), notamos que o Altíssimo, bendito seja, disse ao
homem: “Meu filho, por que tu não aprendeste com teu Pai Celestial? Sentado em Seu
trono, Ele estuda as Escrituras e o Talmud durante o primeiro terço do dia; Ele pronuncia
Seus julgamentos durante o segundo terço e Ele dispensa caridade, alimenta e provém
sustento a todos os habitantes e todos os frutos de Suas mãos, durante a terceira parte
do dia. Se um homem declara perante Deus que estudou Torá desde os treze anos de
idade, Deus lhe perguntará: ‘O que conseguiu por meio do teu estudo?’ (ou seja, ele terá
que descrever o que aprendeu das Escrituras e do Talmud, como Tana Devei Eliahu afirma
em outro contexto) e que traços de boa conduta adquiriu? Não te ocupastes com
conversas tolas e comportamento indesejável? Como afirma o profeta (Amos 4:13): ‘Pois
Aquele que formou as montanhas e criou os ventos, pode descrever ao homem tudo o que
ele tenha conversado em vida’ “.
Veja como é grande a recompensa por estudar Torá e praticar a bondade! O Talmud expõe
o significado de todas as letras do alfabeto hebraico em sequência e continua com Zayin,
Chet, Tet, Iud, Caf, Lamed: “Se praticares a bondade, o Altíssimo, bendito seja, te
sustentará (Zan) e te dará graça (Chen), te trará abundância (me-Tiv), te deixará um
legado (Ierushá) – como diz o Talmud Baba Cama 17a: “Aquele que se ocupa com o
estudo da Torá e com a atos de bondade torna-se merecedor do legado da compreensão
de Issachar24 – e te colocará uma coroa (Keter) no Mundo Vindouro (Leolam Habá).
Esta passagem significa que o homem não deve temer que ao estender sua mão para a
prática da bondade e ao conceder empréstimos sem juros, seu capital e suas provisões
diminuam, ou que, por ocupar-se com o estudo da Torá, tenha que se preocupar de onde
virá seu pão. Esta passagem resolve a questão: “O Altíssimo, bendito seja, te proverá”.
Contrariamente do que se possa pensar, a prática da caridade provoca o aumento de suas
posses (como nossos Sábios declaram Sifrê, Deuteronômio 14:22: “Dê o dízimo Assêr
para que te tornes próspero shetitashêr” – o mesmo se aplica aos atos de bondade de um
modo geral, como escrevemos no capítulo 6). Com relação à Torá, o homem que a estuda
constantemente não sofre perdas financeiras como consequência de seu estudo, Deus o
livre. Nossos Sábios (Midrash Tanchuma Beshalach 21) dizem que um jarro contendo
maná foi guardado ‘diante do Eterno’ (Êxodo 16:33), como lição para as gerações futuras
que os Céus proveem o estudo da Torá.
O profeta Jeremias havia demonstrado ao povo de Israel que mesmo sem recorrer a
causas naturais, o Todo-poderoso, bendito seja, seria capaz de prover o sustento de toda
a população, como nos dias de então (veja Rashi sobre Jeremias 2:31).
O Talmud (Shabat 104b) cita a expressão supracitada, “O Altíssimo, bendito seja, te
proverá”, com o intuito de afirmar que o alimento de quem se ocupar com Torá e boas
ações chegará por meios sobrenaturais. Também está escrito que “Ele colocará uma coroa
por sobre ti, assim como um pai coroa seu amado filho”. Isto foi confirmado pelas
Escrituras (1 Samuel 2:30): “Pois Eu honrarei aqueles que Me honram”.
Ou seja, o próprio Deus os concederá honrarias de forma direta – e não por meio de
agentes, “E aqueles que Me desprezam serão desprezados” (ibid.) (de forma indireta;
Deus não os humilhará diretamente, mas esconderá Sua Presença, causando sua
vergonha durante o curso natural dos eventos). Pois a medida do bem excede a medida da
punição.
Capítulo 13
Destinando parte dos ganhos para
empréstimos
DIA 12
O capítulo anterior revelou importantes critérios sobre a grandeza da caridade e do dever
de nos empenharmos em sua prática sempre que a oportunidade se nos apresente.
Demonstramos também de modo convincente, como o Iétser Hará procura nos enganar
com todo o tipo de argumentação, para que não sejamos benevolentes. Que meritório
seria, portanto, se as pessoas a quem Deus abençoou com os meios adequados
reservassem parte de seus recursos e os guardassem em casa (cada um de acordo com
o que seus meios possibilitem), para um fundo permanente de Guemilút Chéssed
(empréstimos e benevolência).
Esta prática produz muitos benefícios. Primeiramente, o Iétser Hará, como sabemos,
inventa todo o tipo de escusa e racionalização para nos dissuadir de praticar esta Mitsvá,
como explicamos nos capítulos anteriores. É extremamente difícil resistir à sua persuasão
durante todo o tempo e mesmo quando uma pessoa quer fazer caridade, nem sempre os
membros de sua família lhe permitirão fazê-lo, levantando suspeitas sobre qualquer pessoa
que se aproxime dela. Isto não aconteceria se tivessem separado um dinheiro para este
fim, podendo, sem dificuldade alguma, cumprir todos os requisitos da lei referentes à
caridade.
Sei que o leitor pode estar pensando consigo mesmo: “Por que eu separaria este dinheiro
como fazem os Fundos de Empréstimo comunitários, que emprestam somas pequenas?
Melhor seria emprestar uma soma significativa uma única vez, a uma pessoa respeitável,
pois apesar de tudo, Guemilút Chéssed pode se fazer tanto para com os pobres quanto
com os ricos”.
É um engano pensar assim. Primeiramente, é uma Mitsvá maior emprestar para os
pobres. Nossos Sábios explicaram que o versículo (Êxodo 22:24): “Emprestarás dinheiro a
Meu povo, ao pobre que está contigo...” implica que se houverem duas pessoas
necessitadas e uma delas for pobre, esta última tem precedência (Baba Metsia 71a). Além
disso, quem não puder dispor mais do que uma pequena soma de seus recursos para
empréstimos sem juros e o destinar a uma pessoa rica, não terá como emprestar aos
pobres. As Escrituras ensinam que (Provérbios 2:5): “Se você o solicitar como prata...
então você compreenderá o temor do Senhor”. Nos negócios, se investimos pequenas
somas numa série de pequenos investimentos, podemos esperar um lucro mais significativo
do que se apostarmos todo o nosso capital numa simples transação. O mesmo se aplica
neste contexto, quando uma pessoa doa para um número de fundos, sendo uma pequena
quantia para cada um, como de uso, está praticando centenas de Mitsvót positivas da Torá
no decurso de um ano. Isto não acontecerá se uma grande quantia for emprestada a um
único indivíduo. Além disso, durante o período do empréstimo, esta pessoa pratica menos
Mitsvót do que se tivesse destinado pequenas somas para diversos fundos. Similarmente,
o Taná25 (Pirkê Avot 3:15) declarou, que o “O mundo é julgado com benevolência, e tudo
depende da maioria das ações praticadas” (em outras palavras, o mundo é julgado de
acordo com o número de ações praticadas: se forem boas, o veredicto será favorável e
quem as praticou sairá vitorioso).
Maimônides aponta para o fato da Mishná não se referir à “grandiosidade” das ações, mas
à “maioria” delas, porque é preferível realizar um número maior de boas ações, ainda que
seu teor ou resultado seja menos significativo do que uma simples, embora grandiosa, boa
ação. Neste caso, suponhamos que um homem tenha dispensado pequenas somas para a
caridade, mas que o tenha feito a um grande número de pessoas. Digamos que no total
tenha doado $100. Outra pessoa deu uma nota de $100 a uma pessoa necessitada,
membro de uma respeitável família. O segundo doador certamente cumpriu com a lei
mosaica, pois ajudou seu colega de acordo com sua necessidade. Contudo, o mérito do
primeiro doador o excede em muito. Ao cumprir em abundância os mandamentos
ordenados por Deus, sua alma eleva-se cada vez mais por ter alcançado inúmeros méritos
e adquire santidade, como está escrito (Números 15:40): “Para que vos lembreis e
cumprais todos os Meus preceitos e sejais santos para com vosso Deus”. Além disso, o
primeiro doador habituou-se a praticar o bem por fazê-lo constantemente e por meio disto
seu espírito incorporou esta virtude em maior grau com relação ao segundo doador, que
precisou sobrepujar seu Iétser Hará uma única vez. Consequentemente, na contabilidade
Celestial das Mitsvót, as ações deste último contarão apenas uma vez. Similarmente, se
uma pessoa participa de vários fundos de empréstimos aos necessitados com pequenas
somas, durante o curso de sua vida acumulará centenas de Mitsvót, o que não acontece
com quem faz um único empréstimo, para uma única pessoa, mesmo que de um montante
significativo.
Há uma vantagem adicional nesta prática: uma vez que o dinheiro tenha sido separado
para a caridade, outros membros da família também poderão participar desta Mitsvá se
você estiver fora, a negócios, ou se estiver dormindo. Além disso, outras pessoas
aprenderão do teu exemplo a procederem desta maneira e você será bem aceito por Deus
por ter lhes servido de exemplo, como diz a Mishná (Pirkê Avot 4:13): “Rabi Simeão dizia:
há três coroas: a coroa da Lei Divina, a coroa sacerdotal, e a coroa real; mas a coroa do
bom nome excede a todas”. O bom nome que uma pessoa adquire pelas suas boas ações
estimula outras a imitá-la. Como consequência, o Nome dos Céus é santificado. Parece-me
ser a isto que nossos Sábios aludiram (Shabat 153a) quando perguntaram: “ ‘Quem é o
homem que ganha o seu Mundo Vindouro? A resposta: ‘E seus ouvidos escutarão algo por
trás de si dizendo, este é o caminho; andem nele’– (Isaías 30:21).”
O Midrash Mishlê (capítulo 22) faz o seguinte comentário sobre o versículo, “Um nome é
melhor escolha que grande riqueza” (Provérbios 22:1): “Veja como é importante ter bom
nome; mesmo que um homem tenha mil dinares de ouro, se não tiver bom nome não terá
adquirido nada”. A razão: se ele falhou em obter bom nome, provavelmente é porque não
utilizou seu dinheiro para a caridade e para fundos de empréstimo sem juros. De que
serviram então, todas as suas posses? – somente para prestar contas no futuro Àquele
que depositou este dinheiro em suas mãos. De fato, tudo o que a pessoa possui além de
suas necessidades é um fundo monetário que lhe confiou o Mestre do Universo, que lhe
designou estes bens para administrá-los, ter piedade dos menos afortunados e fazer
favores aos necessitados. O rabino Moshe Alshech faz este comentário sobre o versículo
em Êxodo 22:24 – “Emprestarás dinheiro a Meu povo, ao pobre que está contigo”: Isto se
compara a uma pessoa que deixou todo o seu dinheiro para um de seus filhos. A lei
presume que sua intenção era somente a de apontar seu filho como tutor da herança, pois
é de se supor que este pai não deixaria os outros filhos desamparados. Por conseguinte, a
parcela de cada um dos outros filhos ficou confiada a este único herdeiro. Quanto ao
nosso caso: Deus fez certa pessoa enriquecer. É possível concebermos que Ele deixou
todos os outros homens em estado de penúria? Eles porventura não são Seus filhos?
Deus, portanto, designou este homem rico como um curador para dar auxílio aos pobres,
sendo que a parte deles em sua fortuna excede sua própria porção”. É isto o que significa
a passagem do versículo que diz “E ao pobre que está contigo”: Aquilo que estes pobres
realmente necessitam, pertence a eles, mas foi depositado nas tuas mãos, em nome
deles. Portanto você não tem direito de negá-los auxílio.
Mesmo que a constante ocupação com esta Mitsvá possa ocasionalmente causar perda
financeira a esta pessoa, ela não deve entristecer-se por isto, pois não há negócio no
mundo, pequeno ou grande, onde existam somente ganhos e onde não existam perdas.
São raros os empreendimentos livres de prejuízo. Não obstante, uma parcela razoável da
humanidade embrenha-se dia e noite no mundo dos negócios e dos investimentos sem
esperar obter lucro com uma única transação solitária e casual, mas com o montante de
suas operações, que, no final das contas, determinarão se houveram lucros ou não.
É recomendável que cada um separe uma pequena soma de dinheiro todos os anos para
esta atividade (os mais ricos devem proceder de acordo com seus ganhos). Deste modo,
mesmo que esta Mitsvá eventualmente ponha este dinheiro a perder, não haverá motivo
para arrepender-se, pois o dinheiro já estava destinado para esta Mitsvá, do mesmo modo
que ninguém se arrepende por exemplo de ter gasto dinheiro na aquisição de seus Tefilin.
Esta asserção de nossos Sábios (Baba Batra 10a) também é bastante conhecida: “Assim
como os ganhos do homem são determinados em Rosh Hashaná, suas perdas também
são determinadas em Rosh Hashaná. Se encontrar graça aos olhos dos Céus, então
(Isaías 58:7): ‘Estenderás tuas mãos aos pobres’, do contrário, Ele ‘trará pobres
famigerados à tua casa’ (Rashi, em seu comentário Baba Batra 9a explica que estes
‘pobres famigerados’ são os romanos coletores de impostos). Um caso a destacar é o dos
sobrinhos de Rabi Iochanan ben Zacai. Ele vira num sonho que estavam destinados a
perder 700 dinares26 naquele ano. De acordo a isto, os forçou a dar-lhe dinheiro para
caridade até sobrarem somente 17 dos 700 dinares. Às vésperas do Iom Kipur, o governo
mandou prendê-los. Rabi Iochanan ben Zacai então lhes disse: Não temam. Vocês tinham
que dar 17 dinares e é isto o que eles levarão. Disseram-lhe: Como o senhor sabia que
isto iria acontecer? O Rabi respondeu: Vi isto num sonho. Então por que não nos contaste?
– eles perguntaram. Porque – disse o Rabi – queria que vocês fizessem esta Mitsvá pelo
seu próprio mérito”.
Explicaremos agora o sentido de “suas perdas”, citado na passagem acima. É necessário
que um homem tenha perdas? Ora, que Deus lhe dê menos benefícios ao invés de perdas.
Eis o significado: Na verdade, não existem homens completamente justos neste mundo.
Cada um de nós tem o dever de se purificar de seus pecados e, neste processo, sofremos
dores. Mas Deus, em Sua misericórdia, troca o sofrimento corpóreo com as perdas
financeiras. Tana Devei Eliahu o expressa deste modo: “Todos nós somos vendidos e
redimidos todos os dias, como está escrito: ‘Em Tua mão confiei meu espírito e Tu me
redimiste, ó Eterno, Deus da verdade’.” Esta citação implica que todos os dias, a alma de
cada indivíduo sobe aos Céus e assina um registro de seus atos. Seus pecados o tornam
sujeito às forças danosas. (O termo “vendido” usado aqui tem o sentido de “ser entregue”,
como no versículo Juízes 4:9 “Porque o Eterno entregará (“venderá”) Sisserá nas mãos de
uma mulher”.) Contudo, Deus, em Sua infinita misericórdia, resgata esta alma da extrema
punição e comuta a sentença por alguma aflição ou dano financeiro. Se a pessoa tiver
méritos, perderá suas posses no cumprimento de uma Mitsvá como caridade ou Guemilút
Chéssed, o que de fato seria um ganho, por diversas razões. Primeiramente, por adquirir
uma Mitsvá da Torá, trocando entulho por metais preciosos. Em segundo lugar, uma Mitsvá
que custa dinheiro tem maior valor do que uma Mitsvá que nada custa, como explicado
pelo Zôhar (Sidrá Terumá). Em terceiro lugar, a perda financeira será apenas temporária.
O Todo-Poderoso, bendito seja, certamente o recompensará duplamente, como prometem
as Escrituras (Deuteronômio 15:10): “Mesmo que seja muitas vezes, lhe darás, e que o teu
coração não seja mau quando deres; pois por isto te abençoará o Eterno, teu Deus, em
todas tuas obras e em tudo que possuir a tua mão”.
Discorremos demoradamente sobre estes detalhes para que todos possamos saber com
exatidão o que nos espera. Enfim, é inevitável que o homem sofra alguma perda e redução
em suas posses como punição pelos seus pecados. Deste modo escapará de ser
condenado ao Guehinom e demais punições graves. Por que então cerrar seus punhos
para não prestar caridade ou conceder empréstimos sem juros? Se o fizer, trará o “pobre
famigerado” 26a para dentro de sua casa, ou quem sabe um médico para cuidar de alguém
de sua família, como disseram nossos Sábios (Shir Hashirim Rabá 6:17): “A casa que se
fecha ao pobre abre-se ao médico”. Não seria preferível alertar-se – e abrir nossa casa
aos pobres, além de separar dinheiro para a caridade e fundos de empréstimo sem juros?
O sábio o fará e colherá todos os benefícios concomitantes de tal ação.
Capítulo 14
Guemilút chéssed – atos de benevolência
DIA 13
Retornemos ao tema de Guemilút Chéssed – os atos de benevolência. Sabemos que
ainda não tivemos sucesso em remover todos os obstáculos do nosso caminho. O Iétser
Hará pode aparecer de outra forma e tecer este argumento: “Por que ser mais justo e
santo do que os outros? Eles são mais ricos que você e não estão nada preocupados em
praticar atos de bondade! Todos se ocupam em acumular fortuna, que deixarão de herança
a seus filhos. Seja como eles. Isto ainda te permitirá em dada ocasião fazer o bem aos
outros”.
Responderei a este argumento: suponha que duas pessoas te abordem oferecendo uma
oportunidade para investir no mercado imobiliário. Ambas garantem que o valor das
propriedades aumentará consideravelmente no decurso do tempo. Ambas gozam da
melhor reputação possível como agentes imobiliários de primeira linha e os mais
competentes neste ramo. Você mesmo confia na palavra deles e as tem como totalmente
idôneas. Um outro investidor, tido como dos mais respeitados no ramo, também vê este
negócio como uma oportunidade singular, das melhores no mercado. Você não correria
para fechar este negócio o mais rápido possível, mesmo que para isto tivesse que
despender um investimento considerável? Obviamente, você não deixaria este investimento
para outros investidores, ainda que mais potentes e ricos – pois o sucesso não seria maior
para eles do que para você, mesmo sendo um pequeno investidor. Na verdade se encheria
de alegria por Deus ter lhe dado uma oportunidade de incrementar os ganhos, gozando da
mesma reputação que os mais ricos.
Meu amigo, quando se fala em buscar a virtude da benevolência com todas as nossas
forças, duas das mais renomadas autoridades de todo mundo, além de serem dotados de
inteligência excepcional – nosso patriarca Abrahão e o Rei Salomão – louvaram
entusiasticamente esta prática, revelando-nos que o apogeu do sucesso se consegue por
meio desta atividade. Abrahão, nosso patriarca, de abençoada memória, foi o primeiro.
Dedicou-se de corpo e alma a fazer caridade. Abrahão beneficiou as pessoas
espiritualmente, ensinando-os a conhecer o Altíssimo, e materialmente, servindo-lhes
alimento e bebida, trazendo-os para dentro de sua casa e tratando-os com respeito e
deferência. Chegou a plantar uma árvore (Eshel) para o conforto de seus hóspedes. Todos
estes atos emanavam de sua bondade e da bondade de seu caráter. Além disso, ensinou e
estimulou os filhos a seguirem o mesmo caminho, assegurando-lhes que seu esforço será
bem sucedido. Desta forma as bênçãos com as quais Deus o abençoou também se
estenderiam a eles.
O próprio Rei Salomão, de abençoada memória, afirmou que os que buscarem a caridade
e a benevolência encontrarão vida, justeza e honras. (Se o requerimento para cumprir esta
Mitsvá fosse apenas esporádico e não constante, a palavra “busca” seria inadequada).
Além disso, o Altíssimo, bendito seja, deu Sua aprovação para esta atividade. Ele disse
(Gênesis 18:17): “Esconderei de Abrahão o que irei fazer? Pois Abrahão virá a ser uma
grande e poderosa nação, e serão abençoadas por meio dele todas as nações da terra.
Porque o conheci e sei que ordenará a seus filhos e à casa depois dele, a fim de que
guardem o caminho do Eterno, para fazer caridade e justiça, e realizar o Eterno sobre
Abrahão, o que falou sobre ele”.
Deste versículo, o Talmud (Iebamót 79a) deduz que os mesmos resultados serão
conseguidos pela pessoa que se engajar em Guemilút Chéssed, visto que ambos –
caridade e benevolência – têm um foco em comum: fazer bem aos outros. O que mais é
preciso dizer a respeito?
As Escrituras anunciam que a pessoa que se ocupa com esta atividade deixa um bom
legado a seus descendentes, legado que perdura até a última das gerações, como
encontramos no Salmo 103:17: “Mas por toda a eternidade é a benevolência do Eterno,
para os que O temem”. Este versículo se refere à pessoa que se ocupa constantemente
com atos de bondade, como explica o Talmud de Jerusalém (Peá 3a). Isto em nada se
assemelha à aquisição de um imóvel, que pode passar das mãos de seu dono a outro
mesmo durante sua vida e certamente após ela.
Analisemos com atenção o que está escrito em Masséchet Calá (capítulo 1:2): “Dizem de
Rabi Tarfon, que era extremamente rico. Contudo, não prestava caridade com os pobres
(de modo condizente com sua fortuna). Certa vez ele encontrou Rabi Akiva, que lhe
perguntou: Rabi, gostaria que eu adquirisse uma ou duas cidades para ti? Certamente que
sim, respondeu e de imediato Rabi Tarfon confiou-lhe quatro mil dinares de ouro. Rabi
Akiva tomou esta soma e distribuiu-a entre os pobres. Algum tempo depois, Rabi Tarfon
encontrou-o e indagou: Onde estão as cidades que adquiriste com meu dinheiro? Rabi
Akiva tomou-o pela mão e levou-o até o Bet Midrash, onde abriu um livro de Salmos diante
dele. Começaram a ler até chegar no Salmo 112:9: ‘Ele ofereceu e distribuiu o que
precisavam os necessitados; perene será sua benevolência’. Rabi Akiva então lhe disse:
Esta é a cidade que adquiri para ti. Rabi Tarfon levantou-se e beijou-o. Meu mestre, meu
guia – chamou-o – Meu mestre em sabedoria e meu guia de boa conduta. Rabi Tarfon
providenciou então uma soma adicional e a distribuiu entre os pobres”.
Rabi Akiva não havia mentido, Deus o livre, mesmo quando disse a Rabi Tarfon que lhe
adquiriria uma cidade. O que ele tinha em mente eram os anjos e forças celestiais criadas
por esta eterna e sagrada Mitsvá. Estes seres celestiais são denominados “cidade”, na
linguagem do Midrash Vaicrá Rabá 31:5 em seu comentário sobre o versículo, “Um homem
sábio escala a cidade dos poderosos...” (Provérbios 21:22), onde o termo “cidade” refere-
se aos anjos e “homem sábio”, a Moisés). As honrarias que o homem recebe nesta cidade
também são eternas, como ensina o versículo (Salmos 112:9): “Perene será sua
benevolência, e com glória será exaltado”. Rabi Tarfon compreendeu isto e não guardou
ressentimento contra Rabi Akiva, Deus o livre. Seu amor por Rabi Akiva tornou-se ainda
maior; ele beijou sua testa por haver trocado em seu favor, propriedades efêmeras por
palácios eternos. Quão apropriado é, portanto, que cada um de nós construa, enquanto
estiver vivo, um lar que dure para sempre, um Hechál Chéssed, um Palácio de
Benevolência para sua alma.
Resta-nos somente o argumento do Iétser Hará, de que achamos necessário guardar
nosso dinheiro – e não investi-lo em atos de bondade – para deixá-lo de herança para os
nossos filhos e netos. Mas este argumento também é vão. Seríamos cruéis com nós
mesmos somente porque amamos nossos filhos? Temos, portanto, o dever de sermos
igualmente bondosos com nós mesmos. Considere este caso: suponha que alguém foi
acusado de traição. Sua sentença foi a seguinte: ser torturado com carvão em brasa ou
pagar uma multa pesada. Alguém, em sã consciência, cogitaria ser melhor para si, por
causa de sua preocupação em guardar dinheiro para os filhos, sofrer dores mortais ao
invés de pagar a multa? Não está escrito em Jó (2:4): “Pele por pele, sim, tudo o que o
tem o homem, ele o dará por sua vida?” Mesmo que a quantia exigida na multa valesse
toda a sua fortuna e certamente fosse igual à metade ou um quarto do que tem, ele a
aceitaria de bom grado, preferindo pagar a multa a sofrer qualquer tipo de tortura. Este
homem não pensaria duas vezes em deixar menos dinheiro para seus filhos. Se o
aconselhassem de outro modo, consideraria esta pessoa uma tola.
Agora compreenda claramente o que tem à frente: você já sabe que o castigo do
Guehinom é doloroso e amargo. Todos os que passam por ele, derramam tantas lágrimas
quanto as existentes nas fontes de Shitim (corredeiras gigantes), como nossos Sábios
descrevem (Eruvin 19a). As demais punições que esperam pelo homem após sua morte
também são extremamente severas. Mas é possível redimir a alma e evitar todo este
sofrimento, por meio do estímulo constante da inteligência de cada um durante a vida,
desenvolvendo meios e caminhos para assistir aos pobres com caridade e benevolência.
As Escrituras (Salmos 41:2) expressam esta ideia com as seguintes palavras: “Bem-
aventurado aquele que atenta para o debilitado, no dia do seu infortúnio, o Eterno o
livrará”. O infortúnio ao que o versículo se refere não é senão o Guehinom, como está
escrito (Provérbios 16:4): “E até o perverso, para os dias do mal”. Como pode uma
pessoa não ter pena de si mesma? Como pode recusar escapar do Guehinom e de todas
as outras terríveis punições? O versículo (Isaías 58:7): “Não esconda-se de tua própria
carne”, é explicado por Tana Devei Eliahu do seguinte modo: não devemos temer praticar
o bem e devemos ter piedade de nós mesmos. Isto confirma o ponto de vista que vimos
explanando.
Agora creio que refutamos todos os argumentos possíveis. Se Deus ajudou alguém a
acumular fortuna e esta pessoa não dispõe de tempo para praticar atos de caridade, saiba
que é melhor fazer esta Mitsvá por si mesma ao invés de utilizar um agente, como indica o
Talmud (Kidushin 41a). Se não tiver tempo, deve proceder do mesmo modo que o faz em
seus negócios: incumbir responsáveis de sua confiança para esta tarefa.
Em suma: esta atividade afeta a vida da pessoa para sempre. Por que deveria achá-la
menos importante que seus interesses efêmeros e temporários?
Se não puder indicar um agente para conduzir estas atividades em seu nome, deve
procurar uma pessoa temente a Deus em sua comunidade e que esteja disposta a ocupar-
se desta Mitsvá, confiando a esta pessoa a soma que destinou para o cumprimento desta
Mitsvá.
O que dissemos até aqui não diz respeito somente aos mais abastados. Mesmo uma
pessoa remediada deve separar uma pequena parcela de seus ganhos, como
explicaremos mais adiante, e destinar, em seu próprio lar, um fundo permanente de
Guemilút Chéssed 27 para efetuar pequenos empréstimos, de acordo com cada caso.
Mesmo se emprestar uma pequena soma a uma pessoa, para suas compras de Shabat,
estará cumprindo uma Mitsvá positiva da Torá, “Quando emprestares dinheiro ao Meu
povo...” (Êxodo 22:24). Não faz diferença alguma se alguém dá mais ou menos, desde que
suas intenções sejam puras. Como seria bom se este hábito fosse difundido entre o nosso
povo, a nação santa – e se todos se ocupassem desta Mitsvá? O mundo estaria repleto
com a virtude da bondade e todos os problemas e demais tribulações cessariam.
Na minha opinião, é o que a passagem em Tana Devei Eliahu (23:9) quer nos transmitir:
“Quando o povo de Israel se encontrava no Egito, todos estavam juntos... e fizeram um
pacto conjunto para agir uns com os outros”. Este pacto indica que toda a população, dos
mais ricos aos de meios mais modestos, fizeram o que puderam em prol uns dos outros.
Esta é a virtude da bondade que resultou na redenção de Israel, como citamos acima em
nome da Pessikta.
Possa o Onipresente em Sua misericórdia nos fortalecer, para que adquiramos esta
sagrada virtude, pela qual nos tornaremos merecedores de todo o bem, neste mundo e no
Mundo Vindouro.
Capítulo 15
Empréstimos do tipo “heter iscá”
DIA 14
Graças a Deus, temos oferecido bons conselhos sobre como incrementar a prática da
bondade no mundo. Contudo, pode parecer estranho ao leitor, que estejamos
recomendando estabelecer um Fundo de Guemilút Chéssed na casa de cada pessoa, rica
ou pobre. Aos que estiverem surpresos eu respondo: suponha meu amigo, que o Templo
fosse restabelecido e o Altar reconstruído em nossos dias. Quanto esforço seria
necessário para que cada um de nós peregrinasse a Israel ao menos uma vez na vida,
para oferecer seu Corbán (sacrifício), dependendo de cada caso, para expiar seus
pecados. Sua jornada, ida e volta, incorreria em despesas significativas. Contudo, os
custos não lhe seriam pesados, nem para qualquer outra pessoa. Pelo contrário, esta
pessoa se alegraria pelo mérito de poder oferecer um Corbán diante do Eterno, Rei do
Universo, para redimir seus pecados.
Na verdade, este é o verdadeiro propósito da vida do homem – cuidar de retificar suas
iniquidades durante o curso de sua vida, para não se tornar repulsivo diante de Deus, para
cujos olhos todo mal é repugnante.
O mesmo raciocínio se aplica à prática de Guemilút Chéssed. Estamos certos que todos
os que se empenharem nestas atividades terão assegurado a expiação para os seus
pecados, de modo tão eficaz como se estivessem trazendo suas oferendas ao Templo e
mais do que isso, como está escrito em Avot de Rabi Natan (capítulo 4:4): “Certa vez,
Rabi Iochanan ben Zacai estava deixando Jerusalém. Rabi Iehoshúa o seguiu e avistou as
ruínas do Templo. Rabi Iehoshúa disse: Pobres de nós por isto! O lugar onde o povo judeu
expiava seus pecados agora jaz em ruínas. Rabi Iochanan respondeu: Meu filho, não fique
triste. Pois temos outra forma de expiar nossos pecados, que se iguala e às oferendas. E
que forma é esta? – Guemilút Chéssed, como disse o profeta Oseias (6:6): ‘Pois Eu
desejo Chéssed e não oferendas’.”
Certamente, Deus nos dotou com alguma inteligência, para não deixar esta atividade em
estado de negligência, e estabelecer um fundo para a caridade de acordo com as
possibilidades de cada um. Deste modo, o indivíduo assegurará a expiação para os seus
pecados, assim como fazíamos outrora no Altar.
Analisamos largamente este tema com a finalidade de refutar de maneira total e resoluta
os avanços do Iétser Hará sobre a vontade do homem – haja visto que eles tem se
espalhado por diversas áreas, levando o homem a pecar e a praticar o inverso do que é
desejável. Assim que a pessoa consegue economizar um pouco de dinheiro, o Iétser Hará
a persuade a não emprestá-lo a ninguém, até mesmo à pessoa mais confiável. Ao invés
disso, esta pessoa prefere confiá-lo a quem empresta dinheiro a juros, a fim de lucrar com
isso. Isto resulta em muitos pecados e causa danos imensos, pois estas pessoas não
estão cientes dos detalhes envolvidos na prática haláchica denominada Heter Iscá.* As
pessoas levam seu dinheiro a um investidor e simplesmente lhe dizem, “Pegue este
dinheiro e pague-nos juros por ele”, sem tomar precaução alguma para obter uma
documento de Iscá, contentando-se somente com a documentação exigida pelo Estado.
Como sabemos, a transgressão da proibição da Torá de cobrar juros afeta o próprio direito
da pessoa à ressurreição – Techiát Hametim.
* Heter Iscá é o modo segundo o qual a lei judaica permite empréstimos a juros. Isto inclui
uma série de condições para tal permissão e uma consulta às autoridades rabínicas é
imprecindível – N. do T.
Em segundo lugar, mesmo se for redigido um documento válido de Iscá, seu uso diminui a
prática de Chéssed no mundo. Nossos livros sagrados dizem que o motivo da Torá ter
proibido emprestar a juros é incrementar a caridade no mundo, para que Deus, bendito
seja, também trate o mundo com Chéssed.
Antigamente, este mau hábito não era tão difundido. Somente quem acumulava muito
dinheiro e o utilizava para obter o rendimento necessário para seu custeio pessoal,
costumava fazê-lo. Certamente, não podemos exigir que alguém use todo o seu capital
para empréstimos sem juros. (Neste caso também é preciso ser meticuloso com os
requerimentos da lei judaica. Veja Chochmat Adam). Hoje este costume ganhou tamanha
aceitação em certas áreas, que mesmo os que possuem somente alguns reais, onde o
lucro não pode ser muito grande, correm a investir seu pequeno capital, entregando-o em
mãos de corretores. A virtude da caridade acaba passando desapercebida. É por isso que
não se consegue dinheiro emprestado a não ser nas mãos dos agiotas.
Meus amigos! Meus irmãos! Isto não é o caminho que Deus escolheu. Verdade seja dita;
quando alguém empresta dinheiro por meio de uma transação Iscá, a proibição contra a
usura não é transgredida, embora obviamente, se temos a possibilidade, temos também o
dever de emprestar nosso dinheiro caritativamente a pessoais confiáveis ou a quem possa
oferecer alguma garantia contra o seu não pagamento, conforme as “Leis sobre
Empréstimos” (Choshen Mishpat). É preciso confiar em Deus e acreditar que se estamos
praticando a virtude da benevolência, Ele, em troca, nos tratará com Seu atributo de
bondade e tudo o que está relacionado a isto.
Os que se portam de modo contrário, não só diminuem a bondade no mundo, como, de um
modo geral, colhem os frutos – neste mundo – de sua conduta, e muitos perdem o dinheiro
investido, além de serem incapazes de recobrar o fundo no final. Para estas pessoas, vale
a afirmativa dos nossos Sábios (Baba Metsia 71a): “A propriedade dos usurários
fatalmente ruirá”. Os que emprestam dinheiro com base no Heter Iscá se parecem aos
usurários num aspecto: eles aboliram a virtude da bondade. Com relação a isto, o Talmud
(Ketubót 66b), cita o provérbio: “Quem quiser salgar (proteger) seu dinheiro, deve diminuí-
lo (Chesser); outros leem Chéssed – agir de forma benemerente com ele”. Esta máxima
afirma que se reduzirmos nosso capital líquido, ou seja, se o usarmos para empréstimos
sem juros ou para caridade, o dinheiro se manterá. Do contrário, ele se desfará, assim
como a “carne que não é salgada”. (Aqui jaz uma das causas da pobreza entre os judeus
em determinadas épocas, devido às nossas muitas falhas. Antigamente, todos os
empréstimos eram feitos sob a forma de Guemilút Chéssed. Do mesmo modo, Deus nos
governava com Chéssed, o que nos assegurava um ano de prosperidade nos negócios e
inúmeras bênçãos. Este, infelizmente, não é o caso hoje em dia, por causa da abundância
dos nossos pecados).
Agora vejamos o caso dos agiotas que querem obter lucro. Primeiramente, quem empresta
precisa estar seguro de seu Heter Iscá ser legal e válido. Nesta transação não pode haver
possibilidade alguma de usura, como definido na lei judaica. Do contrário, quem empresta
perderá todas as suas posses, como declara o Talmud. Além disso, incorre em grave
punição – a perda do direito à ressurreição (Nossos Sábios Ialcút Iechezkel 275 relatam
que quando o profeta Ezequiel capítulo 37 reviveu os mortos no vale de Dura, todos se
levantaram e postaram-se eretos, um grande número de pessoas, exceto por um indivíduo,
que permaneceu deitado ao pó – por ter emprestado a juros durante a vida). Além disso,
manter esta conduta avara é o mesmo que assinar de próprio punho a negação do Deus
de Israel, como nossos Sábios asseveram (Baba Metsia 71a). Este não é o lugar para
explicar quão ruinoso pode ser este tipo de comportamento.
Devido a nossas inúmeras falhas, as pessoas passaram a considerar permissivas as
atitudes proibidas, falhando em perceber que estão destruindo as próprias vidas. É,
portanto, uma obrigação de todos os que estão envolvidos com empréstimos de dinheiro,
estudar as halachót pertinentes em Iorê Deá ou Chochmat Adam. É preciso também que a
pessoa saiba que não está isenta do mandamento positivo (Êxodo 22:24) “Quando
emprestares dinheiro ao Meu povo...” (trata-se de um empréstimo sem juros). Estes
empréstimos devem ser feitos de acordo com as possibilidades de cada um. Quem
empresta de acordo com a lei não deve pensar que, se este é seu meio de vida, sua vida
tem precedência sobre a de seus companheiros. Não queremos com isto dizer que esta
pessoa deva ceder todo o seu capital a empréstimos sem juros, mas que pratique a Mitsvá
de Guemilút Chéssed o quanto suas posses lhe permitam. Os lojistas também devem
proceder deste modo, cada um de acordo com suas posses, mesmo que todo seu dinheiro
esteja destinado à compra de mercadorias, deixando sua família completamente sem
dinheiro. Não obstante, se puder guardar parte deste dinheiro para emprestar sem juros
aos outros, tem o dever de fazê-lo, como explicam as “Leis sobre Empréstimos”.
Obviamente a pessoa constantemente ocupada com empréstimos a juros ver-se-á numa
constante dificuldade para subjugar seus instintos e destinar algumas somas para Guemilút
Chéssed. Para esta pessoa, nosso melhor conselho é separar uma quantia específica de
dinheiro, proporcional a seus meios, e destiná-la a fundos de empréstimos sem juros, como
sugerimos anteriormente. Deste modo, não encontrará resistência, pois este dinheiro foi
destinado para este fim e já não pode ser visto como seu. Feito isto, a pessoa deve seguir
procedendo desta maneira, praticando Guemilút Chéssed constantemente, usando da
mesma energia que destina para seus empréstimos monetários. Assim garantirá que a
medida da benevolência aumente no mundo, além de retificar os prejuízos causados à
medida de Chéssed que fez diminuir no mundo por causa dos seus empréstimos a juros,
como explicamos acima. Também deve devotar-se energicamente a praticar os outros
tipos de Chéssed descritos neste livro.
Capítulo 16
Estabelecendo fundos de “guemach”
DIA 15
Devido à extrema importância da Mitsvá de Guemilút Chéssed,dedicamos uma atenção
especial à necessidade de cada um, de separar uma soma maior ou menor de dinheiro,
guardando-a em casa num fundo permanente destinado a empréstimos sem juros.
Obviamente, nem todos podem fazê-lo e outros não dispõem de tempo para dedicar-se a
esta Mitsvá em todos os detalhes. Para estas pessoas, nosso melhor conselho é reunir-se
a outras pessoas, para juntos formar um Fundo Comunitário de Empréstimos com a
finalidade de emprestar dinheiro aos necessitados, na sua hora de apuro. Na verdade, as
comunidades judaicas dispersas pelo mundo tem tido como hábito a organização de uma
sociedade como esta em cada cidade. Avaliar a grandiosidade da prática desta Mitsvá
pelos membros de uma comunidade é algo incalculável. Nossa introdução e muitos dos
capítulos subsequentes apontam para a gravidade do pecado cometido por todo aquele
que cerra seu punho para não emprestar dinheiro aos outros e a enorme recompensa
ganha por quem cumpre esta Mitsvá. Naturalmente, portanto, ninguém em sã consciência
dormirá tranquilo enquanto uma Sociedade para Empréstimos sem juros de ajuda aos
necessitados não estiver funcionando em sua comunidade. Deste modo, seus
compatriotas, além dele mesmo, evitarão cometer este gravíssimo pecado. Imagine que
um pobre aborde vários membros de sua comunidade munido de uma garantia confiável,
em busca de um empréstimo e que cada um deles ofereça uma desculpa diferente para
recusá-lo. Este pobre homem voltará destroçado para casa, lamentando-se a Deus e
protestando contra sua perversa sorte. Sabemos o que as Escrituras tem a dizer sobre
isto (Deuteronômio 15:9): “Guarda-te que não haja uma coisa perversa no teu coração,
28nem digas: ‘Aproxima-se o sétimo ano, o ano sabático’, de modo que o teu olho seja mau
para com teu irmão... e ele clame contra ti ao Eterno, e haja em ti pecado”. A culpa recairá
sobre os ombros de todos, pois, se estes casos forem frequentes nesta comunidade,
todos os membros têm o dever de prevenir que ocorram incidentes deste tipo.
Tomo aqui a tarefa de demonstrar, para o benefício geral, quão eficazes são estes fundos
com relação às iniciativas individuais de cumprir esta Mitsvá. São várias as razões para
isto. Primeiramente, como disseram nossos Sábios (Torat Cohanim Bechucotai 12:10), é
melhor que muitas pessoas estejam envolvidas com uma Mitsvá específica, do que uma
única pessoa a cumpra sozinha. Ainda que cada um contribua com uma quantia modesta,
no final das contas, o Altíssimo, bendito seja, irá considerar como se cada pessoa
houvesse contribuído com o montante total do fundo, sem o qual o necessitado não
poderia ter conseguido toda a quantia necessária. Além disso, esta Mitsvá custa dinheiro.
Ela não é grátis. Mas sua recompensa também é maior. Assim o Zôhar (Sidrá Terumá
124:1) explica o versículo em Êxodo 25:2, “E separem para Mim uma oferenda”: “Isto
significa que aquele que aspira à piedade e à solidariedade com o Altíssimo, bendito seja,
não deve relaxar ou ser remisso com seu dever, senão pronto e desejoso a trazer
oferendas de acordo com suas forças, ‘como te houver abençoado o Eterno teu Deus’
(Deuteronômio 16:17)”. É certo que também está escrito (Isaías 55:1): “Ide, comprai e
comei; ide, comprai sem dinheiro, sem preço, vinho e leite”. Isto se refere ao serviço em
nome do Todo-Poderoso, bendito seja e sua Torá, que pode ser adquirida sem custos nem
tarifas, mas a benevolência, esta deve ser feita pagando todo o preço possível; do
contrário, quem a faz sem se esforçar devidamente não será capaz de atrair para si toda a
emanação de santidade dos Céus.
Além disso, esta Mitsvá pode agora ser praticada enquanto o doador estiver ocupado com
seus negócios particulares e até mesmo enquanto está dormindo. Acrescente-se a isso o
dito do Midrash (Cohélet Rabá 5:8): “Se uma pessoa almeja e faz com que outros
pratiquem Mitsvót, mas não logrou cumprir uma Mitsvá que dure gerações, que benefício
adquiriu?” No entanto, quem tem uma porção numa Mitsvá comunitária, como a que
mencionamos aqui, ou que contribuiu para dar suporte às Ieshivót onde se estuda Torá,
ainda que tenha direito ao Gan Éden, sua alma receberá deleite e iluminação adicionais,
por causa das Mitsvót que estão sendo constantemente cumpridas com o dinheiro de suas
contribuições.
Todos os que se ocupam com esta atividade: os fiadores, os coletores que investigam os
doadores – receberão uma enorme recompensa e serão todos incluídos entre aqueles
designados como os que buscam a caridade e a bondade, ‘que encontrarão vida, justeza e
honrarias’ (Provérbios 21:21). Um curador de fundo de empréstimos sem juros é
comumente chamados de ‘tesoureiro da caridade’ (Gabai Tsedacá). Com referência a eles,
diz o Midrash Tanchuma: “O que deve fazer um homem condenado por Deus para manter-
se vivo? – Se estiver acostumado a estudar um capítulo de Mishná, deve passar a estudar
dois; e se não estiver habituado a estudar, deve tornar-se um tesoureiro de caridade e
assim salvar sua vida, como está escrito (Provérbios 21:21): ‘Aquele que persegue justiça
(caridade) e benevolência encontrará vida, caridade e honra’”.
Empenhar-se na arrecadação de fundos faz com que os outros pratiquem uma Mitsvá. A
afirmação dos nossos Sábios a esse respeito é bem conhecida (San’hedrin 99b): “Rabi
Abahu disse: Quem encoraja ou faz com que seus companheiros cumpram uma Mitsvá é
tido como se ele mesmo a houvesse realizado, como está escrito, ‘E o cajado com o qual
golpeastes o Nilo’ (Êxodo 17:5). Pois foi Moisés quem golpeou o Nilo? Não havia sido
Aarão? – Isto significa que se uma pessoa causa o cumprimento de uma Mitsvá a outra, é
vista pelas Escrituras como se tivesse cumprindo ela mesma a Mitsvá”. Nos Céus, estas
Mitsvót também lhe serão creditadas. Além disso, ele se torna um dos benemerentes
públicos que faz o povo de Israel, cumprir centenas de Mitsvót todos os anos, pois “Todo
aquele que conduzir o povo no bom caminho não terá pecados na sua mão (Pirkê Avot
5:22)”.
Nossos Sábios também disseram (Baba Batra 9a): “Rabi Eliezer disse: Quem faz uma
pessoa agir beneficamente supera a grandeza do próprio ato, como disse o profeta Isaías
(32:17): ‘O serviço da caridade ou seja, levar a que outros a pratiquem leva à paz, e a
prática da caridade, à quietude e à segurança eterna’.” A caridade e a benevolência
(Tsedacá e Chéssed) assemelham-se, como sabemos, de modo que arrecadar dinheiro
para fundos de empréstimos sem juros é o mesmo que solicitar dinheiro para a caridade,
pois, em ambos os casos, a quantia não retorna ao doador. Na minha opinião, a razão pela
qual a grandeza de quem arrecada é maior do que a de quem doa deve-se ao fato do
último fazer caridade apenas com o seu dinheiro, enquanto o primeiro faz caridade com
toda a sua pessoa: quem arrecada dinheiro precisa abordar várias pessoas e falar com
cada uma delas. Portanto, o coletor de caridade faz cumprir a Mitsvá de estender a
possibilidade de praticar um ato de bondade, cada vez que pede ajuda a alguém. Sua
própria Mitsvá cresce proporcionalmente ao número de pessoas a quem solicita auxílio,
enquanto que os doadores cumprem a Mitsvá somente na oportunidade em que estão
contribuindo com o fundo.
Mesmo quando o coletor não contribui com o fundo e seu único feito é estimular os outros
a contribuir, também receberá bênçãos Divinas por suas ações, como está escrito em
Tossefta (Peá, capítulo 3): “Quem faz um voto de uma doação e cumpre sua palavra, será
recompensado tanto pelo voto quanto por seu cumprimento. Se fez um voto de doação,
mas algo o impediu de cumpri-lo, será recompensado pelo voto, como se o tivesse
realizado. Quem não fez um voto de doação, mas fez outras pessoas doarem dinheiro será
recompensado por isto, como está escrito (Deuteronômio 15:10): ‘...Pois por isto te
abençoará o Eterno, teu Deus, em todas as tuas obras’.” Não obstante, sua recompensa
será maior ainda se ele próprio também fizer uma contribuição, como diz a Mishná (Avot
5:13): “Existem quatro tipos de pessoas que doam para a caridade... que doa e deseja
que os outros doem é um Chassid (devoto)...” O Talmud acrescenta (Baba Batra 9a):
“Rava disse aos habitantes de Mechuza: Forcem uns aos outros a praticar atos de
bondade, pois assim estarão em paz com o governo”. O significado disto é que se cada
um compelir seus colegas a cumprirem Mitsvót, ver-se-ão livres de outros encargos que
lhes impõem as autoridades governamentais, pois Deus lhes concederá paz sob este
governo, como está escrito (Isaías 32:17): “O serviço da caridade leva à paz”. Rabi
Iochanan ben Zacai também compelia seus familiares a fazer caridade, e aquilo que não
doaram foram forçados a entregar ao governo pagão, como explicamos no capítulo 13.
Todo fundo de caridade requer grande esforço e não deve ser abandonado. “A
recompensa é paga de acordo com o sofrimento” (Pirkê Avot 5:26). Mesmo se algumas
pessoas o desprezarem, um coletor de fundos não deve prestar atenção nelas. Pelo
contrário, deve pensar que sua recompensa será ainda maior por ter sido exposto a
humilhações no serviço de Deus. Pensamento similar é expresso em Iorê Deá (capítulo
257, parágrafo 7): “Os tesoureiros de Tsedacá não devem prestar atenção nas ofensas
vindas dos pobres, pois seu mérito será ainda maior”. A mesma medida se aplica ao nosso
caso. (Encontrei uma alusão ao mérito de fazer com que os outros pratiquem caridade, no
versículo Deuteronômio 15:10-11: “Te abençoará o Eterno, teu Deus... em tudo que possuir
a tua mão... portanto, eu te ordeno, dizendo: Abrirás tua mão para teu irmão” – é possível
fazer caridade dizendo aos outros que contribuam). Dediquei considerável atenção a este
assunto para demonstrar, em benefício de todos, a grande importância de estimular
nossos companheiros a cumprir Mitsvót. Não obstante, as pessoas costumam evitar a
tarefa de encorajar outros a cumprir Mitsvót, mesmo quando a necessidade é
extremamente urgente. Como resultado, a Mitsvá acabará não sendo cumprida. Uma
conduta como esta certamente não é recomendada.
Capítulo 17
A importância da caridade
DIA 16
Estivemos explicando a grandeza da virtude da benevolência (Chéssed). Agora fixaremos
nossa atenção no tema da caridade (Tsedacá). Nossos Sábios declararam (Sucá 49b):
“Guemilút Chéssed supera a caridade (Tsedacá) em três aspectos, pois caridade é feita
com dinheiro, enquanto Chéssed realiza-se com dinheiro e com a própria pessoa”. (“Com
dinheiro” inclui emprestar dinheiro, artigos e posses. “Guemilút Chéssed”, tanto com o
dinheiro quanto com a própria pessoa, inclui fazer um discurso em homenagem ao falecido;
carregar um caixão; alegrar os noivos no dia de sua boda; acompanhar um colega numa
viagem – Rashi). A caridade é feita com pessoas pobres, enquanto Guemilút Chéssed é
praticada tanto com pobres quanto com ricos; caridade é feita com os vivos, mas Chéssed
pode ser feito com vivos e com mortos”. Contudo, a caridade supera Guemilút Chéssed
em vários outros aspectos. A caridade é um presente sincero e franco, enquanto um
empréstimo sem juros é concedido por um período limitado de tempo, após o qual o credor
recobra seu dinheiro. É preciso um esforço maior para superar o Iétser Hará envolvido num
ato de caridade, pois o total de dinheiro do qual a pessoa dispunha ficou reduzido (o que
não acontece quando é feito um empréstimo sem juros) e a recompensa vem de acordo
com o esforço.
Quanto à declaração do Talmud (Shabat 63a), de que a pessoa que empresta dinheiro
supera a pessoa que o doa, isto diz respeito a um homem que perdeu suas posses e que
precisa deste empréstimo para reerguer-se. Para este, um empréstimo é mais útil e
valioso que uma doação, além de evitar que ele se envergonhe por receber doações. Por
outro lado, quem vive em estado de penúria e já se acostumou a requisitar caridade, será
mais bem servido por uma doação do que por um empréstimo.
Compreendido sob este prisma, o versículo (Deuteronômio 30:15): “Vê que, hoje, pus
diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal”, da maneira como é explicado em Pirkê de
Rabi Eliezer (capítulo 16), torna-se claro:
“O Altíssimo, bendito seja, disse: Eis que coloquei estes dois caminhos diante de Israel,
um bom e outro mal. O caminho bom é a vida; o caminho mal é a morte. O caminho bom
tem duas trilhas: uma delas é a caridade (Tsedacá), e a outra, Guemilút Chéssed. Elias, o
profeta, que seja lembrado para o bem, se posta à beira destes dois caminhos. Quando
um homem está por adentrar uma deles, Elias brada e proclama, com referência a esta
pessoa: ‘Abram-se as portas para que a Nação Justa e cumpridora da Verdade possa
entrar’ (Isaías 26:2). Chega então o profeta Samuel e coloca-se entre as duas trilhas,
dizendo: Qual destes dois caminhos devo escolher? Se escolho a caridade, sei que o
caminho de benevolência a supera; se escolho a benevolência, sei que a caridade a
supera. Então rogo aos Céus e à Terra para que testemunhem que não declinarei de
ambos os caminhos. Tomarei posse de ambas as trilhas. O Altíssimo, bendito seja, diz:
Samuel, te postastes entre dois bons caminhos. Para tua vida, conceder-te-ei três
presentes, para te ensinar que a pessoa herda três boas dádivas: “vida, justiça e
honrarias”. Por isto, devemos todos nos empenhar também na prática da caridade com
todas as nossas energias.
Não teríamos espaço suficiente para citar todas as referências rabínicas à caridade;
apresentarei apenas algumas delas. Em Tana Devei Eliahu Zuta (capítulo 1:8), declararam
em nome da academia de Eliahu: “Grande é o poder da caridade, pois, desde o dia da
Criação até hoje, o mundo sustenta-se pela caridade. Todo aquele que pratica muita
caridade é louvado e salva-se do castigo do Guehinom, como está escrito (Eclesiastes
11:10): ‘Remove de teu coração a raiva e afasta de tua carne o mal’ e nos Salmos (41:1):
‘Bem-aventurado aquele que atenta para o debilitado, no dia do seu mal o Eterno o livrará’.
Mal refere-se ao dia do julgamento, ao Guehinom, como está escrito: ‘E o perverso no dia
do mal’ (Provérbios 16:4), e ‘Feliz daquele que pratica a justiça e que faz sempre caridade’
(Salmos 106:3). O que fez com que nossos patriarcas ganhassem o direito a este mundo,
à Era Messiânica e ao Mundo Vindouro? – eles se habituaram a praticar caridade. Abraão,
Isaac e Jacob, Moisés, Aarão, David e seu filho Salomão eram louvados por se habituarem
a fazer caridade. Onde aprendemos que isto se refere a Abraão? – pois está escrito
(Gênesis 18:19): ‘Porque o conheci, e sei que ordenará a seus filhos e à sua casa depois
dele, a fim de que guardem o caminho do Eterno, para fazer caridade e justiça’. Isaac foi
louvado por sua caridade, como está escrito (Gênesis 26:12): ‘E semeou Isaac naquela
terra...’, e semear indica caridade, como disse o profeta Oseias (10:12): ‘Semeai para vós
em caridade’.
(A similaridade consiste no fato de que todo homem anseia por semear seu campo, mesmo
sabendo que, desta maneira, ele estará se desfazendo de parte de seus grãos usando
como sementes – ele não obstante confia que centenas de caules brotarão mais tarde. Do
mesmo modo, o homem deve ansiar por praticar caridade e quem o faz, deve saber que
Deus lhe pagará muito mais que a pequena perda financeira que perdeu no presente, como
diz a Torá Deuteronômio 15:10: ‘Mesmo que seja muitas vezes, lhe darás... pois por isto te
abençoará o Eterno’.) Jacob declarou (Gênesis 32:10): ‘Sinto-me pequeno para todas as
misericórdias, e toda a verdade’. ‘Pequeno’ significa pouco e refere-se à caridade, como
está escrito (Provérbios 16:8): ‘Melhor um pouco com justiça, que grandes lucros com
injustiça’. (Jacob declarou ser inadequado para receber toda a caridade que ‘Deus fazia
com seu servo’, pela pouca caridade que havia feito). Com relação a Aarão e Moisés, ‘A
Torá da verdade estava em sua boca’ (Malaquías 2:6). ‘Verdade’ refere-se à caridade,
como disse o salmista (85:12): ‘Da terra brotará a verdade e, do céu, a justiça
despontará’. Sobre David, como está escrito (2 Samuel 8:15): ‘E David fez justiça e
caridade com todo o seu povo’. E sobre Salomão – (Salmos 72:1): ‘Concede, ó Deus, Tua
equidade ao rei e Tua justiça ao filho do rei!’ Deus também é louvado por sua caridade,
como está escrito (Isaías 5:16): ‘E Deus, Santíssimo, é santificado por meio da caridade’.
Até mesmo o Trono da Glória – (Salmos 89:15), ‘Retidão (tsédec) e justiça são os
alicerces de Teu trono’. Grande é a caridade, que salva o homem dos caminhos da morte,
como dizem as Escrituras (Provérbios 10:2): ‘Mas a caridade salva da morte’.
Veja como o homem recebe medida por medida. Se o homem presta caridade neste
mundo e quer preservar a vida de um pobre, impedindo-o de morrer, o Todo-Poderoso,
bendito seja, também deseja que o doador viva e não morra. Como sabemos que se
alguém, que tem os meios, recusa-se a fazer caridade, tem a oportunidade de preservar
uma vida e não o faz – está ceifando a própria vida? De Naval,29 que respondeu (1 Samuel
25:11): ‘Deveria eu tomar meu pão e minha água... e dá-los a homens que não conheço?’
Logo após foi punido por ter tomado esta atitude: ‘E Deus castigou Naval e ele morreu’.
“Grande é caridade, que prolonga os dias e anos do homem”, como está escrito
(Deuteronômio 30:20): ‘Pois isso é a tua vida e o prolongamento de teus dias’ e em
Provérbios (3:18), ‘É uma árvore da vida para aqueles que agarram-se a ela’.
Agora podemos concluir (Cal Vachômer) que, se a Torá se compromete para a mais fácil e
simples das Mitsvót Shilúach Hakên 30 – ‘A fim de que te seja bem e prolongues os teus
dias’ (Deuteronômio 22:7) –, isto é ainda mais relevante com relação à Mitsvá da caridade,
uma das mais importantes e difíceis da Torá. Grande é a caridade, que conduz o homem
ao Mundo Vindouro, como está escrito (Salmos 1:1): ‘(Ashrê) Bem-aventurado o homem
que não segue o conselho dos ímpios...’ e também (Salmos 106:3) ‘(Ashrê) Bem-
aventurados os que cumprem a Sua lei e agem com justiça (tsedacá) em todos os
momentos’. O termo Ashrê (Bem-aventurados) é usado com referência à Torá, mas
também à caridade. Assim como o Ashrê referente à Torá assegura a vida no Mundo
Vindouro, Ashrê referente à caridade também o garante”.
Grande é a caridade, que se iguala à Torá. Sobre a Torá está escrito (Levítico 26:3): ‘Se
nos meus estatutos andardes’, e sobre a caridade (Provérbios 8:22) ‘O Senhor fez-me
como o início de Seu caminho’. Com relação à Torá está escrito (Levítico 26:6): ‘E darei
paz à terra, e vos deitareis e ninguém vos amedrontará; e farei cessar os animais nocivos
da vossa terra e espada não passará pela vossa terra’. E sobre a caridade (Isaías 32:17):
‘O serviço da caridade leva à paz e a prática da caridade, à quietude e à segurança
eterna. Meu povo permanecerá em paz, e habitará em harmonia e moradas seguras, em
lugares de repouso’.
Grande é a caridade, pois a Torá é comparada e igualada a ela, pois não há criação
melhor no mundo que a Torá, como está escrito (Provérbios 4:8): ‘Aprecie-a, e ela o
exaltará; ela lhe trará honra quando você a abraçar. Ela dará uma grinalda de resplendor
para sua cabeça, uma coroa de glória ela lhe conferirá’.
A Torá é comparada a nada menos do que a caridade, como dizem as Escrituras
(Deuteronômio 6:25): ‘E mérito (tsedacá) teremos nós, se cuidarmos de cumprir todo este
mandamento, diante do Eterno nosso Deus, como Ele nos ordenou’.
A caridade é realmente grande, pois apressa o advento da Era Messiânica e a derradeira
redenção, como está escrito (Isaías 56:1): ‘Mantende o juízo e praticai a justiça; assim a
Minha salvação estará prestes a vir.
Grande é a caridade, pois exalta a alma e a situa sob o Trono da Glória, como está escrito
(Isaías 33:15): Aquele que se conduz com a caridade e fala com honestidade... habitará as
alturas, sua fortaleza será entre os rochedos, o pão lhe será concedido e sua sede será
saciada. Seus olhos avistarão o Rei em Sua formosura’.
O terceiro capítulo de Avot de Rabi Natan (Mishná 9) relata que, “Certa vez, havia um
Chassid que costumava fazer muita caridade. Uma vez decidiu velejar e uma ventania
afundou seu barco no mar. Rabi Akiva viu o acidente e correu a uma corte rabínica para
testemunhar que o barco afundara, assim a mulher deste homem poderia casar-se
novamente. Antes que pudesse fazê-lo, o homem emergiu do mar e parou-se diante dele.
Foi você que afundou no mar? Perguntou Rabi Akiva. Sim, respondeu o homem. Quem te
fez emergir do mar? – A caridade que prestei em minha vida, respondeu, foi ela que me
salvou. Como sabe que foi por isto? – indagou Rabi Akiva. O homem respondeu: Enquanto
afundava, ouvi o som do enorme ruído das ondas do mar; eram as ondas, dizendo uma à
outra: Depressa, vamos tirar este homem do mar, pois ele deu dinheiro para caridade
todos os seus dias. Rabi Akiva então declarou: Bendito seja o Eterno, Deus de Israel, que
escolhe as palavras da Torá e as palavras dos Sábios, pois as palavras da Torá e as dos
Sábios foram estabelecidas para todo o sempre. Pois está escrito (Eclesiastes 11:1):
‘Joga o teu pão sobre a superfície das águas, e após muitos dias volverás a achá-lo’ e
também (Provérbios 10:2): ‘A caridade salva da morte’.”
Pelo mérito da caridade, as bênçãos entram em nossas casas, como está escrito
(Deuteronômio 15:10): “Mesmo que seja muitas vezes, lhe darás, e que o teu coração não
seja mau quando lhe deres; pois por isto te abençoará o Eterno, teu Deus, em todas as
tuas obras e em tudo que possuir a tua mão”.
Portanto, temos todos o dever constante de nos empenharmos neste Mitsvá e com isto
causar a entrada de suas bênçãos em nossos lares. Estas bênçãos são adicionais à
recompensa eternamente duradoura reservada para quem faz caridade.
Capítulo 18
Dê o dízimo e você enriquecerá!
DIA 17
Neste capítulo explicaremos o que é exigido para cumprirmos todos os requisitos da
Mitsvá de Chéssed constantemente. Nos capítulos anteriores, demonstramos a virtude que
há em separar uma quantia em dinheiro com a finalidade de estar sempre a postos para
praticar esta Mitsvá. Algumas pessoas podem achá-la especialmente difícil. Por isto é
preciso treinar nosso caráter, separando um décimo dos rendimentos com os quais Deus
nos agraciou. Deste total, devemos despender dois terços em presentes de caridade para
os necessitados (pois sua demanda é maior) e um terço deve estar separado em casa ou
no escritório, para empréstimos sem juros. Quando a quantia acumulada for suficiente para
conceder um empréstimo substancial, todo o dízimo passará a ser destinado à Tsedacá
(presentes caritativos).
A prática do dízimo (Maassêr) é especialmente significativa, como indica o Talmud (Taanit
9a): “Dê o dízimo (Assêr) e você enriquecerá (shetitashêr)”. É proibido testar o Altíssimo,
bendito seja, em qualquer aspecto da vida. Contudo, é permitido fazê-lo no tocante à
caridade, pois as Escrituras declaram (Malaquías 3:10): “Trazei o dízimo todo à casa do
tesouro, para que haja mantimento para a gente da Minha casa (sacerdotes e levitas), e
provai-Me nisto, diz o Eterno dos exércitos, se Eu então não vos abrir as janelas do céu e
não derramar sobre vós uma bênção até que não haja limite”. O Iorê Deá (capítulo 247:4)
cita uma lei permitindo a possibilidade de testarmos o Todo-Poderoso, bendito seja,
quando doamos o dízimo.
Os requisitos para a doação do dízimo (Maassêr), devem ser cumpridos desta maneira:
primeiramente, separamos um décimo do nosso capital. Depois, sempre que Deus nos
conceder oportunidades de obter mais rendimentos, devemos separar um décimo dos
nossos ganhos. Muitos separam o dízimo de seus ganhos, mas não do seu capital. Neste
caso, não estão cumprindo esta Mitsvá de acordo à orientação da lei da Torá.
Primeiramente, a pessoa precisa deduzir um décimo do seu capital.
Por causa dos nossos inúmeros pecados, o Iétser Hará controla as decisões do homem e
não lhe permite deduzir o Maassêr de forma correta.
É preciso saber que a regra primordial é separar um décimo do capital e colocá-lo à
disposição de pobres que necessitem empréstimos sem juros. Podemos tomar
emprestado dinheiro do próprio fundo caso seja necessário, na condição de fazer um
empréstimo de igual valor de outro fundo a fim de assistir uma pessoa necessitada que
porventura nos aborde, enquanto ainda não restituímos o empréstimo que havíamos
tomado do nosso fundo particular. Deste modo, teremos cumprido o dever de deduzir o
Maassêr, pois isto também é considerado um ato de Tsedacá, como explicamos acima.
Contudo este método é válido somente de acordo à opinião de Maimônides e do Shulchán
Aruch. Estas autoridades incluem os empréstimos aos pobres na categoria de Tsedacá.
Nachmânides, por outro lado, em suas notas no Sêfer Hamitsvót, não classifica esta
prática como Tsedacá, mas a considera uma Mitsvá separada. Sob seu ponto de vista,
não há prova de que a Mitsvá do dízimo seja cumprida caso o dinheiro retorne ao seu dono
ou aos seus herdeiros. Se, no entanto, quando a pessoa se compromete a observar esta
Mitsvá, ela se compromete a remeter sua doação a um Fundo de Empréstimos sem juros
irrevogável, a conduta supracitada certamente está permitida de acordo com as opiniões
do Shulchán Aruch e de Maimônides, podendo aparentemente aplicar-se também segundo
Nachmânides, pois aqui existe uma condição atenuante.
Tudo o que dissemos aqui refere-se ao indivíduo que dedica seu dízimo a empréstimos e
não a quem os distribui graciosamente aos pobres. Entretanto, se esta pessoa quiser,
temporariamente, destinar o dinheiro que separou para Maassêr para um empréstimo a um
homem rico, e certamente para alguém que esteja passando por dificuldades
momentâneas ou para uma pessoa em caráter de pobreza permanente, mas está disposta
a doar esta quantia – quando ela lhe for devolvida – a um pobre que a mereça quando a
oportunidade se lhe apresentar, neste caso não há necessidade de aplicar o flanco
rigoroso da lei mesmo de acordo com a opinião de Nachmânides, como explicamos em
Iorê Deá (capítulo 258, parágrafo 1).
Subsequentemente, encontrei, com a ajuda de Deus, que o Midrash Eliahu Rabá (capítulo
156) também decretou explicitamente, que também é permitido conceder empréstimos
sem juros do dízimo para uma pessoa remediada, desde que seja por um período limitado
de tempo, enquanto não lhe apareça um pobre, cuja demanda tem preferência.
Resumiremos nossa dissertação, explicando como devemos agir com relação ao dízimo.
Para evitar ciladas, é preciso estipular o seguinte: (a) Quem se encarrega de cumprir esta
Mitsvá, deve declarar não estar assumindo qualquer tipo de voto (neder). Isto o impedirá
de vir a transgredir uma lei da Torá, Deus o livre. (b) Deve contabilizar os rendimentos e
ganhos (deduzindo as despesas) que Deus lhe concedeu, fazendo um balanço de suas
contas a cada semestre, ou ao menos anualmente. Se, durante este período, tiver algum
prejuízo, que os Céus não o permitam, deve deduzir a perda de seus ganhos e o restante
formará a base para o cálculo do Maassêr. (c) Durante todo este período, deve calcular
tudo o que destinou à caridade, incluindo o que deram as pessoas do seu lar aos pobres,
mesmo que tenham sido apenas alguns centavos. A soma computada deve ser deduzida
do Maassêr. (d) Se, após contabilizar suas contas, for constatado que o Maassêr excede
as quantias destinadas, a diferença deve ser separada e distribuída para caridade. Se os
pobres para quem pretende dar este dinheiro não estiverem acessíveis, pode reter o
balanço do Maassêr até que eles apareçam. Entrementes, poderá usar este dinheiro para
objetivos próprios. Porém, quando for abordado por estes próprios e lhe pedirem
empréstimos ou caridade, deve dar-lhes esta quantia de imediato. (e) Se descobrir que a
soma que destinou para caridade excede a quantia que contabilizou para Maassêr,
algumas autoridades rabínicas são da opinião que ela poderá ser guardada para o ano
seguinte. Outras são mais estritas. Consequentemente, é aconselhável seguir o seguinte
procedimento: ao engajar-se no cumprimento desta Mitsvá, a pessoa deve estipular
expressamente que, sempre que doa uma quantia para caridade, o faz na condição de que
possa retirar esta quantia de seu Maassêr quando e se lhe parecer apropriado (permitindo,
assim, que o excedente seja computado no Maassêr do ano seguinte).
Este tipo de procedimento é possível no caso de pessoas que ganham uma montante de
dinheiro em períodos determinados. É quase impossível que um comerciante, por exemplo,
mantenha o registro do lucro exato que obteve a cada transação. Para ele, o mais indicado
é fazer uma avaliação geral dos ganhos, relacionamento estoque e vendas. Deste modo,
poderá calcular seu lucro líquido. Deverá então fazer uma estimativa geral dos gastos com
as despesas com alimentação e vestuário de sua família durante o período em questão. A
estes dois itens, deve adicionar toda as doações para caridade que ele e sua família
fizeram durante o mesmo período, além de estipular, quando começou a cumprir esta
Mitsvá, que poderia confiar em sua própria estimativa e que não será necessário fazer
este cálculo com precisão.
Quem recebe uma herança também deve separar um décimo para ser distribuído como
caridade (Eliahu Rabá, capítulo 156).
Capítulo 19
O que é certo fazer com o dízimo?
DIA 18
Neste capítulo abordaremos o modo como o dinheiro do Maassêr deve ser distribuído.
Basicamente, é óbvio, o dinheiro deve ser dado aos pobres. Parentes pobres têm
precedência sobre estranhos (Mais sobre as regras de prioridade em Iorê Deá, capítulo
251, parágrafo 3). É permitido até mesmo distribuir deste dinheiro para os filhos maiores,
que já não temos a obrigação de sustentar. Como eles ainda não tem meios, tudo o que se
dá a eles engloba-se na categoria de presentes de caridade, mesmo que o pai tenha como
provê-los de outras fontes. Se um homem é pobre, pode prover seu pai e sua mãe com
dinheiro destes fundos. Se, no entanto, um filho é capaz de sustentar seus pais a partir de
outras fontes, vale aqui a declaração dos nossos Sábios (Talmud de Jerusalém, Peá 27a):
“Que a maldição recaia sobre quem sustenta seus pais com dinheiro de fundos de
caridade, quando pode sustentá-los por fonte própria e não o faz”. (Iorê Deá, capítulos 240
e 249. Shach, ibid.).
Caso seus parentes não estejam passando necessidade31 e o dinheiro do fundo for doado
a estranhos (pobres), as pessoas que “labutam em Torá” tem precedência, para que se
fortaleçam na Torá de Deus, pois o Midrash Tanchuma (Reê) indica que este tipo de
Maassêr foi primordialmente instituído para prover aqueles que se preocupam com o
estudo da Torá. Eis a passagem concomitante: “Dê o dízimo (Assêr), e você enriquecerá
(shetitashêr)”. Deduza o dízimo para que não sofras perdas. Isto é uma intimação a
pessoas que ‘saem aos mares’ (se engajam nos negócios), para que separem um décimo
de seus ganhos em favor dos que labutam em Torá. As Escrituras prometem que o lar da
pessoa que separa o dízimo será abençoado (Malaquías 3:10): “Trazei o dízimo todo à
casa do tesouro, para que haja mantimento para a gente de Minha casa (sacerdotes e
levitas), e provai-Me nisto, diz o Eterno dos exércitos”. A intenção da Torá é prover aos
sacerdotes e levitas alimento na “Casa de Deus”, para que possam dedicar-se de
completo ao estudo da Torá de Deus, de modo que “Eu então vos abrirei as janelas do céu
e derramarei sobre vós uma bênção até que não haja limite”. Pois “as bênção são
concedidas por causa dos Talmidê Chachamim (eruditos em Torá), como disseram nossos
Sábios (Berachót 42a). Similarmente, eles declaram no tratado Chulin (130b): “Não se
concede porções a Sacerdotes leigos, como está escrito 2 Crônicas 31:4: ‘Deem porções
aos Sacerdotes e Levitas, para que possam dedicar-se à Torá de Deus’.” Se não podemos
dar a maior parte da nossa contribuição aos estudantes de Torá, ao menos devemos dar-
lhes a porção maior, ou no mínimo metade.
Encontrei esta regra no livro Knesset Haguedolá (Iorê Deá, capítulo 249:1). A mesma ideia
é evidente nas notas de Harav Hameili (Shitá Mecubétset, Ketubót 50a), para quem o
Maassêr que damos hoje tem origem nos dízimos doados aos Sacerdotes e Levitas, para
que pudessem dedicar-se à Torá de Deus.
Note que as autoridades posteriores (Acharonim) decretaram que podemos usar o
Maassêr para ajudar noivo e noiva a se casarem, se não o puderem de outra maneira. Isto
também se aplica a organizar um Berit Milá (circuncisão) ou adquirir livros sobre judaísmo
para que outras pessoas possam tomá-los emprestado. Podemos usar estes livros em
proveito próprio, desde que escrevamos neles que foram adquiridos com dinheiro do
Maassêr. Do contrário, seus filhos tomarão posse deles após sua morte. Algumas
autoridades duvidam da legalidade de práticas como esta. O Pitchê Teshuvá (citando o
Chatam Sofer, Ioré Deá, capítulo 249) afirma que o Maharil e o Remá permitiam o uso do
Maassêr somente para ser dado aos pobres e não para serem usados em benefício de
outras Mitsvót. Se, no entanto, for evidente que a participação nas despesas de um Berit
Milá beneficiam o pai da criança, que por ser pobre não dispõe de recursos para arcar
com esta despesa, assim como beneficiam noivos e aqueles para quem foram adquiridos
livros sagrados, todos pessoas pobres, não há razão para seguirmos a opinião estrita
nestes casos, pois contribuições como estas são realmente presentes de caridade. Quanto
a adquirir o direito de receber uma Aliá à Torá, também neste caso se o dinheiro for usado
em benefício dos pobres, não há motivo para proibir a prática de acordo com todas as
autoridades. Todas as opiniões legais, contudo, proíbem o uso destes fundos para pagar
uma anuidade de estudos de Torá aos próprios filhos, pois a pessoa tem ela mesma o
dever de educá-los, podendo alternativamente contratar um professor particular. Também é
proibido saldar dívidas com dinheiro de Maassêr. Custear os estudos dos filhos de outras
pessoas é certamente permitido, além de ser uma grande Mitsvá.
Saiba também, que separar um décimo para a caridade é a medida das pessoas
medianas. Quem deseja realmente atuar caritativamente, deve separar um quinto de tudo o
que possui. Nossos Sábios dão fundamento a esta ideia com base no versículo em
Gênesis 28:22: “E de tudo quanto me deres, certamente dar-Te-ei o décimo Aasser
Aasrenu Lach”. A redundância do termo ligado ao Maassêr indica, segundo nossos Sábios,
que o ideal é doar dois décimos para caridade, ou seja, um quinto. Aqui também, acredito,
devemos doar um quinto dos nosso lucro líquido e de todos os rendimentos subsequentes.
Ao distribuir estes fundos, divida-os em duas partes: um décimo deve ser doado a
estudantes de Torá (correspondente ao primeiro dízimo doado aos Sacerdotes e Levitas
que devotam-se ao estudo da Torá, como relatam as Escrituras) e o segundo dízimo para
as outras Mitsvót. Aprendi isto do Shitá Mecubétset (Ketubót 50a) onde ele cita Harav
Hameili.
Explicaremos agora um detalhe que afeta especificamente as doações para caridade.
Algumas autoridades declaram que nossos Sábios consideram a doação de um quinto dos
rendimentos como um ato de caridade, somente no caso da comunidade onde não existem
pessoas pobres, ou que estejam desprovidas de alimento e vestimenta. Contudo, se
houverem viúvas, órfãos e oprimidos, incapacitados de proverem a si mesmos, o que antes
era um ato de caridade passa a ser um dever legal, uma obrigação de separar um quinto
das posses para auxiliar estas pessoas. Esta é a opinião do Gaón de Vilna. 32 Esta
obrigação surge somente quando o doador é capaz de contribuir com um quinto de suas
posses. Como mencionamos anteriormente, ninguém é obrigado a passar necessidade
para doar um quinto do que tem, mesmo se for uma Mitsvá fazê-lo (elaboramos nossa
visão à respeito numa nota da edição em hebraico).
Capítulo 20
... mas também não se pode exagerar
De acordo com o Talmud (Ketubót 50a), os Sábios em Usha instituíram que um não se
deve distribuir mais do que um quinto de seus rendimentos, do contrário corre o risco de no
futuro tornar-se dependente do suporte público. De acordo com as autoridades, esta
admoestação não se refere às pessoas extremamente ricas, que estão expressamente
excluídas deste regulamento. (Veja: Baba Cama 9a, Tossafót e também Chochmat Adam,
Leis sobre Caridade). Isto também não inclui enfermos em estado crítico que distribuem
seus bens imediatamente antes de passar deste mundo. A ressalva de que uma pessoa
neste estado poderia tornar-se dependente de auxílio público não se aplica a este caso,
podendo esta pessoa doar uma grande quantia.
Em sua nota em Iorê Deá, capítulo 249, parágrafo 1, o Remá decreta que uma pessoa
nesta condição poderá doar o quanto desejar. Algumas autoridades ditam que mesmo
nesta situação a pessoa pode doar somente um terço e no máximo metade de sua riqueza,
mas não mais que isso. O Talmud relata sobre Mar Ukva (Ketubót 67b), que após revisar
quanto havia doado para caridade durante a vida, fez este comentário, “A viagem é longa e
as provisões são escassas”. Decidiu então doar seus bens para caridade.
Algumas autoridades declaram que a regra, “O benevolente não deve doar mais do que um
quinto do que tem”, aplica-se somente às pessoas que procuram por pessoas
necessitadas para poder ajudar-lhes, mas isto não se aplica a pessoas em estado de
petição de miséria que porventura batam-lhe à porta pedindo por um prato de comida ou
roupa para vestir. Neste caso, é um dever da Torá ajudar esta pessoa até que suas
necessidades sejam suficientemente preenchidas (Deuteronômio 15:8). Também somos
obrigados a resgatar cativos, sobre os quais existe ordem Divina de redimi-los e é
permitido despender mais do que um quinto de nossas posses para este fim. Além de um
dever bíblico, redimir um cativo é um ato revestido de especial santidade (Maimônides:
comentários sobre a Mishná, Peá 1:1). Aparentemente esta limitação não se aplica
quando existe perigo de vida. Portanto, se o cativo corre perigo de vida ou um faminto
estiver à beira da morte, o limite de um quinto torna-se ineficaz. O Talmud (Baba Metsia
62a) diz que nossa própria vida tem precedência sobre a vida alheia, mas não há evidência
nas fontes rabínicas que nossas posses tenham precedência sobre a vida do próximo.
Saiba também que o limite de separar até um quinto para caridade aplica-se somente no
caso da pessoa que costuma esbanjar o que tem. Nossos Sábios indicam isto por meio do
termo Mebazbez. Uma pessoa de posição financeira segura ou que possua um negócio de
onde pode retirar seu sustento semanalmente e mais um pouco, pode despender seu
excedente praticando caridade, mesmo que este valor seja proporcionalmente maior do
que um quinto de suas posses.
Precisamos lembrar que estas leis dizem respeito apenas à caridade de um modo geral.
Quanto ao sustento do estudo da Torá, o Shitá Mecubétset (Ketubót 50a) é da opinião de
que este não está incluso nesta restrição, o que procede, uma vez que o doador também é
recompensado pelo estudo da Torá, como no caso do acordo entre as tribos de Issachar e
Zebulun. A tribo de Zebulun sustentava a tribo de Issachar, que tomava para si a tarefa de
estudar Torá e isto recompensava ambas as tribos. O Midrash afirma (Bamidbar Rabá,
Nassó 13:17): “Por que Zebulun recebeu o privilégio de oferecer seu sacrifício em terceiro
lugar na ordem dos príncipes das tribos de Israel? Porque amava a Torá e doava
generosamente dos seus recursos financeiros a Issachar, libertando-o com isto do fardo
de ocupar-se com o comércio. Por conseguinte, Issachar não precisava interromper sua
ocupação com a Torá. Isto deu a Zebulun o mérito de tornar-se parceiro de Issachar e
associado em sua Torá... Outra interpretação: A ‘baixela de prata’33 correspondia ao pão
com o qual Zebulun alimentava Issachar; a ‘bacia’, correspondia ao vinho que lhe dava para
beber; e por que estes artigos eram confeccionados em prata? – para indicar que Zebulun
dava do seu dinheiro34 a Issachar para que ele pudesse cobrir suas despesas. ‘Ambos
eram preenchidos com a melhor farinha’, nos ensina que ambos receberam recompensa
pelo estudo da Torá e sustento em conjunto... pois assim como Zebulun tinha parte na
recompensa pela Torá de Issachar, este tinha participação nos ganhos materiais de
Zebulun”. Esta passagem torna evidente que o auxílio prestado a Issachar excedia em
muito a fração de um quinto dos ganhos de Zebulun. Nossos Sábios citaram o exemplo
destas tribos inúmeras vezes, como exemplo a ser seguido pelas gerações seguintes.
Como podemos afirmar então que isto é impossível de ser levado a cabo em nossa
geração? Obviamente, os casos onde se trata de sustentar o estudo da Torá não se
enquadram nesta limitação. Visto que a recompensa é compartilhada, que valor teria
qualquer limitação? Neste caso, quanto maior o auxílio, maior a recompensa. (Nota: A
pessoa temente a Deus aplica sua inteligência para descobrir como deve conduzir-se nesta
empresa conjunta. Quando um erudito em Torá a procura, ele deve ser recebido
cordialmente, como se fosse um parceiro nos negócios, cuja associação renderá grandes
lucros. Receber com alegria um estudioso de Torá e render-lhe auxílio abonar-lhe-á no
Mundo Vindouro a recompensa destinada aos que suportam a Torá. Alguns indivíduos
rudes, para aumentar nossas falhas, comportam-se de maneira inversa, contribuindo de
modo mesquinho, rancoroso e aviltante. Mas os Céus pagam aos homens, por sua
conduta, medida por medida, portanto, aquele que compreende deve cuidar-se, pois “O
homem sábio possui olhos em sua cabeça”.
Em sua exposição sobre o versículo em Eclesiastes 2:18, “Odiei toda a minha labuta”, o
Midrash (Cohélet Rabá, ibid.) relata: “Rabi Meir era um hábil escriba e costumava ganhar
três Selas por semana. Gastava um Sela 35 com alimentação e bebida, outro Sela com
vestimenta e doava o terceiro Sela a estudiosos de Torá. Seus discípulos o indagaram: O
que deixarás para teus filhos? Sua resposta: Se forem justos, lhes acontecerá o que
prenunciou o rei David (Salmos 37:25): ‘Nunca vi o justo em abandono, nem a sua
descendência implorar por pão’. Mas se não forem justos, por que deveria eu deixar de
minhas posses a inimigos do Onipresente?” Mais adiante, o Midrash observa (Cohélet
Rabá 7:103): “Rav Acha disse em nome de Rabi Tanchum: Suponhamos que alguém tenha
estudado, ensinado, cumprido e observado a Torá. E que podia ter sustentado outros
(estudiosos de Torá), mas não o fez. Ele será incluído na categoria em (Deuteronômio
27:26) ‘Maldito aquele que não confirmar as palavras desta Lei para cumpri-las’.
Suponhamos também, que alguém não tenha estudado nem ensinado, observado ou
cumprido a Torá (a intenção aqui é que sua devoção à Torá tenha sido prejudicada por sua
pobreza e necessidades, que a pressionavam a ganhar arduamente o seu pão de cada
dia). Mesmo sem poder fazê-lo, ainda assim ajudava os outros. Desta pessoa dir-se-á,
‘Bendito aquele que confirma as palavras desta Lei para cumpri-las’.”
De tudo o que foi dito até aqui, é evidente a importância de auxiliar no sustento dos
estudiosos de Torá mesmo que nossos ganhos sejam minguados. Quem o faz será
abençoado por seus atos. Portanto, quanto precisará empenhar-se nesta Mitsvá, quem
tiver meios para isto.
Isto nos devolve à nossa reflexão inicial. A limitação imposta pelos nossos Sábios mostra
quão cuidadosos temos que ser para não esbanjarmos dinheiro em assuntos vãos.
Obviamente, a caridade e as outras Mitsvót constituem as atividades mais importantes e
supremas deste mundo. Os gastos com estes assuntos salvam a pessoa de todo o tipo de
sofrimento, tanto neste mundo quanto no Mundo Vindouro. Contudo, nossos Sábios nos
advertem para cuidarmos do nosso dinheiro e não esbanjá-lo, mesmo nestas atividades,
para que não venhamos a empobrecer, ainda que Deus nos proveja miraculosamente se
chegarmos a uma situação como esta. Quanto então precisamos cuidar para não
desperdiçar nosso dinheiro com tolices como honrarias ilusórias, roupas extravagantes,
mansões luxuosas, serviçais e utensílios demasiadamente caros. Despesas como estas
esgotam a riqueza do homem em pouco tempo, conduzindo-o à pobreza. Ele então busca
seu sustento empregando expedientes desonestos e desrespeitando a propriedade alheia,
para tentar safar-se do seu apuro.
Conheço bem os argumentos do Iétser Hará, de que viver com opulência aumenta a
capacidade de gerar lucros, pois nos tomarão por ricos e isto aumentará nosso crédito.
Isto também é absurdo. Qualquer um pode reconhecer uma farsa como esta. Seus
negócios são investigados antes que lhe concedam crédito e a verdade revelada. Todos os
seus gastos terão sido necessariamente em vão. Além disso, seus filhos e filhas, ao
perceberem seu estilo de vida extravagante, acreditarão realmente que o pai seja
extremamente rico. Então desperdiçarão seu dinheiro indiferentemente, com todo o tipo de
tolice. Finalmente, ele se verá reduzido à penúria. Sua queda será totalmente exposta.
Seus credores o perseguirão e o atormentarão. A dor e vergonha resultantes desta
situação ameaçarão sua vida e de seus dependentes. Ao invés da alegria efêmera e
imaginária que os deleitava a princípio, esta família agora sofre longa degradação e dores
de cabeça. O homem sábio sabe cercar-se de cuidados para não dissipar o que tem,
gastando suas posses com assuntos inúteis e gasta apenas o suficiente para cobrir suas
necessidades, fazer caridade e Guemilút Chéssed. Tudo então correrá bem para si.
Gostaria de levantar mais um ponto. Aqueles que adotam o hábito de separar um décimo
ou um quinto de seus ganhos, realizam um ato maior do que os indivíduos que fazem
doações sem assumi-las como um dever, mesmo que as quantias doadas sejam iguais.
Enquanto este último faz não mais que um ato de caridade, o primeiro torna-se parceiro
dos Céus, o que lhe dá a vantagem de tornar sua atividade comercial uma Mitsvá. Isto se
aplica em especial se, no momento em que assumir o dever de separar o Maassêr ou um
quinto, a pessoa tem em mente que Deus compartilha todos os seus empreendimentos.
Quão feliz é esta pessoa e quão bela é a sua parte.
Capítulo 21
Provendo suporte para prevenir colapsos
DIA 19
Até aqui vimos lidando com medidas simples de Guemilút Chéssed, cuja finalidade
principal é beneficiar o próximo, seja ele pobre ou rico. Agora discutiremos uma subdivisão
desta classe.
Trata-se de um indivíduo cuja condição financeira deteriorou-se. Então, se lhe for
concedido um empréstimo, ele poderá manter-se, salvar-se do colapso financeiro e da
dependência do suporte alheio. Este tipo de auxílio excede o Guemilút Chéssed ordinário,
pois também estamos praticando o comando das Escrituras (Levítico 25:35): “E quando
empobrecer teu irmão e encostar sua mão sobre ti, deterás sua decaída, mesmo se ele é
peregrino ou estrangeiro, morador da terra, e viverá contigo”. (Quando à expressão bíblica
“contigo”, podemos explicá-la com referência ao versículo em Provérbios 22:2, “Rico e
pobre encontram-se juntos; Deus é o Criador de todos eles”, como explicam nossos
Sábios (Vaicrá Rabá 34:4): “Quando um pobre aborda um rico e lhe roga, ‘Auxilia-me’; se
este rico decidir ajudá-lo, muito bem, do contrário, ‘Deus é o Criador de todos eles’, – Ele
o fez rico, mas pode torná-lo pobre...” Portanto, se um pobre te abordar solicitando ajuda,
pense que na verdade é você quem está na corda bamba, pois se negar-se a ajudá-lo,
poderá se tornar o próximo a pedir auxílio, Deus o livre. Se, no entanto, você o ajudar a
estabilizar sua posição, ambos viverão com segurança e estabilidade. É isto o que significa
“e viverá contigo”).
Se o Altíssimo conceder algum lucro ao beneficiado como resultado deste empréstimo e
com isto ele puder sustentar sua família e a si mesmo, então o credor será visto por Deus
como quem preservou a vida de quem tomou o empréstimo e de sua família, como
havíamos explicado anteriormente, com base no Midrash.36
Se o benemerente der um emprego a esta pessoa ou associá-la aos seus negócios, isto
também se inclui na categoria de Mitsvá, como encontramos no Código de Maimônides
(Matnot Aniim 10:7). A regra geral é que devemos nos esforçar ao máximo para estender
a esta pessoa um auxílio tal, que a salve do colapso financeiro. Fazer o máximo também
implica estimular outros a ajudarem esta pessoa em tudo o que ela venha a precisar.
Também vi pessoas tementes a Deus emprestarem dinheiro a alguém sem juros,
permitindo que saldem a dívida semanalmente, ao invés de cobrar-lhes tudo de uma vez.
Agir desta forma é prestar um grande favor a estes desafortunados, pois isto lhes permite
saldar suas dívidas enquanto mantém a independência econômica. Seria diferente se o
devedor tivesse que saldar toda a dívida de uma vez, pois isto poderia fazê-lo retornar à
condição anterior de pobreza.
Encontramos uma discussão deste tópico no Talmud (Avodá Zará 4a): “Aquele que
empresta mil Zuz ao seu colega deve, se o estima, permitir-lhe que salde a dívida aos
poucos”. Sigamos o exemplo do habitual no mundo dos negócios. Os credores permitem
esta cortesia aos seus devedores a fim de preservar seu dinheiro e aumentar seus lucros.
É assim que devem proceder com estas almas aflitas, concedendo-lhes e empréstimos
sem juros, cumprindo desta forma com a vontade de Deus. O bom nome, com o qual o
Altíssimo coroará o doador no Mundo Vindouro por conta de sua atitude, conceder-lhe-á
honrarias infinitamente maiores que os lucros insignificantes que por hora poderia obter em
suas transações financeiras. (Assim diz o Talmud, no Tratado Shabat 104a: “Aprende o
saber; mostra bondade com o pobre... e põe uma coroa sobre ti no Mundo Vindouro”.
Aparentemente, é este o significado da Mishná em Pirkê Avot 4:3: “E a coroa do bom
nome excede todas as outras”).
Quem age deste modo cumpre as palavras do versículo (Salmos 41:2): “Bem-aventurado
aquele que atenta para o debilitado; no dia do seu infortúnio, o Eterno o livrará”. O
versículo louva a consideração deste homem pelas circunstâncias de degradação em que
se encontra o pobre e o seu esforço para também, de alguma maneira, livrá-lo de seu
estado de penúria e carência. Este versículo tem outras ramificações que, se Deus quiser,
explicaremos mais tarde; mas o que dissemos aqui também se enquadra neste âmbito.
Uma conduta louvada como esta não se aplica somente à ação de indivíduos, mas também
a atividades públicas de Guemilút Chéssed. Tenho tomado conhecimento de diversas
comunidades onde associações sagradas como estas foram estabelecidas recentemente.
Estas organizações receberam o nome de Somech Noflim, pois se ocupam de auxiliar os
pobres e impedir seu colapso Deus não o permita. Eis como procedem: elas emprestam
uma quantia de dinheiro especificada em seus estatutos por um determinado período de
tempo. O fardo da dívida é aliviado através de uma amortização semanal com uma quantia
modesta de dinheiro. Os curadores do fundo nomeiam um responsável honorário ou
remunerado, que visita periodicamente os devedores para coletar seus pagamentos e,
deste modo, as contas do fundo raramente entram em déficit. Este procedimento oferece
uma vantagem adicional. No momento em que o empréstimo é concedido é cumprida a
Mitsvá “deterás sua decaída”. Esta é a virtude primordial da Mitsvá da Tsedacá, como
explicam o Código de Maimônides (Matnot Aniim 10:7) e o Shulchán Aruch (Iorê Deá,
capitulo 249). Além disso, a cada momento em que a dívida é saldada manifesta-se um ato
de bondade, pois o devedor é tratado com amabilidade. O comentário dos nossos Sábios
a respeito é bem conhecido (Sucá 49b): “Disse Rabi Elazar: a caridade é recompensada
de acordo com a bondade que ela contém”.
Saiba também, que o tratado Iorê Deá (capítulo 249:6) regulamenta que dar um presente
que estabilize a condição financeira de uma pessoa à beira da falência também cumpre
com os requisitos desta Mitsvá. Portanto, quando o infortúnio acomete alguém (por
exemplo, quando o animal que usa para semear morre ou perdas similares) e esta pessoa
não tem condições para repor a perda – ou quando uma mulher enviúva e não tem de onde
prover seu sustento, é preciso conceder-lhes uma soma de dinheiro que lhes permita
engajar-se em algum tipo de ocupação – é preciso fazer de tudo para ajudá-los. Todos os
atos deste tipo constituem uma grande Mitsvá. Uma vida longa é a recompensa, como
explica o Midrash com base no versículo (Provérbios 19:17): “Aquele que favorece o pobre
empresta ao Senhor, e suas boas ações Ele remunerará”. Caso similar encontramos no
Talmud (Baba Batra 11a), no incidente envolvendo Benjamim, o Justo. 37
Saiba ainda, que prover um emprego rendoso ou auxílio similar a um pobre, cumpre o
preceito “Deterás sua caída”, de acordo com as autoridades rabínicas. Cabe aqui uma
reprimenda aberta àquelas pessoas em particular que não oferecem emprego a um judeu
quando necessitam mão de obra não qualificada. Estes certamente não são pessoas ricas,
são quase indigentes. O versículo (Levítico 25:35): “E quando empobrecer teu irmão e
encostar sua mão sobre ti, deterás sua decaída”, certamente descreve as circunstâncias
em que se encontram. Além disso, mesmo que este homem seja reconhecidamente rico e
que este versículo não se refira a ele, devemos dar-lhe prioridade em relação um não
judeu, assim como comprar e vender dele etc., como encontramos em Sifra. Acrescente-
se a isto que, segundo o Remá, em sua responsa (capítulo 6), negociar com um irmão
judeu tem precedência mesmo que exista uma pequena diferença nos preços. Isto diz
respeito a qualquer judeu e certamente a um judeu pobre, sobre quem se aplica o preceito
bíblico “Deterás sua caída”. É o que parece decretar a lei judaica, como explicamos acima.
Toda pessoa deve depositar sua fé em Deus. Deve acreditar que ao exercer o grau mais
elevado de caridade, “Deterás sua caída”, Deus o fará prosperar no lar que está
construindo ou na jornada em que está se empenhando, além de reservar a recompensa
que o espera no Mundo Vindouro. Descrevemos neste capítulo algumas maneiras como o
versículo acima pode ser aplicado. A pessoa sábia saberá proceder de acordo com cada
situação. Saiba também que esta Mitsvá não é cumprida de uma só vez ou com um ato
isolado. Todas as vezes que uma pessoa estiver próxima do colapso financeiro devemos
nos engajar em auxiliá-la, como explica o Midrash (Sifra, Behar): “Mesmo se ajudou esta
pessoa quatro ou cinco vezes, ajude-a novamente, pois as Escrituras declaram: ‘Deterás
sua caída’.” (O Midrash faz uma dedução similar Sifri, Deuteronômio 15:8: “ ‘Certamente
abrirás tua mão’ – mesmo que diversas vezes”).
Capítulo 22
Emprestando bens pessoais
DIA 20
Nos capítulos anteriores expusemos as leis referentes a empréstimos de dinheiro. Agora
trataremos dos bens pessoais. Esta atividade também origina-se da compaixão e constitui
uma Mitsvá, como apontam nossos Sábios (Sucá 49b): “Caridade se faz com dinheiro,
mas Chéssed fazemos com todo o nosso ser”. Rashi inclui todo o tipo de empréstimo
nesta Mitsvá: dinheiro, bens móveis, animais etc. A Mitsvá é tanto maior se quem toma
emprestado um artigo ou animal puder fazer disto seu meio de vida. Certamente, esta é a
melhor das boas ações, pois cumpre o que está escrito (Levítico 25:35): “E quanto
empobrecer teu irmão e encostar sua mão sobre ti... deterás sua caída”. Cada um de nós
é capaz de cumprir este tipo de caridade, pois ele inclui os objetos mais simples, como
emprestar utensílios domésticos ou até um pente. Nossos Sábios disseram (Menachót
43b) que a punição pelo descuido em usar fios brancos corretos nas franjas (Tsitsít) é mais
severa do que o descuido em usar um fio celeste (Techélet), pois este último é mais caro e
difícil de conseguir, e nem todos podem ter. A mesma comparação se aplica no nosso
caso.
Nos céus, não reclamarão com uma pessoa em dificuldades financeiras por não ter
ajudado um amigo em dificuldades, emprestando-lhe uma soma substancial para que
pudesse se sustentar, pois o indivíduo precisava deste dinheiro para sustento próprio. Mas
lhe perguntarão porque não emprestou ao seu colega aquele pequeno artigo de que
necessitava e que estava ao seu alcance – mas que não o fez por preguiça. O mesmo se
aplica ao nosso caso. Todos têm a condição de permitir a seus companheiros que se
beneficiem dos pequenos objetos que têm à sua disposição. Mesmo que a pessoa que o
peça tenha posses, temos o dever de estender-lhe esta cortesia. Quanto mais em se
tratando de um pobre, pois o mesmo é capaz de não poder adquirir até mesmo este
pequeno item.
Contudo, existem pessoas que se negam a emprestar estes artigos por pura mesquinharia.
Simplesmente porque não admitem que seus pertences beneficiem outros. Que indigno agir
desta forma. No capítulo onze explicamos como isto é deplorável e que tipo de punição
aguarda esta atitude. Mesmo aqueles que não são mesquinhos por natureza, não raro
falham nesta Mitsvá por preguiça de, por exemplo, buscar o objeto que está em outro
quarto e qualquer outra razão trivial. Mesmo que isto não se inclua na primeira categoria de
não praticar a caridade, ao agir deste modo, a pessoa privou-se de ver sua alma iluminada
pelo brilho do Chéssed. Ela nem mesmo percebe o significado disto. Mas quando o
perceber, não admitirá que nada interfira no exercício desta virtude em todos os seus
negócios, e alegrar-se-á com todas as oportunidades que lhe conceder o Todo-Poderoso
para atuar de maneira generosa e misericordiosa com o próximo.
Até aqui dirigimos nossa atenção ao empréstimo de utensílios e outros artigos para que
outras pessoas possam derivar algum benefício temporário deles. Imagine então que ato
de benevolência fazemos quando emprestamos livros judaicos para que nossos amigos
possam estudar neles. O bem que fazemos ao agir deste modo é perpétuo. Seu próprio
mérito e justeza perdura para sempre, como disseram nossos Sábios (Ketubót 50a):
“‘Fartura e riqueza haverá em tua casa, e sua generosidade durará para sempre’ (Salmos
112:3) – trata-se de quem empresta livros sagrados aos outros”. Este ato também faz
parte da Mitsvá “dar suporte à Torá”, pela qual o benevolente recebe bênçãos de Deus,
bendito seja, de acordo com nossos Sábios.
Alguns deixam de emprestar seus pertences por possuirem algum tipo de antipatia pela
pessoa que lhes aborda pedindo o empréstimo. Este é o pior de todos os vícios
mencionados acima e transgride a proibição de (Levítico 19:18): “Não te vingarás e nem
guardarás rancor contra os filhos de teu povo”. O melhor seria que cada um refletisse
sobre quantas vezes já provocou o Altíssimo, bendito seja, tanto com palavras quanto com
atos. No entanto, o Todo-Poderoso, bendito seja, não se vinga nem guarda rancor contra
esta pessoa. Portanto, devemos agir de modo igual com nosso semelhante. Podemos
afirmar que esta é a intenção do versículo (Levítico 19:18): “”Não te vingarás e nem
guardarás rancor... e amarás o teu próximo com o a ti mesmo; Eu sou o Eterno”. Ou seja,
você deve estender ao próximo as mesmas virtudes que Deus estende a ti e ao universo
como um todo, pois Deus não tolera nenhum tipo de ódio, como está escrito (Jeremias
3:12): “Pois Eu sou misericordioso, disse o Eterno, e Eu não guardo rancor jamais”.
Até aqui o nosso parecer com respeito a quem empresta; agora discutiremos os aspectos
de quem toma emprestado. Em primeiro lugar, é preciso que ele não quebre os termos
estipulados pelo credor. Se o fizer, é considerado Gazlan (ladrão). O objeto emprestado
não deve ser utilizado para qualquer outro propósito nem ser retido por um período maior
que o estipulado por quem emprestou. Similarmente, quem toma um objeto sem o
consentimento do dono é considerado ladrão, como rege o Choshen Mishpat (capítulos
341 e 359). Também é proibido emprestar este objeto a outras pessoas, mesmo durante o
período do empréstimo, e certamente depois de expirar o prazo para devolvê-lo. Quem
toma emprestado algo tem a obrigação de devolver o artigo quando o período estipulado
finda. Muitos, devido à nossa lastimável situação espiritual, não são cuidadosos com isto;
sua preguiça os impede de restituir o artigo emprestado a tempo. Enquanto isto, seu dono
esquece-se a quem o emprestou e vai atrás da identidade deste último, tentando encontrá-
lo. Frequentemente, também, o objeto em questão se rompe ou se estraga por negligência
de quem o tomou emprestado. Mesmo se pagá-lo, ainda assim cometeu um ato injusto,
pois o objeto não lhe foi confiado com este propósito. Se falhar em indenizar o dono do
objeto, incorre em roubo total, como diz o Talmud (Baba Metsia 81a): “Quem toma um
artigo emprestado é responsável por ele mesmo após o término do período estipulado e
enquanto este objeto estiver sob seu domínio”. Certamente, sua responsabilidade é maior
durante o período especificado, mesmo que o objeto venha a quebrar acidentalmente.
Além disso, quem se preocupa consigo mesmo, agirá deste modo quando tomar um objeto
emprestado para algum uso em particular, devolvendo-o assim que o prazo do empréstimo
termina e não o reterá um momento mais. (Veja também Shitá Mecubétset, Baba Metsia
81a. O Ritva decreta que é legalmente preciso devolver o objeto assim que o prazo do
empréstimo expira).
Capítulo 23
Como proceder ao conceder um empréstimo
Nos capítulos anteriores, explicamos em detalhes a obrigação de emprestar aos outros.
Agora demonstraremos como se cumpre esta Mitsvá. É preciso agir do mesmo modo que
agimos quando prestamos caridade, emprestando o objeto solicitado de bom grado e
alegremente, como encontramos em Avot de Rabi Natan (capítulo 13): “E recebe todas as
pessoas com semblante alegre”. A que isto se refere? Se alguém der todos os presentes
deste mundo a alguém, mas o fizer de má vontade, não terá dado coisa alguma de acordo
com as Escrituras”. Assim rege o Iorê Deá (capítulo 249, parágrafo 3). O mesmo se aplica
aos empréstimos. Devemos cuidar não tratar quem nos pede algo emprestado de modo
indigno, Deus nos livre, mas fazê-lo de modo polido e alegre. (Veja capítulo 9, onde
explicamos este tópico com mais profundidade). É preciso enxergar a si mesmo na mesma
situação de quem pede emprestado. Se fossemos nós quem necessitássemos deste
objeto, não gostaríamos que nos fosse emprestado com amabilidade? Portanto, devemos
agir do mesmo modo com os outros. Assim Rashi comenta o versículo em Êxodo 22:24,
“Emprestarás dinheiro ao Meu povo, ao pobre que está contigo, e não serás para ele
como credor”: não serás para ele como credor, porque é “Meu povo” e o “pobre que está
contigo” – enxergue a si mesmo como se você fosse este pobre.
É preciso ser especialmente afável com quem empobreceu, e o teu empréstimo lhe
permitirá engajar-se em alguma atividade lucrativa, livrando-o da penúria e da dependência
do favor alheio, pois de acordo a Maimônides e ao Shulchán Aruch (Iorê Deá, capítulo
249), este ato inclui-se na Mitsvá de Tsedacá, portanto é preciso comportar-se de modo
similar a quem presta caridade, como foi demonstrado em capítulos anteriores.
Consequentemente, se por alguma razão a pessoa abordada em busca de auxílio não
puder responder positivamente, você deve atuar como no caso da prestação de caridade,
sem repreender o suplicante nem levantar a voz contra ele, como faz o avaro, que não só
nega-se a atender os pobres que batem à sua porta, como os trata de modo indigno. É
preciso falar gentilmente com estas pessoas, mostrando-lhes que você realmente deseja
emprestar-lhe o que pediu, mas que foi tomado por circunstâncias adversas que o
impedem de fazê-lo no momento. A regra é: deve tratar quem lhe pede algo do mesmo
modo que gostaria de ser tratado, como diz Rashi na passagem acima mencionada. Avot
de Rabi Natan diz ainda: “Quem recebe seu semelhante com semblante alegre (mesmo
que não lhe tenha dado nada) é visto pelas Escrituras como se lhe tivesse dado todos os
bons presentes do mundo”.
Agora explicaremos como esta Mitsvá deve ser praticada com pureza e em seu próprio
mérito (Lishmá), livre de outros motivos ou interesses. Nossos Sábios disseram
(Pessachim 8a): “Se alguém diz: Darei um Sela de caridade para que eu viva mais ou
herde o Mundo Vindouro – é completamente justo em seus atos” (“neste assunto” –
acrescenta Rashi). O mesmo se aplica para quem espera, também, derivar algum
benefício. A razão para isto é que esta pessoa obedeceu a vontade de Deus quando disse
que daria aquela moeda para a caridade. Mesmo que o tenha feito com o desejo de
derivar algum benefício, isto não anula sua Mitsvá. Obviamente, o mesmo princípio se
aplica a atos de Guemilút Chéssed. Se uma pessoa separa uma soma de dinheiro para
um fundo de Guemilút Chéssed ou faz diretamente um empréstimo a outra, desejando com
isto que seus filhos sejam abençoados com vida, que ele prospere nos negócios ou que
por isto ganhe seu quinhão no Mundo Vindouro, sua Mitsvá será considerada completa,
pois sua intenção foi cumprir uma Mitsvá ordenada pela Torá, embora deseje, ao
mesmo tempo, que Deus, bendito seja, lhe conceda um favor em troca. (Isto não contradiz
a regra aceita pelo Orach Chaim (capítulo 60), de que as Mitsvót requerem intenção para
serem cumpridas – ou seja, que é preciso ter em mente a intenção de estar cumprindo
uma Mitsvá. O doador só deseja, adicionalmente, que Deus lhe conceda um obséquio pelo
seu ato. Portanto, sua Mitsvá é completa). O melhor seria cumprir esta Mitsvá somente
pelo fato de Deus tê-la ordenado em Sua Torá. Então, o poder sagrado desta Mitsvá terá
sido potencializado da maneira mais perfeita possível, atraindo fortemente o atributo
celestial da bondade (Chéssed), que se estenderá sobre toda a existência da Criação.
Contudo, é possível que esta pessoa não se veja capaz de cumprir esta Mitsvá pela
Mitsvá em si (Lishmá). Sua intenção é a de sempre beneficiar a si mesma, ter sucesso
nos negócios, ser bem vista pela comunidade como um grande doador de caridade e
benfeitor. Apesar disto, não deve deixar de cumprir esta Mitsvá, mesmo que seja por estes
objetivos. O Talmud (Pessachim 50b) declara: “Deixem os homens se engajarem no estudo
da Torá e no cumprimento das Mitsvót, mesmo que movidos por outros motivos e
interesses, pois se o fizerem imbuídos por estas razões, no fim cumprirão Mitsvót por seu
próprio mérito, com pureza de pensamento”. (Veja Rashi e Tossafót, Berachót 17a). Estes
atos também invocam a graça Divina sobre a Criação, ainda que não seja sobre sua
totalidade, mas chegam somente até os céus, como ressalta o Talmud (Pessachim 50b):
“Um versículo diz (Salmos 57:11): ‘Pois Tua benevolência até os céus e Tua fidelidade
alcança as grandes alturas’. Outro versículo diz (Salmos 108:5): ‘Porque acima dos céus
alcança Tua benevolência’. Não há contradição entre os dois. Um deles refere-se a quem
faz caridade pelo próprio mérito e outro a quem a pratica por motivos outros”. O Talmud
(Baba Batra 9a) que diz, “Contudo, isto é considerado Tsedacá”, prova que,
independentemente da forma como esta ação é realizada, as Escrituras a veem como
Tsedacá, e o mesmo se aplica aos atos de bondade. Nossos Sábios disseram (Sifre, Ki
Tetsê): “Mesmo se alguém perdeu um Sela e um pobre achou esta moeda, o Onipresente
credita o mérito de haver dado Tsedacá a quem a havia perdido”.
O Midrash Tadshê (capítulo 12) explica: “Há três tipos de sacrifícios: de elevação (Olá –
queimado totalmente no altar), de paz (Shelamim) e de expiação (Chatat). Da mesma
forma, há três tipos de justos que servem a Deus de diferentes maneiras: por amor,
súplica ou medo. A oferenda de queima corresponde ao amor: a de paz corresponde às
súplicas e a de expiação ao medo. A oferenda de queima é feita unicamente em honra à
Glória Divina, mas as demais são oferecidas para nosso mérito. O amor é a mais preciosa
virtude. Existem pessoas justas, que servem a Deus com amor, dando honra e glória ao
Seu reino. Pois somente Ele sustenta tudo o que existe; Ele, em Sua grande bondade,
criou o mundo com Sua palavra, sem esforço algum. Ele é Deus, é Pai, é Rei, é Poderoso,
Sábio, Bom, o Misericordioso, Quem tudo possui e Quem preenche todas as coisas, dos
mundos superiores aos inferiores. É Ele quem sustenta Suas criaturas, que conhece todos
os segredos do universo, que faz o bem ao justo e ao ímpio, permitindo que este último
perdure para arrepender-se e viver. Por todo este bem, o justo ama o Onipresente e Lhe
dá graças e louvores por todos os Seus grandiosos atos. É por isto também que as
oferendas de queima são sacrificadas”.
“O que vem a ser as súplicas?” – Existem aqueles que servem a Deus, despejando
súplicas e pedidos diante Dele. Eles pedem todo o tipo de benefício e vantagens para si
mesmos, tais como sabedoria e discernimento, conhecimento, longa vida, saúde, uma
esposa inteligente, filhos com bom caráter, sucesso, fortuna, honrarias, prosperidade etc.
É a isto que chamamos de “súplicas”. Para este tipo de serviço, são levadas ao altar as
oferendas de paz.
Eis o exercício da fé pelo medo: existem os que servem a Deus com grande temor e
trepidação. Rezam para serem redimidos, tanto neste mundo quanto no Mundo Vindouro,
das maldições anunciadas nas Escrituras contra os que traem as Mitsvót e transgridem os
mandamentos do Onipresente. Pleiteiam serem salvos tanto neste mundo quanto no Mundo
Vindouro da doença, da dor e do sofrimento, para não se tornarem dependentes dos
outros, para que estranhos não os subjuguem, para que não vejam seus filhos morrerem ou
sofrerem danos e para que suas vidas sejam repletas de bonança e bênçãos; para que
sejam poupados (no Mundo Vindouro) da punição e da destruição, e do fogo ardente do
Guehinom, destinado a cauterizar e consumir os malvados, no dia do grande julgamento.
Este é um serviço movido pelo medo, no qual eram levadas ao altar as oferendas de
expiação.
Contudo, estas três oferendas, de queima, de paz e de expiação, eram levadas ao mesmo
Templo, por um só sacerdote, a Um só Deus e todas elas têm igual importância. Por isso,
os justos, que servem a Deus por amor, por desejarem algo ou por medo, são igualmente
bem quistos sob as sombras do Altíssimo, bendito seja. Quem O serve por amor, expressa
seu amor por Ele. Quem o serve por motivo de súplicas, implora por Ele; quem O serve
por medo, O teme.
Mesmo que cada um destes três tipos represente um nível diferente de serviço Divino e
que o atributo do amor seja o mais precioso de todos, não obstante, as demais oferendas
também são queridas por Deus, bendito seja, pois também produzem “um odor querido
pelo Eterno”. (Levítico 3:16 e 4:31)
Agora podemos argumentar em favor do nosso caso. A caridade e a bondade, em todas
as formas que são praticadas, são preciosas para Deus, bendito seja. Precisamos, no
entanto, evitar praticá-los buscando a própria glória em detrimento de outras pessoas, pois
isto pode provocar a destruição desta Mitsvá. Cada um de nós deve ter em mente que
tudo o que temos em mãos nos foi dado pelo Altíssimo, bendito seja, como está escrito (1
Crônicas 29:14): “Pois todas as coisas provém de Ti e tudo o que damos a Ti, a Ti
pertence”.
Capítulo 24
A importância de saldar dívidas
DIA 21
Todo o tempo estivemos descrevendo a grandeza da Mitsvá de conceder empréstimos
sem juros. Agora explicaremos a importância do devedor restituir seu empréstimo. Nossos
Sábios declararam (Ketubót 86a): “É Mitsvá pagar um credor”. Isto não é menos
importante que cumprir Mitsvót como Sucá, Shofar e Tefilin. Além disso, o Talmud afirma
(Baba Metsia 113b): Quando uma corte rabínica dá ao credor poderes para embargar as
posses do devedor, o credor não pode embargar a comida necessária ao devedor para um
período de trinta dias, roupas para doze meses, bem como os utensílios que o devedor
necessita para seu ofício – isto está imune à penhora. Todo o resto de seus bens móveis e
imóveis, livros, etc. são vendidos para saldar a dívida contraída. Nem mesmo o suficiente
para alimentar sua esposa e filhos lhe é concedido, pois todas as suas posses devem ser
utilizadas para saldar a dívida.
Quanto à pessoa que se recusa a pagar o que deve (ou seja, ela tem os meios, mas
resiste em pagar), ela transgride um mandamento explícito da Torá (Levítico 19:13): “Não
sonegarás (o salário) do teu próximo” e o decreto do Shulchán Aruch (Choshen Mishpat,
capítulo 359, parágrafo 8): “O que constitui uma sonegação? – Alguém se apossa do
dinheiro de um colega com o consentimento dele e, chegada a hora do pagamento, esta
pessoa retém o dinheiro da dívida ou se recusa a saldá-la. Por exemplo: chegou o
momento de cobrar uma dívida ou o seu ordenado. O credor então exige o que lhe devem
mas não consegue arrecadar o pagamento porque seu devedor retém-lhe o dinheiro à
força”. Nossos Sábios também designaram quatro tipos de pessoas que são chamadas de
perversas (Bamidbar Rabá 18:10), e uma delas é quem empresta e não paga, como está
escrito (Salmos 37:21): “Pede emprestado o ímpio, e não paga”. Que vergonha deve ter
uma pessoa que pode saldar uma dívida, mas não o faz, agregando o adjetivo Rashá
(ímpio) à sua pessoa. Se o seu colega chamá-lo de Rashá, mesmo em privado, onde ele
não pode sentir vergonha, ainda assim se sentirá insultado. Que vergonha ele sentirá
então, quando seu caso for exposto diante de milhares e milhares de criaturas celestiais.
Assim dizem nossos livros sagrados; que todos os atos do homem são expostos
publicamente na presença de todos, quando sua alma chega aos Céus. Ela pode até
impressionar seus contemporâneos, agindo como se fosse inocente, mas a Deus, a
grandeza de seu crime será revelada.
Isto é o que nossos Sábios tinham em mente ao dizer (Pirkê Avot 2:13): “Não te
consideres ímpio ante ti próprio” (Se for erudito em Torá, seu pecado é excessivamente
grave, pois além de pecar, profana o nome do Eterno, como está escrito Levítico 22:32: “E
não profanareis o nome de Minha santidade”. Nossos Sábios deram uma ênfase ainda
maior a este tema Iomá 87: “De que modo o Seu nome é profanado? – Se um sábio
compra, mas não paga no momento da compra”. Maior ainda é a transgressão de quem
compra e nunca paga). O Choshen Mishpat (capítulo 97, parágrafo 4) rege que é proibido
tomar dinheiro emprestado e esbanjá-lo com tolices, a ponto do credor não encontrar nada
que possa usar para resgatar a dívida. Quem age deste modo é chamado Rashá. Mais
ainda se tiver como pagar a dívida e recusar-se a fazê-lo. Como é grande sua iniquidade
É preciso saber que o dinheiro retido indevidamente em nossas mãos não gerará lucros,
como dizem as Escrituras (Jeremias 17:11): “Assim é o que ajunta riquezas, mas não com
justiça, no meio dos seus dias a deixará”. (Iaazvenu – a deixará –, pode ser interpretado
de modo direto ou inverso, ou seja, a riqueza deixará seu dono, ou o dono deixará sua
riqueza). Seus atos maus farão com que perca tudo o que tinha antes disto também, como
está escrito em Dérech Érets Zutá (capítulo 3): “Se te apropriaste do que não é teu, o que
te pertence também será tomado de ti”.
As Escrituras nos admoestam no sentido de não tomarmos posse do que pertence aos
outros (Miqueias 6:8): “Ele te há declarado, ó homem, o que é bom e o que o Eterno
requer de ti, senão que pratiques a justiça...” Tudo isto está inserido nas leis sobre a
justiça – que temos a obrigação de cuidar não causar danos aos outros. (Veja o primeiro
capítulo, onde nos alongamos sobre este tema).
Quem cuida em se comportar com lisura, apressa a redenção Divina para Israel, como
está escrito (Isaías 56:1): “Mantende o juízo e praticai a justiça; assim a Minha salvação
está prestes a vir, e a Minha justiça prestes a se manifestar”. (Veja o que escrevemos na
brochura Sefat Tamim, capítulos 3,4 e 5).
Capítulo 1
A arte da hospitalidade
DIA 22
Nossos Sábios disseram (Sucá 49b): “Guemilút Chéssed excede a caridade (Tsedacá) em
três aspectos:
1 Caridade se faz com dinheiro, enquanto Guemilút Chéssed se faz com dinheiro e com o
próprio corpo.
2 Caridade se faz apenas com os pobres, mas Guemilút Chéssed pode ser feita com
pobres e ricos.
3 Caridade se faz apenas com os vivos enquanto Guemilút Chéssed se faz com os vivos e
com os mortos”.
Na primeira parte deste livro limitamos nossa discussão à bondade feita com o dinheiro: as
doações aos pobres e os empréstimos sem juros feitos tanto aos ricos quanto aos pobres.
Agora discutiremos os aspectos da bondade feita através da nossa própria pessoa, que
assim nos permita Deus.
Saiba que o conceito de praticar atos de bondade com nosso “próprio corpo” inclui todas
as formas de afabilidade com o próximo e de empenhar-se em prol do nosso semelhante.
Isto significa ser hospitaleiro com nossos convidados (aqui a Mitsvá se caracteriza no
esforço em recebê-los graciosamente – mesmo se eles não precisam dos nossos favores),
visitar doentes, alegrar os noivos em sua boda, acompanhar funerais, enterrar os mortos,
fazer um discurso fúnebre, carregar o ataúde e muitos outros atos que, se Deus quiser,
enumeraremos adiante.
Primeiramente, proclamaremos a grandeza da Mitsvá de sermos hospitaleiros com nossos
visitantes (hachnassát orchim) e a grande recompensa que a acompanha; a seguir
descreveremos como cumprir esta Mitsvá.
Como é preciosa esta Mitsvá aos olhos de Deus, bendito seja! Toda uma seção da Torá é
dedicada a ela. Isto deve servir de indicador para que nos dediquemos a ela durante toda
a vida. Logo após a visita dos anjos, as Escrituras louvam Abrahão que ordena seus filhos
a se esmerarem nesta conduta, sinal característico dos justos.
O Talmud ressalta (Shabat 127a): “Rabi Iochanan disse: Receber visitas com hospitalidade
é tão grande quanto atender com frequência os estudos no Bêt Midrash e Rabi Dimi de
Nehardea disse: É até mesmo maior...”38
Mais adiante, o Talmud afirma que a hospitalidade supera em importância receber a
Presença Divina, como está escrito (Gênesis 18:3): “Meu Senhor, se tenho achado graça
em Teus olhos, rogo-te que não passes de Teu servo”. (Abrahão desculpou-se, pedindo à
Shechiná que esperasse e não o deixasse até ele retornar. Logo, dirigiu-se a atender seus
visitantes). A hospitalidade conta entre os feitos cujos frutos são desfrutados neste mundo,
ao mesmo tempo em que o fundo permanece reservado para o Mundo Vindouro. Portanto,
o restante dos benefícios que o homem recebe pelo exercício da bondade, lhe são
concedidos por esta Mitsvá, pois ela também está incluída na categoria de Chéssed, como
aponta o Talmud.
O Altíssimo, cujos conselhos são grandiosos e os atos majestosos, arranjou que o
encontro entre Isaac e Rebeca resultasse dela atender a um viajante, como está escrito
(Gênesis 24:14): “E à moça a quem direi: Abaixa, rogo-te, teu cântaro, e beberei, e ela
disse: Bebe e também darei de beber a teus camelos, é ela a quem destinaste para teu
servo Isaac”. E Rashi comenta: “Ela é merecedora dele, pois atua caridosamente”.
Podemos concluir deste incidente, que nível uma pessoa pode alcançar cumprindo esta
Mitsvá apropriadamente, com todo o coração, como Rebeca, que, em muitos aspectos,
fez mais do que o servo de Abrahão requisitou.
Quem cumpre esta Mitsvá continuamente, é abençoado com filhos. Assim diz o Midrash
(Tanchuma, Ki Tetsê) e as Escrituras confirmam, com relação ao episódio envolvendo
Abrahão. Após a refeição, o anjo anunciou (Gênesis 18:10): “Certamente retornarei a você
nesta estação, quando então, tua mulher Sara dará luz a um filho”.
Saiba também que esta Mitsvá inclui sermos hospitaleiros com os ricos, como indica o
Sêfer Iesh Nochalin, citando o Maharil. Mesmo que este rico não precise de favores, o
esforço em servi-lo e honrá-lo de modo condizente à sua posição constitui uma Mitsvá.
Tanto mais se o visitante for uma pessoa pobre! Aqui a Mitsvá é também um ato de
caridade que está sendo prestado, como mostra a obra aqui mencionada. Contudo, nossos
pecados fizeram esta situação se inverter: quando um amigo rico vem visitar, o anfitrião é
todo sorrisos, proporcionando uma visita prazerosa; mas, quando uma pessoa triste e
alquebrada bate à sua porta, o que consistiria no cumprimento do preceito (Isaías 58:10):
“Se abrires a tua alma ao faminto e fartares a alma aflita, então nascerá a tua luz nas
trevas...”, o anfitrião não se alegra com isso, e até mesmo sente embaraço.
Segundo o o Shach (Iorê Deá, capítulo 256), baseado no Mordechi, os membros de uma
comunidade podem compelir uns aos outros a abrigar viajantes e serem caridosos com
eles. A Guemará (Chaguigá 27a) equipara uma refeição servida a um pobre à nossa mesa
às oferendas queimadas no altar: “Rabi Iochanan e Resh Lakish disseram: Quando o
Templo existia, oferendas expiavam os pecados do indivíduo. Agora quem o faz é sua
mesa”. De acordo com Masséchet Derech Érets Rabá (capítulo 2), as pessoas
misericordiosas, que alimentam os famintos, dão de beber aos sedentos, vestem os
despidos e distribuem caridade, são aludidas no versículo (Isaías 3:10): “Dizei do justo que
lhe será bem, pois comerá do fruto de suas ações”. A recompensa é tanto maior se o
convidado for um Talmid Chacham (erudito em Torá).
O Talmud (Berachót 10b) ensina esta lição: “Rabi Iosse bar Chanina, em nome de Rabi
Eliezer ben Iaacov: “Aquele que hospeda um Talmid Chacham, o alimenta, dá-lhe de beber
e permite que usufrua de suas posses, é visto pelas Escrituras como se tivesse sacrificado
a oferenda queimada diariamente (Tamid).”
A palavra “Tamid” também aparece nesta passagem (com referência à Shunamita que
ofereceu hospitalidade a Elisha): (2 Reis 4:9) “Ele sempre (Tamid) passa por nós”. A
inferência é feita por equivalência no significado das passagens – Guezerá Shavá. Quem
nega o usufruto de seus bens a um Talmid Chacham, é passível, Deus o livre, de severa
punição. Assim diz o Talmud (San’hedrin 92a): “Rabi Eleazar disse: Quem recusa o uso de
seus bens a eruditos em Torá não será abençoado com sucesso.”
Nossos Sábios afirmam (San’hedrin 103b): “Grande é o alimento dado aos viajantes e
famintos, que afasta o próximo e aproxima o afastado, remove o julgamento severo do
perverso e faz a Shechiná repousar sobre os profetas do Baal. Mesmo transgredi-la não
intencionalmente é visto como um pecado deliberado. ‘Afasta o próximo’, refere-se a Amon
e Moab. (Por serem descendentes de Lot, sobrinho de Abrahão, estavam próximos de
Israel. O Onipresente os afastou, proibindo-os de juntarem-se à comunidade judaica (ou
seja, os homens que descendem paternalmente de um prosélito amonita ou moabita, não
pode contrair núpcias com uma israelita de berço), pois os homens destes povos se
negaram a receber os Filhos de Israel com pão e água, como relatam as Escrituras
(Deuteronômio 23:4). ‘E aproxima os afastados’, refere-se a Itró. Como afirmou Rabi
Iochanan: Como recompensa por dizer, (Êxodo 2:20) ‘Chama-o, para que venha comer
pão’, seus descendentes (de Itró) tiveram o mérito de sentar-se em Lishcat Hagazit (o
assento do San’hedrin)... ‘Protege o perverso do julgamento’ – sua conduta não é
examinada em busca de causa para punição. Deduzimos isto de Michá, que fabricou ídolos
(Juízes 17:3). Como disse Raba bar Mari: Ouvi dizer porque Michá não conta entre os
quatro ímpios que não tem um quinhão no Mundo Vindouro. A razão disto é que deixava
seu pão disponível aos viajantes. ‘Faz com que a Shechiná repouse sobre os profetas do
Baal’ – como está escrito (1 Reis 13:20): ‘Eis que eles se sentaram à mesa’. (Ido, o
profeta, predisse que o altar em Bêt El seria destruído, pois Jeroboão ofereceu bezerros
aos ídolos ali. Um falso profeta o enganou e dissuadiu a voltar para Bêt El, fazendo-o
transgredir o comando Divino de ‘Não retornar a Bêt El’. Este falso profeta o alimentou e
por este ato a Shechiná pousou sobre ele e ele profetizou, como está escrito (ibid.): ‘E a
palavra de Deus veio ao profeta que o fez retornar’). Rabi Iehudá disse em nome de Rav:
‘Mesmo o transgredir não intencional desta Mitsvá é um pecado; se Jonatan desse dois
filões de pão a David (e este último não tivesse que pedir por pão aos sacerdotes de Nov,
Doeg não os teria traído, entregando-os a Saul), os sacerdotes de Nov não teriam sido
aniquilados, Doeg não teria perdido seu quinhão no Mundo Vindouro e Saul e seus três
filhos não teriam sido mortos”.
Tudo o que escrevemos aqui prova a importância de não fechar os olhos para a Mitsvá de
Hachnassát Orchim – ser hospitaleiro com os viandantes. Como recompensa, o Altíssimo,
bendito seja, salvará o benfeitor e seus filhos de todos os problemas deste mundo.
Capítulo 2
Como tratar os hóspedes
DIA 23
Até o momento, vimos que a Torá demora-se consideravelmente na descrição da
hospitalidade de Abrahão para com os que lhe batiam à porta, tratamento não dispensado
às suas demais virtudes. Em outras instâncias, a Torá faz apenas um comentário sobre
Abrahão ter cumprido toda a Lei (Gênesis 26:5): “Porque escutou Abrahão Minha voz, e
guardou Minha sentença, Meus mandamentos, Meus estatutos e Minhas leis”. No entanto,
a mitsvá de Hachnassát Orchim, que está inclusa no preceito geral (Deuteronômio 28:9)
“E andarás nos Meus caminhos” (fazer o bem e prestar caridade), é amplamente
comentada pela Torá, para nos ensinar e dar exemplo da importância da hospitalidade.
Podemos concluir que a Torá quer que aprendamos de nosso patriarca como se portar
com os hóspedes. Seria apropriado, portanto, selecionar alguns detalhes desta porção da
Torá, relevantes ao nosso estudo.
Primeiramente, a Torá relata que Abrahão ainda estava convalescendo e sofrendo os
efeitos do cumprimento da Mitsvá da circuncisão, que operou em si próprio. Entretanto, ele
sentou-se à entrada de sua tenda no calor do dia, esperando e observando, caso algum
viajante pudesse ser percebido à distância, para então convidá-lo à sua casa. (Mesmo que
não estejamos acostumados a agir deste modo, podemos ao menos aprender deste
episódio que devemos procurar por hóspedes e tratá-los cordialmente, como se uma
pessoa rica e poderosa nos estivesse fazendo esta visita).
A seguir, a Torá relata como Abrahão ordenou que trouxessem água para que aqueles
viajantes lavassem os pés, pelo simples motivo da viagem deixar os pés sujos de lama e
pó. Ele então providenciou meios para que seus hóspedes se higienizassem (e assim nós
devemos proceder, além de prover ao visitante água e alimento). Abrahão convidou então
suas visitas a descansar após sua fatigante viagem sob a sombra refrescante de uma
árvore, enquanto lhes preparava algo para comer. (Aqui aprendemos, que antes de
preparar comida para nossos hóspedes, devemos cuidar que se higienizem e descansem
de sua fadiga). Abrahão notou também que eles desejavam abreviar sua visita, para não
lhe dar trabalho, então disse (Gênesis 18:5): “Mandarei trazer um pouco de pão... então
podereis ir”. Abrahão insistiu que ao menos aplacassem a fome, para então seguir viagem.
Terminou por preparar uma refeição esmerada para seus hóspedes. É assim que agem os
justos: falam pouco e fazem muito. Abrahão preparou-lhes a melhor refeição que pôde e
com o máximo de rapidez. O que já estava pronto era servido primeiro. Ele próprio serviu-
os durante a refeição. Ao término da refeição, acompanhou-os em direção à sua jornada.
Devemos aprender todos estes hábitos de Abrahão, nosso patriarca. Se não podemos
cumprir esta Mitsvá com todos os requisitos, devemos tentar cumprir ao menos alguns
deles. É nosso dever também educar nossos filhos nesta Mitsvá, como está escrito
(Gênesis 18:7): “E deu-o ao moço” – referência a Ismael, seu filho, para treiná-lo no
cumprimento das Mitsvót (Rashi).
Os livros sagrados alertam para a necessidade de receber cordialmente nossos hóspedes.
Ao chegarem, de imediato devemos colocar à mesa algo para comerem, pois podem estar
famintos e ter vergonha de pedir. Ao servi-los é preciso fazê-lo graciosamente e não de
modo irritadiço. O anfitrião não deve permitir que um hóspede conheça suas preocupações
(mesmo se as tiver). Deve aparentar ter meios de sustento mesmo que seja pobre. As
conversas com os hóspedes devem servir para confortá-los e reanimá-los. O anfitrião não
deve despejar seus problemas sobre as visitas para não lhes ferir o espírito, pois poderão
pensar que ele os está contando por sua causa. O anfitrião pode perder seu mérito por
esta Mitsvá comportando-se deste modo. Enquanto comem, o anfitrião deve mostrar
tristeza por não poder oferecer-lhes mais e melhor, como está escrito (Isaías 58:10): “Se
abrires a tua alma Nefesh ao aflito” – teu desejo por fazer o bem – ao pobre, Nefesh
denotando desejo (Veja Gênesis 23:8).
O Zôhar (Vaiac’hel) faz um comentário sobre o versículo, “Acaso não consiste em
repartirdes o teu pão com o faminto, e recolherdes em casa os pobres desamparados?”
(Isaías 58:7): o anfitrião deve cortar o pão para seu hóspede, assim ele não se sentirá
embaraçado, e não deve observá-lo enquanto come, para não humilhá-lo. Se o hóspede
ficar para dormir, o anfitrião deve proporcionar-lhe a cama mais confortável da casa, para
que descanse da melhor maneira possível. Às vezes, dar um bom lugar para o repouso de
um hóspede é mais importante que dar-lhe de comer ou beber. O anfitrião deve pensar
consigo mesmo: “Fosse eu o hóspede, certamente gostaria que me tratassem com
consideração – dando-me de comer e beber, assim como alojamento”, como observou
Rabi Chia a sua esposa (Shabat 151b): “Há uma roda giratória neste mundo”.
Às vezes alguém pode não querer convidar outras pessoas à sua casa por temer não ter o
suficiente para lhes oferecer. Este argumento é válido somente no caso de outro lar poder
acomodá-los condignamente. Se não houver quem acolha estas pessoas, é preferível
convidá-las à nossa casa e oferecer o que for possível, a deixá-las sem ter com que se
alimentar.
Finda a refeição do nosso hóspede, é um dever acompanhá-lo à saída. Nossos Sábios
atribuíram grande valor a esta Mitsvá, afirmando (Sotá 46b) que sua recompensa é
ilimitada. Também explicaram o versículo com relação à Eglá Arufá (Deuteronômio 21:7),
“Nossas mãos não derramaram este sangue e nossos olhos não viram”, deste modo:
“Nossas mentes podem conceber que o Bêt Din tenha derramado sangue? – Na verdade,
a intenção do versículo é esta, ‘Não reparamos nos pobres e os deixamos ir sem comer e
também não os acompanhamos até o início de sua jornada’”. Nossos Sábios asseguram
que se acompanharmos um hóspede ao menos quatro cúbitos (aproximadamente 2
metros) quando ele deixa nossa casa, nada de mal lhe acontecerá. Portanto, quem não o
faz é como se estivesse lhe derramando o sangue. Assim como compele seus indivíduos a
prestar caridade, a comunidade pode compeli-los a acompanhar as visitas quando
prosseguem viagem. Isto é de especial relevância quando nosso hóspede não conhece o
caminho, com todas as ruelas e encruzilhadas à frente. É, portanto, uma grande Mitsvá
acompanhá-lo e mostrar o caminho, oferecendo-lhe ao menos um mínimo de indicações
para que não se perca.
O mérito de quem acompanha uma visita e a ajuda a não se perder no caminho é
extremamente grande, pois este é o comportamento ideal quando se trata de cumprir com
esmero a Mitsvá de receber hóspedes. O Talmud (Sotá 46b) demonstra o valor desta
Mitsvá citando um incidente (Juízes 1:24): “E os sentinelas viram um homem saindo da
cidade, e o indagaram: ‘Mostre-nos, rogamos, a entrada para a cidade e faremos bondade
convosco’. Ele os mostrou a entrada para a cidade e eles a passaram pelo fio de suas
espadas; mas deixaram aquele homem e sua família partir em liberdade”. As Escrituras
prosseguem: “Este homem partiu para a terra dos Hititas e lá construiu uma cidade que
chamou de Luz”. Segundo o Talmud (ibid.): “Esta é a cidade contra a qual Sancheriv 39
40marchou, mas não erradicou, contra a qual Nabucodonozor marchou mas não destruiu,
na qual o anjo da morte não tem permissão para entrar, mas seus habitantes idosos,
quando estafam-se da vida, vão para fora dos limites de seus muros e então morrem.
Daqui deduzimos uma premissa (Cal Vachomer): Se aquele canaanita não disse uma só
palavra e nem deu um passo sequer (apenas apontou o dedo para a entrada da cidade), e
por meio deste gesto garantiu segurança para si e seus descendentes até a última das
gerações, tanto maior será a recompensa de quem acompanha uma visita até seu
caminho”.
As Escrituras (Gênesis 21:33) relatam que Abrahão “plantou uma árvore frutífera (Eshel)
em Beershéva”. O Pirkê Avot de Rabi Natan (capítulo 7) acrescenta que ele construiu
inúmeras tendas pelo caminho e deixou nelas provisões para os viajantes (veja Sotá 10a).
Como é valioso aprendermos uma lição como esta de Abrahão, nosso patriarca! Todos
devemos ter um aposento para hóspedes em nossas casas. Naturalmente, pela manhã,
não devemos esquecer a Mitsvá de acompanhá-lo ao início de sua jornada.
As letras da palavra Eshel, são também as iniciais hebraicas Alef, de Achilá (comida);
Shin, de Shtiá (bebida) e Lamed, de Levaiá (acompanhamento). Outros afirmam que o
Lamed em questão é a inicial de Liná (alojamento). Nossos Sábios indagam: “Quem não
tem posses para dar de comer e beber a um visitante, pode privar-se de alojá-lo e de
acompanhá-lo pela manhã?”
Que cada pessoa o verifique a si mesma. Há gente que constrói edículas em seus quintais.
Não o fazem para acomodar hóspedes, mas para outros fins, convencendo-se da
necessidade de havê-las construído para este ou aquele objetivo. Por que então se
recusam a construir um aposento para as necessidades dos outros espíritos? No caso dos
indivíduos de uma comunidade não poderem arcar com despesas com esta, a comunidade
deve construir albergues para os visitantes, onde poderão saciar sua fome, sede,
descansar com dignidade e não deve deixa-los partir, Deus o livre, sem provisões para a
viagem. Nossos Sábios (Sotá 46b) fizeram o seguinte comentário sobre o versículo
(Deuteronômio 21:7) “Nossas mãos não derramaram este sangue”: “Eles não vieram até
nossas mãos e os deixamos partir sem alimento”. Nossos Sábios (San’hedrin 104a)
também citam a passagem “Houvesse Jonatan dado a David dois filões de pão”, como
tendo o mesmo significado, como explicamos no capítulo anterior. Hoje é uma prática
comum no mundo judaico, encontrar uma sociedade que garante a hospedagem de
viajantes (Hachnassat Orchim), que devota-se a cumprir esta Mitsvá. Bem-aventurados
aqueles que o fazem!
Capítulo 3
Visitando os doentes
DIA 24
Agora passaremos à explicação da Mitsvá conhecida como Bicúr Cholim (visitar os
doentes), outro aspecto de Guemilút Chéssed. O homem desfruta de seus benefícios
neste mundo, enquanto o fundo permanece reservado para ele no Mundo Vindouro (Shabat
127a).
Nossos Sábios enfatizam com veemência o cumprimento desta Mitsvá. O Talmud (Sotá
14a) faz uma pergunta com referência ao versículo (Deuteronômio 13:5), “Após o Eterno,
vosso Deus, andareis”: Como pode um ser humano andar após a Presença Divina? Não
está escrito um pouco antes (ibid. 4:24) que “Deus é um fogo consumidor?” Qual é, então,
o sentido do primeiro versículo? Seu significado é que o homem deve buscar imitar os
Atributos do Altíssimo, bendito seja. Assim como Deus veste o despido, tu também deves
fazê-lo, como está escrito (Gênesis 3:21): “E fez o Eterno Deus para o homem e para sua
mulher, túnicas de pele e os fez vestir”. Assim como o Altíssimo, bendito seja, visita os
doentes, tu também deves fazê-lo, como está escrito com relação a Abrahão (ibid. 18:1):
“E apareceu-lhe o Eterno, junto a Eloné Mamré”. Assim como o Altíssimo, bendito seja,
conforta os enlutados, tu também deves proceder do mesmo modo, como está escrito
(Gênesis 25:11): “E foi depois da morte de Abrahão, e Deus abençoou a Isaac, seu filho”.
E assim como Deus se encarrega de sepultar os mortos, tu também deves fazê-lo, como
está escrito (Deuteronômio 34:6): “E sepultou-o (a Moisés) no vale”. Nossos Sábios (Baba
Metsia 30b) explicam deste modo o versículo (Êxodo 18:20): “E fá-los-ás saber o caminho
por onde andarão e a obra que farão”: “O caminho” aponta para Guemilút Chéssed. (Isto
inclui todos os atos de bondade através dos quais uma pessoa beneficia outras, seja por
meio de sua pessoa ou de suas posses – ou seja, empréstimos de utensílios e outros. Pois
empréstimos em espécie se enquadram em outro preceito, como está escrito:
“Emprestarás dinheiro a Meu povo” e, portanto, não são aludidos neste versículo).
“Andarão” – implica em visitar os doentes. “Por onde” – a Mitsvá de sepultar os mortos. A
Guemará então pergunta: “A Mitsvá de Bicur Cholim não estaria inclusa em Guemilút
Chéssed?” (Se o for, por que as Escrituras precisam dedicar uma descrição especial a
ela?) A resposta é que esta descrição especial (para a Mitsvá de visitar os doentes)
refere-se ao caso do visitante ter nascido na mesma época que o paciente, pois disseram:
“Aquele que tem a mesma idade do enfermo leva consigo um sessenta avos da
enfermidade do visitado”. (mesmo neste caso ele tem o dever de fazer esta visita).
A Mitsvá de visitar um doente não tem medida nem limites. Os mais distintos têm o dever
de visitar as pessoas comuns. Esta Mitsvá pode ser cumprida diversas vezes ao dia, a
menos que isto se torne um fardo para o paciente (Iorê Deá, capítulo 335). Parentes e
amigos próximos devem visitá-lo imediatamente após a manifestação da enfermidade;
visitantes ocasionais devem esperar até o terceiro dia, para não incomodá-lo e diminuir
suas chances de recuperação. Se o paciente estiver seriamente doente, todos temos o
dever de visitá-lo e para isso não é preciso esperar (ibid.). Se o paciente estiver deitado no
chão, o visitante não pode sentar-se em um assento mais elevado que o enfermo, pois a
Presença Divina pousa sobre sua cabeça (do enfermo). No caso do enferno estar deitado
numa cama, será permitido sentar-se. O Shulchán Aruch reza que não devemos visitar
uma pessoa com problemas intestinais, para não embaraçá-la, nem as com dores de
cabeça ou nos olhos, pois a conversa as perturba. O mesmo se aplica em todos os casos
similares. Por esta razão, o visitante, nestes casos, não deve entrar diretamente no quarto
do paciente, mas esperar no corredor e perguntar a ele se precisa de algo e, ao mesmo
tempo, dizer que sente compaixão por ele e que roga ao Eterno que o cure de pronto. Não
devemos deixar de invocar a compaixão Divina por cada doente que visitamos. Se
visitamos um paciente e nos esquecemos de rezar pela compaixão Divina, não teremos
cumprido esta Mitsvá completamente. O doente não deve ser visitado durante as três
primeiras horas do dia, pois sua condição goza em geral de uma sensível melhora nestas
horas e o visitante não sentirá urgência em rezar pelo seu restabelecimento. A visita
também não deve ser feita durante as três últimas horas, pois sua condição em geral piora
e o visitante pode perder a esperança de rezar por sua cura. Se, no entanto, o visitante
precisar seguir viagem, deve fazer a visita mesmo nas horas menos apropriadas, pois disto
certamente resultará algum benefício para o paciente, pois o visitante poderá ajudá-lo de
alguma forma, arrumando-lhe o quarto, etc. como relata o Talmud num caso envolvendo
Rabi Akiva, conforme veremos mais adiante.
É possível rezar por um doente em qualquer idioma, pois ao fazê-lo estamos nos dirigindo
diretamente à Presença Divina que pousa ao lado do enfermo. Contudo, se não estamos
na presença do paciente, devemos usar somente o idioma sagrado (Hebraico), pois os
anjos devem elevar nossas preces às alturas e eles não compreendem outros idiomas.
Nossa petição deve incluir o paciente, a quem desejamos cura, com todos os doentes do
povo judeu. Assim será melhor aceita nos Céus. Eis como ela deve ser dita: “Que o
Onipresente tenha compaixão de ti junto aos demais enfermos de Israel”. Para o Shabat, a
fórmula é: “O Shabat dispensa toda oração pois ele é a própria cura que está próxima a vir
e Sua compaixão é imensa. Tenha um Shabat com paz”.41
O Talmud (Nedarim 40a) assegura que “aquele que visita um doente livra-se dos castigos
do Guehinom”, como está escrito (Salmos 41:2): “Bem-aventurado aquele que atenta para
o debilitado, no dia do seu infortúnio, o Eterno o livrará”. O termo hebraico Dal, pobre,
aplica-se também à pessoa doente, como está escrito (2 Samuel 13:4): “Por que te
encontras tão adoecido (Dal)?”. O termo infortúnio (Raá), indica o Guehinom, como dizem
as Escrituras (Provérbios 16:4): “O Senhor fez tudo para Seu propósito, e até o perverso
para os dias do mal” (Guehinom). Aquele que pratica este ato recebe sua recompensa
também neste mundo, como diz o versículo (ibid. 41:3): “Ele o guardará e o fará viver, será
feliz na terra e não será entregue nas mãos dos seus inimigos”. “Seus inimigos” –
referência ao Iétser Hará; “O fará viver” – livrando-o do sofrimento físico; “Será feliz na
terra” – todos o respeitarão.
Por outro lado, grande é o pecado dos que relaxam no cumprimento desta Mitsvá, como
encontramos no Talmud (ibid.): “Um discípulo de Rabi Akiva adoecera e os Sábios não
foram visitá-lo. Rabi Akiva entrou, ele mesmo, na casa deste doente, limpou o quarto e
varreu o chão. O enfermo mostrou melhoras. ‘Meu mestre’, disse o aluno enfermo, ‘tu me
deste vida’. Rabi Akiva saiu e proclamou: ‘Aquele que não visita um doente é como se
houvesse lhe derramado o sangue’.” (Pois quem visita um doente atende suas
necessidades imediatas, além de potencialmente conhecer algum remédio ou atenção
médica que possa apressar seu restabelecimento).
Hoje em dia, devido às nossas muitas falhas, somos relapsos em observar esta Mitsvá,
especialmente quando o doente é pobre. Não sei que justificativa estas pessoas podem
ter. A obrigação existe quando o paciente é rico – e tanto mais, em se tratando de uma
pessoa sem recursos. Se o pobre não for visitado, sua própria vida será posta em perigo.
Em geral, esta pessoa mal pode conseguir a alimentação necessária para a sua cura e
nem tem com quem se consultar sobre sua situação. Não raro, um pobre não tem como
pagar um médico e nem comprar os remédios necessários. Seu sofrimento agrava-se
ainda mais durante o inverno, quando o frio lhe gela o cansado espírito. Suas
preocupações aumentam quando lembra que terá de permanecer acamado dias a fio, sem
que ninguém lhe bata à porta oferecendo-lhe cuidados ou ajudando-o a recobrar a saúde.
Todos estes fatores enfraquecem sua resistência e reforçam seu estado doentio, podendo
levá-lo à morte. Como se pode avaliar uma situação como esta? As pessoas precisam
confessar-se e dizer: “Nossas mãos não derramaram este sangue”. Nossos Sábios
interpretaram este versículo do seguinte modo, “Como o deixamos ir sem comida” – isto é
o mesmo que derramar-lhe o sangue, posto que possivelmente contribuirá para apressar-
lhe a morte. Em nosso caso, isto se aplica de modo mais direto ainda! A pessoa em
questão já está doente; ninguém lhe está dando atenção e por isto seu estado de saúde
vai de mal a pior. Isto certamente seria um pecado muito grave para carregar sobre os
ombros.
Neste contexto, podemos citar uma passagem relevante no Talmud (Ketubót 68a): “Quem
cerra os olhos para a caridade equipara-se aos idólatras”. O Iétser Hará tenta distrair
nossa atenção para não vermos os enfermos – fazendo-nos evitar ir à sua casa e não o
tendo em nossa mente. Se uma pessoa saudável for visitar um doente, inevitavelmente terá
que tratar dele. Contudo, é preciso lembrar que a vida de uma pessoa está em jogo se não
o fizermos.
Como é grande a recompensa concedida por D–us, bendito seja, a quem visita os doentes,
aconselhando-os como agir, e que os encoraja para não perderem as esperanças. Vejam
que nossos Sábios descrevem a grandeza da recompensa por esta Mitsvá – tão somente
pelo ato da visita – quanto mais se durante a mesma pudermos cumprir a Mitsvá da
Tsedacá e de salvar uma vida, além de infundir confiança e estimulo no paciente durante
nossa conversa com ele. Quem o faz será abençoado pelo Altíssimo, bendito seja, em
muitos aspectos, como nossos Sábios aclararam (Baba Batra 10a): “Quem infunde
confiança numa pessoa pobre é merecedor de onze bênçãos”.
De fato, muitas comunidades formaram sociedades (Chevrot Bikur Cholim pl.) com vistas
a visitar os doentes, cuidando de suas necessidades físicas e emocionais durante seu
estado de doença, certificando-se de estarem recebendo atenção médica apropriada,
além de alimento e todas as outras necessidades. Seria tão louvável se esta prática se
difundisse mais, e instituições deste tipo fossem estabelecidas em todas as cidades, pois,
em alguns casos chega a tratar-se de salvar vidas. Quem fecha os olhos para esta
obrigação transgride o que diz o versículo (Levítico 19:16): “Não sejas indiferente quando
está em perigo o teu próximo”. Bem aventurado quem se preocupa de coração e espírito
com esta gente desafortunada. Sobre este, diz o salmista (41:1): “Bem aventurado aquele
que atenta para o debilitado, no dia do seu infortúnio, o Eterno o livrará”.
O debilitado é a pessoa doente – como explicam nossos Sábios (Nedarim 40a). Esta
referência é ainda mais apropriada em se tratando de um enfermo sem recursos materiais
e, por este motivo, duplamente debilitado.
O Shulchán Aruch (Iorê Deá 335:7) requer ainda que o visitante pergunte ao paciente se é
preciso cuidar de seus afazeres, como por exemplo, se ele deve dinheiro a alguém ou
outros devem-lhe dinheiro, se artigos seus encontram-se com outras pessoas e vice-versa,
ou se tem contas a pagar.
O paciente não deve temer que, em vista disso, sua vida esteja por um fio. Estas medidas
devem ser tomadas apenas a partir do terceiro dia de sua doença, ao menos que a
pessoa já esteja extremamente enferma. O Chochmat Adam menciona também ser
costumeiro em algumas comunidades, especialmente em Berlim antes da Segunda Guerra
Mundial – N. do T., que, no terceiro dia da enfermidade de uma pessoa, os encarregados
da sociedade Bikur Cholim e outras pessoas, viessem visitá-lo, dizendo: “Como você
sabe, este é um procedimento rotineiro, por isto não se preocupe”, e também lhe pediam
para confessar seus pecados, pois quem o faz, os tem perdoados e aproxima a cura.
Este costume era praxe nestas comunidades, de modo que o doente não se sentia tenso
por lhe estarem cuidando destes assuntos. Isto deveria ser praticado em todas as
comunidades. Onde não existe este hábito, não se deve tratar diretamente desses
assuntos com o doente, pois este temerá estar chegando a seus últimos dias. A maioria
das pessoas entra em pânico quando pedem para que confessem seus pecados. De
qualquer modo, se as visitas temem que esta pessoa já esteja em condições precárias de
vida, dirigem a conversa no sentido de encorajá-la a confessar os pecados, mas que não
tema por fazê-lo. “Muita gente confessou os pecados e recobrou a saúde”, devem dizer,
“enquanto outros não confessaram e morreram. É bem possível que a recuperação deu-se
justamente por os terem confessado. Quem confessa suas faltas ganha sua porção no
Mundo Vindouro”. Se o enfermo não tiver condições de pronunciar as palavras
apropriadas, deve dizê-las mentalmente. Se não souber o que dizer, devem pedir que
repita estas palavras: “Que minha morte sirva para expiar meus pecados”.
Estes assuntos não devem ser mencionados se estiverem presentes pessoas ignorantes,
mulheres ou crianças, porque podem começar a chorar e farão quebrar mais ainda o
espírito do doente (deve-se pedir a estes que se retirem). Deve-se pedir a ele também que
peça perdão de todas as pessoas contra quem haja pecado, seja em assuntos financeiros,
seja com palavras. O motivo para isto é que a morte não expia este tipo de pecado e sua
alma pode precisar retornar a este mundo para restituir a propriedade a seu dono legítimo,
como aponta o Gaón de Vilna em seu comentário sobre o versículo (Provérbios 14:25):
“Uma testemunha fiel salva vidas”.
Em suas notas, a obra Iesh Nochalin cita as palavras do Zôhar (Pecudê): “Quem cuida de
um doente e o faz arrepender-se de suas faltas, é um anjo bom. Pois faz com que esta
pessoa seja redimida do atributo da justiça, salvando-a da morte, resgatando-a da
sepultura e preservando sua vida. Desta pessoa se diz (Salmos 41:2): ‘Bem aventurado
quem leva os pobres em consideração’.” O homem de palavras justas sabe infundir
confiança num paciente, como encorajá-lo, confortá-lo e fazer sossegar seu estado
emocional. O visitante deve dizer: “Pelo mérito do teu arrependimento e da tua confissão,
você viverá; e se tiver que morrer, será limpo de todos os teus pecados e purificado diante
do Eterno, receberá tua parte no Mundo Vindouro e terá o mérito de tomar o teu lugar no
Gan Éden junto aos Tsadikim”. Este tipo de Chéssed também deve ser praticado pelo
visitante, pois ao encorajar o enfermo a fazer Teshuvá, terá sua recompensa multiplicada.
Assim diz o Zôhar Chadash (Lech Lechá): “R. Abahu disse: Venha e veja como é grande a
recompensa de quem faz com que os outros se arrependam...” Se o paciente tem meios,
mas não praticou Chéssed e caridade suficientes durante a vida, deve fazê-lo, ou, ao
menos, decidir, sem que faça disto um voto, que passará a atender estes deveres assim
que recobrar a saúde. As palavras dos nossos Sábios trazem diversos relatos afirmando
que a caridade salva da morte e também do Guehinom.
Capítulo 4
Não deixe tudo para a última hora
DIA 25
As Escrituras nos admoestam (Eclesiastes 9:9): “Desfruta com a esposa que amas, todos
os dias desta vida passageira, repleta de labuta, que o Eterno te concedeu sob o sol, pois
esta é a porção que te cabe”. Logo após, as Escrituras acrescentam (ibid. 10): “O que és
capaz de realizar com tua força, faze-o, pois no túmulo para onde te diriges não há feitos
nem registros (Cheshbon), sabedoria (Dáat) ou conhecimento (Chochmá)”.
Explicaremos esta sequência com uma estória. Era uma vez uma pessoa rica e sábia em
todas as disciplinas. Um dia ela tornou-se pobre. Sua condição piorava cada vez mais, até
ela não poder arcar com suas despesas alimentares diárias. Ela então pensou consigo
mesma: “Partirei para outras terras. Talvez, entre pessoas ricas, encontrarei uma posição
compatível com minha capacidade e conhecimento. Certamente ganharei o suficiente para
manter meu padrão de vida”. Mas, ao chegar a outras localidades e indagar se havia uma
posição para uma pessoa de seu calibre, foi recusada repetidamente. Esta situação
continuou por vários dias. Enquanto isso, havia gastado todo o dinheiro que trouxe consigo
e viu que não poderia mais prosseguir, por isto decidiu deixar de procurar uma carreira
promissora, uma vez que suas necessidades imediatas eram tão urgentes. Procurou por
uma posição mais baixa e achou um emprego. O salário não era alto, mas ela ficou muito
feliz por encontrar um meio de sobrevivência. Certo dia, um de seus antigos amigos
encontrou-a e perguntou como estava e com que se ocupava. Ela contou ao amigo como
encontrou aquele emprego e ele lhe disse: “Com tuas habilidades, deverias ocupar um
cargo mais elevado”. Ela respondeu: “Eu bem que gostaria, mas busquei por muitos dias e
para mim já era questão de vida ou morte. Sei qual seria minha situação se voltasse hoje
para casa. Não ganharia sequer o pouco que recebo agora. Por isto, mesmo este cargo
humilde que Deus me concedeu é suficientemente bom para mim. Ao menos tenho do que
viver”. Nosso caso é semelhante. Todos nós temos como missão atender três importantes
tarefas enquanto ainda estamos neste mundo. Em ordem decrescente de importância:
Primeiramente, o estudo da Torá – a mais importante de todas. Sua recompensa é maior
do que qualquer outra Mitsvá e a punição por não fazê-lo é maior que todas as outras
transgressões. A segunda tarefa é a Teshuvá, especialmente querida pelo Altíssimo. Em
terceiro lugar devemos sempre praticar e perseguir as Mitsvót e demais atos de bondade.
Esta última é de extrema importância, como está escrito (Provérbios 21:21): “Aquele que
persegue justiça (caridade) e benevolência encontrará vida, caridade e honra”.
É preciso fazer mais uma observação. Saiba que a sabedoria e o conhecimento aos que
se referem as Escrituras, são atribuídos ao mais sagrado dos livros, a Torá, fonte de toda
a sabedoria e de todo o conhecimento. Os registros (Cheshbon), referem-se à Teshuvá.
Assim indicam nossos Sábios Baba Batra 78b, com relação ao versículo Números 21:27:
“Vinde a Cheshbon”.
Agora as frases daquela passagem seguem uma à outra como pérolas num colar de
contas. Primeiramente, as Escrituras ordenam (Eclesiastes 9:9): “Desfruta com a esposa
que amas”. A esposa neste caso é a Torá, simbolizada pela figura de uma “esposa”, na
descrição do Talmud (Kedoshim 30b). “Que amas”, ensina que cada indivíduo deve estudar
a parte da Torá com a qual sente maior afinidade (Avodá Zará 19a). “Todos os dias desta
vida passageira” – nos alerta para não deixarmos passar um dia sequer sem estudar Torá,
pois isto é supremamente importante. Quem estuda Torá diligentemente chega
automaticamente à Teshuvá e boas ações. Nossas preces também são construídas desta
forma: a bênção pela Teshuvá (na oração da Amidá) começa com uma petição pela Torá.
Somente depois rogamos ao Eterno, “Retoma-nos ao Teu serviço, ó nosso Rei”.42 Quem
negligencia o estudo da Torá, remove-se do serviço Divino. Logo, o rei Salomão nos alerta:
“Tudo o que tuas mãos possam obter e que o permitam tuas forças – realize!”. Isto leva
em conta o fato que as pessoas às vezes se preocupam em demasia e são
completamente incapazes de concentrar-se no estudo da Torá ou de engajar-se na
introspecção requerida para a Teshuvá.
O indivíduo pode concluir que não há porque continuar a cumprir Mitsvót, por não haver
adquirido ainda os aspectos principais, que são Torá e a Teshuvá, respectivamente. Esta é
a razão desta admoestação, o indivíduo deve sempre fazer tudo aquilo que estiver ao seu
alcance, pois não encontrará nada no lugar onde está destinada a ir, sua sepultura – nem
sabedoria e nem conhecimento (Torá), nem registros (Teshuvá – retribuição de acordo com
seus atos), nem ações (Mitsvót). Consequentemente, é preciso agarrar o que pudermos
enquanto ainda estamos neste mundo.
Agora elucidaremos a intenção da Escrituras ao afirmar “O que permitam tuas forças”. À
primeira vista, estas palavras parecem supérfluas. Mas elas nos transmitem um importante
conceito – que cada um de nós deve cumprir seu dever de estudar Torá e praticar boas
ações com todas as suas próprias forças e meios. Ninguém pode esperar que seus filhos
cumpram o restante de suas obrigações durante suas vidas para fazer subir seu nível, pois
seus filhos certamente estarão preocupados com os próprios assuntos. E, caso seus filhos
se ocupem de seus assuntos inacabados, não terão tempo para cuidar de seus próprios
interesses, tendo de deixá-los ao encargo de seus filhos. Portanto, suas esperanças
estarão eternamente incompletas.
Quem, nas gerações anteriores, foi maior que Hilel? Seus filhos foram certamente pessoas
de caráter superior, pios, santos. Contudo, ele nos alertou Pirkê Avot 1:13: “Se eu não for
por mim, quem será por mim?” Então o que nós, seres insignificantes, podemos dizer?
Vemos com nossos próprios olhos as gerações subsequentes se deteriorarem. Quem
poderá afirmar se a próxima geração será sábia ou tola?
Por isto o rei Salomão aconselha, “O que permitam tuas forças” – que devemos completar
nossa tarefa nós mesmos, enquanto ainda estamos de posse de nossa força e vigor.
O rei Salomão quis também transmitir uma ideia de grande valor. Às vezes as pessoas são
auto confiantes e pensam que no final de suas vidas poderão deixar em testamento uma
orientação para que seus filhos doem grandes somas de dinheiro em prol do estudo da
Torá e outras causas de valor semelhante. Este plano tem muitas falhas. Primeiramente,
quem garante que até lá a sua mente estará em pleno vigor de suas faculdades? Para isto
também é necessário que a pessoa tenha méritos, para poder transmitir seus desejos aos
seus filhos, pois as pessoas morrem, Deus não o permita, repentinamente e de causas
surpreendentes. Além disso, quem garante que os filhos cumprirão sua vontade? Pode
acontecer, Deus o livre, que o gosto pelo luxo distraia a mente dos filhos da vontade de
Deus e do testamento do pai. O rei Salomão nos alerta no sentido de arranjarmos todos os
nossos assuntos enquanto ainda somos cientes disto, direcionando uma parte para a alma
enquanto temos pleno domínio de nossas faculdades, quando ainda somos sábios o
suficiente para impedir que nossa vontade seja frustrada.
O mais indicado é transferir este fundos ainda em vida, investindo-os onde possam garantir
o estudo da Torá ou Guemilút Chéssed. Então esta pessoa terá o mérito de atrair para si
a bênção dada por nossos Sábios (Berachót 17a) a quem amavam: “Que possais ver a
vossa vontade realizada durante os vossos dias”. É preciso para isto empossar amigos de
confiança com poderes para executar suas instruções.
Tudo o que escrevemos aqui está descrito de modo conciso no Sêfer Chassidim (capítulo
716): “Ouça o que te aconselham enquanto ainda vives. Aceite a admoestação de outros.
Vi gente dando orientações à família enquanto estavam doentes e suas diretrizes jamais
foram cumpridas. Por isto está escrito (Provérbios 19:20): “Ouça o conselho, e aceite
disciplina moral, para que você seja sábio em seus últimos anos”. Se alguém não logrou
fazer um testamento quando estava em pleno vigor de todas as suas forças, mas está
apto a transmitir sua vontade em seu leito de morte, deve ao menos cuidar que ela seja
proferida diante de testemunhas e não confiar nem mesmo em seu pai, para não dizer sua
mulher e filhos”. Os filhos podem argumentar: como o pai já está morto, ele não precisa do
que tinha em vida. Este argumento é falso. Agora ele precisa mais de seus bens do que
eles: o uso apropriado de suas posses pode certamente salvá-lo da medida da justiça
severa Divina.
O Midrash ilustra esta situação apropriadamente com uma parábola: um homem tinha três
amigos. Amava muito o primeiro e um pouco menos o segundo. O terceiro ele não amava
nem estimava. Uma vez o rei intimou-o a comparecer em sua presença e ditou aos
funcionários reais que o trouxessem ao palácio. O homem estava bastante temeroso.
Suspeitava terem armado um golpe contra ele que o faria ser condenado à morte, embora
fosse inocente. A única saída que lhe ocorreu foi chamar seu amado amigo de confiança e
pedir-lhe que testemunhasse sobre sua inocência perante o rei. Acorreu a este amigo e
contou-lhe o acontecido, mas o amigo não lhe deu atenção, recusando-se a acompanhá-lo.
Foi ter com o segundo amigo, que concordou em escoltá-lo durante o caminho para
protegê-lo dos perigos, mas não apareceria diante do rei; assim que chegassem ao
palácio, daria meia volta e retornaria à sua casa. O homem foi então ao terceiro amigo, o
qual não estimava e pediu que fosse com ele até a presença do rei. O amigo respondeu:
‘Não tema, irei com você. Me apresentarei diante do rei, darei testemunho sobre tua
inocência e você será salvo’. Assim foi; o terceiro amigo foi com ele até o rei, testemunhou
sobre seu caráter e salvou sua vida.
O primeiro, mais amado de todos os amigos, é o dinheiro do homem, que o abandona logo
que parte do mundo, não lhe deixando nada, como está escrito (Salmos 49:18): ‘Nem nada
mais levará consigo’. O segundo amigo representa os parentes e amigos, que o
acompanham até o túmulo, despedem-se dele e voltam cada um para seus afazeres. O
terceiro amigo, que testemunha em sua defesa, é sua Teshuvá e boas ações. Elas
acompanham o homem e fiam seu bom caráter, como está escrito (Isaías 58:8): ‘Tua
justeza irá diante de ti’. O rei que intima a comparecer diante de si é o Rei dos reis, o
Altíssimo, bendito seja, de cuja Sentença homem algum escapa, exceto pela sua Torá e
Maassim Tovim (boas ações).
A própria Torá expõe esta ideia na porção Nassó (Números 5:10): “E as santidades de
todo homem, dele serão: o que der todo homem ao sacerdote, para este será”. Este
versículo propõe que ao fim nada restará das realizações do homem, exceto pelos seus
atos de bondade, feitos pessoalmente durante seus anos de vida, como Tefilin, Tsitsít e
outras Mitsvót. A cada Mitsvá cumprida o homem cria um anjo defensor que sempre o
acompanhará. O que não é o caso do Iétser Hará e das entidades físicas que o homem
almeja e que o acompanham apenas temporariamente; quando ele se encontra em apuros,
elas o abandonam. Além disso, na verdade elas detestam o homem, subindo aos céus e
testemunhando contra ele, buscando sabotar sua vida. Mesmo os membros de sua própria
família, que realmente o amam, não poderão estar ao seu lado para sempre. Cada um
deve retornar à sua própria casa, após tê-lo acompanhado ao cemitério. Ele não os verá
novamente até o momento da ressurreição dos mortos. O que lhe resta então? – seus atos
sagrados. Eles o acompanham; são seus verdadeiros amigos e conselheiros, defendendo-
o diante do Senhor de todos os seres. Esta é a mensagem do versículo “E as oferendas
de todo o homem, dele serão”. Por isto, o homem deve tratar de adquirir tantos destes
amigos quanto puder durante o curso de sua vida, pois eles estarão sempre ao seu lado e
existirão com ele para sempre.
O versículo conclui: “o que der todo homem ao sacerdote, para este será”. Aqui também
há uma lição de moral. De todo o dinheiro que acumulou em vida, nada restará após sua
jornada na terra. A única soma à sua disposição serão as quantias de dedicou à caridade e
Chéssed. Nossos Sábios dizem portanto (Baba Batra 11a): “Meus ancestrais depositaram
seus tesouros embaixo; mas eu deposito meus tesouros em cima”. Este é o sentido da
passagem, “o que der todo homem ao sacerdote, para este será”. Uma doação pertence
realmente a quem a doa. As Escrituras usam o termo “sacerdote” porque os Cohanim e os
Levitas eram os principais recipientes da caridade nos tempos antigos. Assim dizem as
Escrituras (Deuteronômio 12:19): “Guarda-te de abandonar o Levita por todos os dias que
viveres na tua terra”. Suas necessidades davam-se pelo fato de serem os únicos israelitas
que não possuíam terras em Israel.
Capítulo 5
A bondade verdadeira
(consolando os enlutados)
DIA 26
Sepultar os mortos, além de ser uma Mitsvá da Torá, como está escrito: “Porém,
certamente o enterrarás” (Deuteronômio 21:23), também pertence à categoria de
Guemilút Chéssed. Mais do que isso, nossos Sábios chamam esta Mitsvá de Chéssed
Shel Emêt (bondade verdadeira, autêntica), pois não há possibilidade alguma de
reciprocidade. Encarregar-se dos detalhes de um funeral, acompanhar o cortejo, carregar
a urna, fazer um discurso no momento do enterro e tudo o que deve ser feito pelo morto,
envolve atos de Guemilút Chéssed. A Torá explica estes tópicos nas porções Chaiê Sara e
Vaichí.43
Veja a importância desta Mitsvá. Nossos Sábios decretaram (Moêd Catan 27b): “Quando
alguém dentro da cidade morre, ninguém pode seguir com seus assuntos mundanos do
dia-a-dia”. Mesmo que o falecido tenha parentes, (e estes são os primeiros que devem
ocupar-se dos detalhes de seu funeral), toda a população da cidade tem o dever de
comparecer ao enterro e realizar esta Mitsvá. Consequentemente, ninguém pode
prosseguir em seus afazeres e todos devem ocupar-se deste assunto. (Se a comunidade
dispõe de grupos organizados para este fim, cada um escalado para um dia determinado,
os demais ficam desobrigados de ocupar-se com este funeral e podem prosseguir com
suas obrigações. Se os membros da Chevrá Cadishá não foram escalados para atender
às necessidades de um funeral num dia determinado, a sociedade como um todo fica
obrigada a fazê-lo e não podem se ocupar cada qual de seus assuntos pessoais até que
todos os detalhes do funeral tenham sido cumpridos e o caixão entregue às pessoas que o
carregam até o local de sepultamento). Esta regra se aplica mesmo quando o falecido não
tenha estudado Tanach ou Mishná: todo o trabalho dos membros de sua cidade devem
cessar até que ele tenha os detalhes de seu funeral atendidos por completo. Somente o
estudo da Torá não é interrompido, conquanto a procissão do funeral não tenha iniciado e
mesmo que o falecido tenha sido versado em Tanach ou Mishná. Não obstante, uma vez
que o cortejo fúnebre tenha se iniciado, o estudo da Torá deve ser interrompido se o
falecido era estudioso, a menos que o número de participantes da procissão exceda 600
mil pessoas. Tomar de volta a Torá (a morte de um Talmid Chacham equivale à Torá partir
deste mundo), requer o mesmo cuidado dispensado à entrega da Torá. que ocorreu na
presença de 600 mil pessoas. Mesmo os mais eruditos da geração não estão isentos
desta obrigação.
O Talmud (Ketubót 17a) relata que Rabi Iehudá bar Ilai interrompia seus estudos para ir ao
enterro de um falecido que houvesse lido as Escrituras e estudado Torá durante seu
período de vida, especialmente quem se dedicasse a ensinar os outros. Contudo, não
temos o dever de interromper nosso estudo para acompanhar o funeral de um iletrado,
desde que haja um mínimo de dez pessoas para recitar o Cadish e as bênçãos dos
enlutados (Shulchán Aruch, Iorê Deá, capítulo 361). Fico chocado com a negligência de
algumas comunidades a este respeito. Assim que estas pessoas acompanham o cortejo
por alguns metros, cumprindo sua Mitsvá, retornam de imediato às suas casas e o morto
fica abandonado. Poucos o acompanham até o cemitério. Não recitam um Cadish nem as
bênçãos dos enlutados. É imprescindível que todos os habitantes constatem que haja um
Minian presente até final do enterro, mesmo que isto exija um esforço maior dos membros
da comunidade, como estar presente a um enterro nos dias mais frios do inverno ou ir a
um cemitério longe dos limites da cidade. Nestes casos deve ser feito um sorteio para
determinar quem deve comparecer ao enterro. Tudo isto se aplica mesmo a quem não teve
estudo algum das Escrituras durante a vida e mais ainda nos dias de hoje, quando não há
praticamente judeu algum que não tenha conhecimentos de Tanach ou Mishná (como
explicado no Shulchán Aruch). Obviamente, portanto, é preciso dedicar nossa máxima
atenção a este dever da Torá.
A Chevrá Cadishá deve fazer todos os esforços possíveis (uma vez que as autoridades
governamentais o tenham permitido), para não incorrer na proibição do corpo pernoitar
sem ter sido enterrado. O Zôhar explica que grande sofrimento é causado ao falecido se o
seu corpo pernoita sem ser enterrado. A Torá proíbe esta prática sem que haja motivo
para isto, exceto nos casos previstos pela Lei judaica (vide Shulchán Aruch). Muitas vezes,
no entanto, por alguma razão trivial ou outra, ou por puro desleixo ou desatenção, temos
visto as pessoas postergarem um funeral para o dia seguinte. Práticas como esta devem
ser categoricamente evitadas.
O Hespêd (elogio ou discurso fúnebre) também pertence à categoria de Chéssed
estendido ao falecido. Como disseram nossos Sábios (Baba Batra 100b): “o Hespêd honra
o falecido”. (Rashi faz um comentário similar – Tratado Sucá 49b). É uma grande Mitsvá
elogiar os mortos de modo condizente, com a voz postada, sensibilizando os presentes
para que lamentem a partida de pessoa com estes méritos. Nossos Sábios comentam
ainda (Moêd Catan 25a): “Quem derrama lágrimas por uma pessoa meritória obtém
perdão pelos seus pecados”. Comentário semelhante é feito no Tratado Shabat (105b):
“Se alguém despeja lágrimas por uma pessoa justa, o Altíssimo, bendito seja, as conta e
guarda em Seu próprio tesouro”. Esta atitude demonstra que o enlutado lamenta realmente
que o serviço a Deus tenha diminuído no mundo como resultado do falecimento desta
pessoa. Cada lágrima, portanto, é importante aos olhos de Deus. Quem é displicente,
Deus o livre, em chorar a morte de um Talmid Chacham é severamente punido. Nossos
Sábios declaram que seus dias não serão prolongados; esta pessoa merece ser sepultada
antes de sua hora. É preciso, portanto, cuidados especiais com esta Mitsvá.
Devotemos um pouco de atenção ao assunto de consolar os enlutados. Isto também
pertence à categoria de Chéssed, como rege Maimônides (Leis sobre luto, capítulo 14).
Subsequentemente, encontrei na obra Pirkê de Rabi Eliezer (capítulo 16) uma menção
explícita ao ato de consolar os enlutados como uma forma de Chéssed. As Escrituras
também indicam (Deuteronômio 13:5): “Após o Eterno, vosso Deus, andareis” (o trecho
completo foi citado no capítulo 3). Além disso, esta virtude foi exemplificada inúmeras
vezes nas Escrituras com relação a Jacob e David, tanto na Torá quanto nos livros
proféticos. Também encontra-se inclusa na exclamação “Amarás o teu próximo como a ti
mesmo” (Levítico 19:18). O que gostarias que fizessem por ti (ajudando-te em tudo o que
mais precisas para concluir teus afazeres com êxito ou aliviando o fardo de teus problemas
quanto teu espírito se sente sobrecarregado), você deve tratar de fazer por teu
semelhante. É preciso, portanto, que todos saibamos como agir num lugar onde haja um
enlutado, que Deus nos proteja. (Infelizmente, devido aos nossos inúmeros pecados, não
são poucos os que negligenciam esta Mitsvá ou a tratam com descaso, especialmente
quando se trata de confortar os menos afortunados. Deveria ser o contrário: são
justamente os mais pobres e desafortunados que sentem um peso maior quando se lhes
partem os entes queridos, pois eles nada tem para lhes dar gosto na vida a não ser os
próprios filhos. Esta linha de raciocínio aparece no Talmud (veja Moêd Catan 24b, com
respeito aos discursos fúnebres). Tenho notado que isto se deve ao fato da pessoa
carente não ter muitos amigos ou meios neste mundo. as Escrituras afirmam (Provérbios
19:4): “A riqueza traz muitos amigos, mas um homem pobre é separado de seu amigo”.
Seu amigo pode ter se separado dele, mas, de Deus, ele está mais próximo que os
demais. Assim dizem as Escrituras (Salmos 34:19): “O Eterno apoia os alquebrados de
coração e salva os de espírito contrito”. Como é grande a recompensa dos que os
confortam e que os encorajam neste momento.
A intenção básica de Nichúm Avelím é confortar e consolar os enlutados. É possível
cumprir esta Mitsvá tão somente recitando o trecho “Que o Onipresente vos conforte junto
aos enlutados de Tsión e Jerusalém”. 44 Não obstante, é preferível conversar com os
enlutados de modo a encorajar-lhes o espírito com comentários apropriados, pois é esta a
essência do Nichúm (ato de consolar). Veja o que escrevemos, adicionalmente, no capítulo
7 com respeito a um tópico similar.
Capítulo 6
Alegrando os noivos
DIA 27
Alegrar um noivo e sua noiva é também um importante dever, como indicam nossos Sábios
em muitas ocasiões. É igualmente uma das formas de Guemilút Chéssed, como registra
Pirkê de Rabi Eliezer (capítulo 16). Aprendemos isso também do episódio que envolve a
perversa Jezebel Izével, esposa de Achav. Foi ela que o incitou ao culto idólatra e mandou
matar Navot. De acordo com as Escrituras (2 Reis 9:35), sua punição foi ter a própria
carne devorada por cães. Quando seus restos foram recolhidos para serem sepultados,
somente seu crânio, pés e palmas das mãos foram encontrados. Nossos Sábios (Pirkê de
Rabi Eliezer 17) explicam que estes membros permaneceram intactos porque seus pés
dançavam e sua cabeça meneava enquanto ela honrava noivos e noivas. Por isto, estes
membros foram poupados pelos cães. Fatos como este demonstram a grandeza desta
Mitsvá.
Contudo, é imperativo não causar mais dano que bem ao cumprir esta Mitsvá. Em alguns
lugares, por exemplo, rapazes sem moral e boas maneiras saem a dançar com as moças,
uma ofensa à moral judaica. Muitas proibições são transgredidas com estes atos. Ou
então, por causa dos nossos inúmeros pecados, outras variedades de falta de decoro
ocorrem por causa deste tipo de comportamento, nos casamentos que não são conduzidos
segundo o espírito da Torá. Devemos fugir de lugares como estes, onde reina a tentação.
Não há Mitsvá em alegrar pessoas que flagrantemente desrespeitam a palavra de Deus.
Se o noivo e a noiva se opuserem a este comportamento, ele certamente não terá lugar
em sua boda. Quem permanece nestes lugares está causando um mal a si mesmo. Por
outro lado, se a pessoa acredita que, estando presente, os convidados ouvirão sua
admoestação e deixarão de conduzir-se de modo indecente, certamente é uma grande
Mitsvá atender a este evento de modo a tentar prevenir estas transgressões. O mérito de
fazer as pessoas atuarem com justeza lhe será atribuído.
A Mitsvá de alegrar os noivos atinge o pico quando não há muitos convidados, quando o
casal é pobre ou seus pais perderam tudo o que tinham. Poucas pessoas preocupam-se
em alegrar estes casamentos. Durante estes casamentos não há meio da palavra de Deus
ser transgredida. Se alguém se portar de modo indevido e precisar ser admoestado, todos
ouvirão. É uma grande Mitsvá participar destes casamentos e causar alegria aos noivos.
Nossos Sábios disseram (Berachót 6b): “Quem alegra os noivos tem o privilégio de adquirir
Torá; considera-se como se ele tivesse oferecido um sacrifício no Templo Sagrado ou
reconstruído uma das ruínas de Jerusalém”. O Talmud descreve muitos exemplos acerca
de como nossos Sábios se comportam nestas ocasiões (veja Ketubót 17a).
Tudo isto com relação a esta Mitsvá, quando cumprida por apenas um indivíduo –
causando alegria aos noivos. Dissertaremos agora sobre os aspectos caritativos desta
Mitsvá, que dizem respeito às contribuições em dinheiro para este evento. Isto se aplica,
por exemplo, quando a família dos noivos ou os próprios não podem arcar com as
despesas do casamento ou de outras necessidades afins. Se contribui com o próprio
dinheiro ou faz um empréstimo para este intento – ou, se não pode contribuir diretamente,
pede a outros que contribuam – como é grande sua recompensa! Veja o que rege o
Shulchán Aruch a respeito (Iorê Deá, capítulo 356, parágrafo 15): “Os tesoureiros de
fundos de caridade devem propiciar o que tiverem em caixa para dar de dote às noivas,
pois não há gesto de caridade maior que este”. O Chochmat Adam escreve, também,
(capítulo 145) que prover fundos para que moças pobres possam casar-se, especialmente
as órfãs, é melhor que doar para fundos de caridade ordinários. (Primeiramente, a Mitsvá
da caridade já é cumprida deste modo; em segundo lugar, elimina-se a vergonha da
mulher, pois a vergonha delas é maior Ketubót 67b. Ora, o mundo não foi criado para
permanecer no caos, mas para ser habitado. Além disso, a mulher pode ser magoada,
Deus o livre).
Muitas comunidades adotaram o costume de organizar uma Sociedade para Hachnassát
Calá, com o intuito de ajudar os órfãos, ou mesmo aqueles cujos pais são pobres, a
contraírem matrimônio. Além desta atividade proporcionar um bem enorme a estas moças,
possibilitando que se casem e livrem-se do pecado, grande Chéssed é feito a seus pais,
que lamentam-se dia e noite ao ver suas filhas atingirem a idade de contrair núpcias, sem
ter a possibilidade de ajudá-las. Deus, a Quem pertencem todas as recompensas,
certamente recompensará todo o bem que emana destes atos, como explicamos
anteriormente, (no capítulo 6).
Capítulo 7
“Bem-aventurado o que atenta para o debilitado...”
Esta obra tem como objetivo especificar os modos como a bondade pode ser praticada.
Este tópico é lembrado nas Escrituras (Salmos 41:2): “Bem-aventurado o que atenta para
o debilitado (Dal)...” Consequentemente, decidi explicar esta passagem da melhor maneira
e como Deus me agraciar.
O Salmo nos ensina: “Bem aventurado aquele que atenta para o debilitado; O Eterno o
livrará no dia do infortúnio”. O termo “atentar” traz consigo muitas possibilidades, assim
como o termo “debilitado”, com suas muitas ramificações: uma delas é a pessoa a quem
lhe faltam meios, recursos, dinheiro. Quem não tem dinheiro algum carece do mais básico
para sua subsistência: alimento, vestuário e habitação. É preciso considerar estes três
aspectos quando nos referimos a uma pessoa pobre – que não lhe falte alimento, como
disse o profeta (Isaías 58:10): “Se abrires tua mão ao aflito”; para dar-lhe roupas, como
está escrito: “E cobrires aquele que está despido quando o vires” (ibid. 7) para lhe alugar
uma casa (Shulchán Aruch, Iorê Deá, Leis sobre Caridade). Em se tratando de um
viajante, de arranjar-lhe pousada, como as Escrituras ordenam (Jó 31:32): “O estrangeiro
não deve habitar nas ruas”.
O Talmud acrescenta (Shabat 118a): “Se ele ficar para dormir, deve receber abrigo... uma
cama e um travesseiro”. Estas são as três necessidades básicas que devem ser
providenciadas aos necessitados
É preciso um sentido aguçado para estender auxílio a uma pessoa pobre de modo a
proporcionar-lhe o maior benefício possível com um mínimo de esforço. Suponhamos por
exemplo que alguém doou uma soma em dinheiro a um pobre. A doação deve ser feita de
preferência quando os preços dos produtos estão em baixa, de modo a oferecer maior
vantagem a quem precisa do dinheiro. Um presente deve ser dado a um pobre de modo a
permitir que o receptor o usufrua sem qualquer demora (evitando que o pobre tenha ainda
que sair para comprar suas necessidades). Por exemplo: roupas doadas devem estar
prontas para serem usadas. Quem doa uma refeição deve prepará-la e levá-la à casa do
necessitado. Nossas conclusões derivam do dito talmúdico (Sucót 49b): “A recompensa da
caridade é comensurável ao Chéssed despendido, como está escrito (Oseias 10:12):
‘Plante de acordo com a caridade, mas colha de acordo com o Chéssed’.” Rashi elucida:
“Caridade é presente, mas o esforço despendido para fazê-la é Chéssed. O doador
esforça-se em praticar caridade de modo tal a proporcionar o maior benefício possível ao
receptor e para que a soma doada não seja posta a perder. Ele dá quando os grãos são
abundantes; e dá-se ao trabalho der ir até a residência do pobre para dar-lhe alimento
pronto para ser consumido e roupas prontas para serem vestidas”. Se o doador for sagaz
o suficiente para encobrir sua identidade do receptor, como no caso de Mar Ukva (citado
no capítulo 20), feliz o seu destino. No mínimo, devemos nos esforçar para que não saibam
que fizemos esta doação, assim o pobre não se sentirá envergonhado.
Doar com inteligência envolve, acima de tudo, observar a melhor maneira de beneficiar o
receptor, ajudando-lhe de modo a extraí-lo da pobreza, oferecendo-lhe um presente ou
empréstimo, ajudando-o a achar emprego e proporcionando-lhe meios ou recursos que o
tornem financeiramente independente. O doador cumpre então a Mitsvá (Levítico 25:35):
“E quando empobrecer teu irmão e encostar sua mão sobre ti, deterás sua caída”. O Sêfer
Chassidim expressa a mesma ideia: “Há uma forma de doar que não aparenta caridade.
Contudo, ela sempre aparentou ser exaltada aos olhos de Deus. Suponhamos que um
pobre esteja vendendo algum produto ou um livro que ninguém queira comprar, e esta
pessoa comprou-lhe do artigo que está vendendo. Ou que o pobre esteja procurando
emprego e ninguém o quisesse empregar – mas o doador deu-lhe um emprego. Não há
melhor forma de Tsedacá como essa”.
Conheço pessoas ricas e respeitadas deste tipo, que se engajaram em algumas atividades
financeiras com o propósito específico de prover emprego aos judeus pobres em busca de
sustento. Tudo isto e o que se assemelha a isto é Tsedacá, se não algo maior. Bem
aventuradas as pessoas que agem deste modo. Dissertamos sobre a Mitsvá “deterás sua
caída” mais demoradamente no capítulo 21 acima.
Encontramos que o termo Dal (pobre), refere-se também ao debilitado fisicamente – o
enfermo. Assim ele é descrito nas Escrituras (2 Samuel 13:4): “Por quê, ó filho do rei,
estás mais enfermo (Dal) a cada dia?” Tratar inteligentemente os doentes requer, como
nossos Sábios ensinam, visitá-lo e procurar meios de apressar seu restabelecimento. Isto
já foi explicado nos capítulos 3 e 4. Isto também deve ser levado em consideração com
relação à pessoa que sofre algum tipo de aflição. É preciso tramar algum tipo de plano
para livrá-lo de sua angústia.
Existe outro tipo de Dal – o pobre em inteligência – e sua sorte é a pior de todas. Nossos
Sábios declararam (Nedarim 41a): “Não há maior pobreza que a pobreza em sabedoria”.
Aqui existem várias classificações. Certa pessoa tem ideias tolas, desviou-se do caminho
da verdade e tornou-se má. Neste caso, é preciso pensar em expedientes que o façam
arrepender-se e o reconduzam ao caminho correto. O mérito por agir assim é enorme. O
Zôhar Chadash o expressa nestas palavras (Lech Lechá): ‘Rabi Eleazar disse: Como é
grande a recompensa de quem faz os outros se arrependerem”.
Outras pessoas carecem de senso prático. Isto arruína seus negócios. Não raro uma
pessoa como estas é exposta ao ridículo por sua insensatez. Também aqui, é uma Mitsvá
abrir-lhe os olhos – ensinando-a de modo a evitar que se arruíne ou sofra humilhações no
futuro. Suponha que seu filho foi para outra cidade. Como você gostaria que indivíduos
íntegros ensinassem o seu filho a ter sucesso em tudo o que fizesse! Pois é assim que
você deve agir com teu próximo. Tudo o que se relaciona com este comportamento
pertence à Mitsvá “Amarás ao próximo como a ti mesmo”. Assim rege Maimônides em seu
Código (Leis sobre disposições Morais, capítulo 10, par. 3), onde elucida esta Mitsvá. É
preciso cuidar do dinheiro alheio como se fosse o nosso. Assim como desejar que um
colega seja respeitado, como desejamos que os outros nos respeitem.
Temos também o pobre em inteligência no sentido mais simples – a pessoa que não teve
educação em Torá. Os mais afortunados devem pensar em como atrair esta pessoa para o
estudo da Torá. Isto é certamente de extrema importância. Como diz o Talmud (Baba
Metsia 85a): “Rabi Shmuel bar Nachmani disse em nome de Rabi Ionatan: quem ensina
Torá ao filho de um amigo tem o mérito de sentar-se à Academia Celestial”. Nossos Sábios
disseram também (San’hedrin 99b): “Resh Lakish disse: quem ensina Torá ao filho de um
amigo é considerado como se o tivesse criado...” Sobre o dito da Mishná (Pirkê Avot
1:12): “Ama as criaturas e aproxima-as da Torá”, Avót de Rabi Natan diz o seguinte
(capítulo 12): “É preciso tratar e cuidar das criaturas para poder trazê-las sob as asas da
Shechiná, assim como fez Abrahão, nosso patriarca, que submetia as criaturas a um
cuidado especial para depois aproximá-las à Shechiná... como está escrito (Gênesis
12:5): ‘E as almas que ele fez em Haran’.”
É preciso despertar o mesmo grau de compaixão por estas pessoas, que temos quando
vemos alguém sem nada para vestir. De fato, como esta pessoa vestirá sua alma nos
mundos superiores, se estiver tão despido de Torá e Mitsvót? Como sabemos, a Torá que
estudamos cria ornamentos para seu espírito e a faz merecer sentar-se à presença de
Deus em Sua habitação sagrada. Assim está escrito sobre Iehoshúa, filho de Iehotsadac,
o Sumo-sacerdote (Zacarias 3:4): “Tire dele as roupas fétidas... e eu o vestirei... e eles o
vestiram com peças de roupa”. Tana Devei Eliahu Rabá também o registra (capítulo 27):
“Quando vires o despido e o cobrires (Isaías 58:7) – Como isto se dará? Se vires uma
pessoa despida de Torá e ensiná-la um versículo das Escrituras ou uma simples Halachá a
cada dia. Estimule-a a cumprir Mitsvót. Não há ninguém mais despido em Israel do que
uma pessoa sem Torá ou Mitsvót. É como se estivesse nua”. O mandamento “Amarás ao
Eterno, teu Deus” (Deuteronômio 6:5) também implica em fazer o Altíssimo ser amado
pelas criaturas, como ensinam nossos Sábios.
Existe mais um caso, extremamente importante, onde devemos mostrar nossa
consideração com os pobres. Isto ocorre quando uma pessoa não tem meios para prover
seus filhos com uma educação de Torá e não tem como ensiná-las pessoalmente. Seus
filhos degenerar-se-ão. Permanecerão totalmente ignorantes. Alguns poderão enveredar
por caminhos tortuosos. Por conseguinte, é uma grande Mitsvá agir sabiamente com
relação a estas pessoas e prover-lhes educação religiosa. Às vezes estas mesmas
crianças obtém grande sucesso no estudo da Torá, em honra de seus oprimidos pais,
como alertaram nossos Sábios (Nedarim 81a): “Prestem atenção aos filhos dos pobres,
pois deles emanará a Torá”. O mérito da pessoa que se ocupa com isto é imenso, como
aponta o Talmud (Baba Metsia 85a): “Se uma pessoa ensina Torá ao filho de um iletrado,
mesmo que tenha emitido um decreto negativo, o Altíssimo, bendito seja, o rescinde pelo
mérito desta pessoa”.
Existem muitas situações similares, onde devemos ter consciência da situação de um
pobre. Decidi, no entanto, ser breve, pois a pessoa inteligente será capaz de aplicar o que
ensinamos aqui em outras circunstâncias. Pelo mérito de atos como estes, Deus, bendito
seja, redimirá esta pessoa no dia de seu infortúnio, como prometeram as Escrituras.
Capítulo 8
Fazendo chéssed com palavras
DIA 28
Nossos Sábios destacam (Sucá 49b) que podemos praticar atos de bondade tanto com
nosso corpo quanto com nosso dinheiro. A bondade feita por uma pessoa com seu próprio
corpo divide-se em três tipos: feitos, palavras e pensamentos. Até aqui temos tratado dos
aspectos de Chéssed ligados a atos e pensamentos – ou seja, ajudar o próximo por meio
de algum esforço pessoal ou mostra de consideração, à procura de modos que
possibilitem melhorar a condição alheia, para que nosso colega não venha, Deus o livre,
cair em ruína. Tudo isto está contido na admoestação do salmista: “Bem-aventurado
aquele que atenta para o debilitado” (Salmos 41:2).
Vejamos agora como um homem pode praticar bondade por meio da fala. As pessoas
devem esforçar-se para incorporar a virtude da bondade a tudo o que falam.
Primeiramente, com respeito à Torá, ensinar os demais é também um ato de Chéssed,
enquanto que estudar sozinho não se enquadra nesta categoria. Como declara o Talmud
(Sucá 49b): “O que significa a expressão (Provérbios 31:26): ‘Ela abre sua boca com
sabedoria; e a instrução (Torá) de benevolência (Chéssed) está em sua língua’ – existe
uma Torá de benevolência e outra que não seja? A Torá estudada para fins educacionais
(para ser ensinada) é Chéssed; a Torá que não é estudada com fins educacionais (só para
si) não é Chéssed”.
Suponha que uma pessoa esteja visitando outra e que esteja com fome. Se alguém o
disser ao anfitrião e como consequência o visitante receber um prato de comida, estará
fazendo um ato de bondade com o simples interceder em prol da pessoa faminta. A Torá
conta sobre José (Gênesis 40:14): “Se me recordares quando estiveres bem, usa, rogo,
de bondade comigo, e faze-me lembrado ao Faraó, e tira-me desta casa”. Além disso, se
alguém pode, usando de sua fala, impedir que outra pessoa seja lesada, também estará
praticando um ato de Chéssed. Se alguém passou por um grupo de ladrões e os ouviu
discutindo a respeito da fortuna de Fulano. É sua obrigação fingir que ficou sabendo que a
futura vítima empobreceu e contar isto aos ladrões, desencorajando-os, para que não a
roubem. Mesmo sabendo que isto não é verdade, praticou um ato de bondade. Assim
disse Abrahão a Sara (Gênesis 20:13): “Esta será a tua bondade que fará comigo; a todo
lugar onde chegarmos, diz por mim: ‘Meu irmão é ele’.” Melhor seria se aquela pessoa
pudesse avisar a vítima do mal que lhe estão por fazer, para que possa defender-se de
seus desígnios nefastos. É um dever fazê-lo de acordo à Lei da Torá (final de Choshen
Hamishpat).
Se alguém pode interceder em favor de um colega contando sobre suas necessidades a
outra pessoa, também está praticando um ato de Chéssed e receberá bênçãos de Deus,
como diz a Tosseftá (Peá, capítulo 3) – a simples menção de que determinada pessoa ou
causa precisa de ajuda, pertence à categoria de Chéssed, como dizem as Escrituras
(Deuteronômio 15:10): “Pois por isto (Davar – objeto, do mesmo radical que Dibur, fala),
te abençoará o Eterno, teu Deus...”. A recompensa por fazer os outros praticarem atos de
bondade por meio da fala é enorme.
Em terceiro lugar, nossa fala permite dar bons conselhos aos outros com relação a
conduzirem seus negócios, como registra o Choshen Mishpat (capítulo 97) e isto se aplica
tanto aos ricos quanto aos pobres. Em quarto lugar, quem vê um amigo em estado de
depressão causado por sua condição financeira ou qualquer outro problema e naquele
momento, Deus não o permita, não se encontra em condições de ajudá-lo, ainda assim, é
uma Mitsvá falar-lhe de modo compreensivo, a fim de diminuir sua angústia. Todos estes
atos se incluem na categoria de Chéssed.
O rabino Ioná Gerundi registra em sua obra Iguéret Hateshuvá, que mesmo um pobre, que
não se encontre em condições de empenhar-se em atos concretos de Guemilút Chéssed,
pode exercer esta prática sem custo algum. Eis como este tipo de Chéssed deve ser feito:
é preciso conversar de modo complacente com a pessoa pobre, de modo a proporcionar-
lhe um sentimento de satisfação com nossas palavras, confortando-o pelas vicissitudes que
passa no trabalho e mostrando respeito pelos seus esforços. Nossos Sábios (Baba Batra
9b) disseram que se alguém dá uma moeda a um pobre, ganha seis bênçãos, mas quem
lhe restabelece a confiança com palavras ganha onze, como está escrito (Isaías 58:10):
“Se abrires tua alma ao faminto e fartares a alma aflita; então nascerá a tua luz nas trevas,
e tua escuridão tornar-se-á como o meio dia. O Eterno te guiará continuamente, fartará tua
alma, mesmo em lugares áridos”. Aqui, esta virtude é praticada de modo a aliviar o
sofrimento alheio por meio de palavras sinceras e suaves.
Examine as Escrituras e constate você mesmo como está explícita esta Mitsvá e que a
recompensa por este ato é bem maior que a concedida pela prática da caridade. Como é
grande esta Mitsvá! Por conta dela, ganha-se a vida no Mundo Vindouro, como vemos
(Taanit 3) no incidente envolvendo Rabi Beroca. Rabenu Ioná acrescenta que as pessoas
devem fazer sugestões às suas comunidades no intuito de incrementar as ações de
Tsedacá e Chéssed. Quem incentiva práticas comunitárias de Chéssed recebe uma
recompensa especial, como recompensa pelas almas que ajudou a preservar. Ele próprio
constatará a recompensa pela caridade que prestou, como dizem as Escrituras (Isaías
32:8): “O generoso cria novas maneiras de praticar a generosidade”. Nossos Sábios
disseram também (Baba Batra 10a): “Grande é a pessoa que faz agirem as demais, do
que aquela que age sozinha”. Esta é a verdadeira Ahavát Chéssed.
Existem muitos outros tipos de Chéssed praticados com a fala, como, por exemplo, rogar
a Deus que cure determinada pessoa. Isto está incluso na Mitsvá de visitar o doente (Bikur
Cholim), que também é uma forma de Chéssed, como encontramos no Talmud e no
Shulchán Aruch (Iorê Deá, capítulo 335). Já o havíamos citado no capítulo 3. O mesmo se
aplica a qualquer tipo de dano que ameace a integridade do próximo, mesmo que ele não o
saiba. Sabemos que Abrahão intercedeu em prol da população de Sodoma, embora eles
não tivessem conhecimento disto. Abrahão rezou para que fossem poupados. Tanto mais
quando se trata de um colega judeu!
Quem estudar estes capítulos, constatará que a Mitsvá de Chéssed envolve todo o bem
que existe neste mundo. Toda e qualquer pessoa pode praticá-la e em todos os seus
afazeres, não raro com ações meramente simples, beneficiando o recipiente ao mesmo
tempo em que o doador nada perde. Não obstante, há pessoas que deixam oportunidades
de Chéssed passar batido, por causa dos nossos inúmeros pecados. Acredito, portanto,
que o Midrash citado pelo livro Lev David, seja bastante apropriado para nossa
dissertação: “O profeta Elias Eliáhu Hanavi, de abençoada memória, caminhava com Rabi
Iehoshúa ben Levi. Enquanto caminhavam, Elias apontou para uma larga praça, onde uma
multidão de pessoas agrupava-se num dos estabelecimentos onde barganhavam,
acotovelando-se e empurrando umas as outras. Eliáhu Hanavi e Rabi Iehoshúa
aproximaram-se do estabelecimento e descobriram, em meio aos empurrões, que ali
vendiam carne pútrida de cachorro a um Dinar por Litra.45 Não obstante, os compradores
continuavam se empurrando, cada um tentando ser atendido antes dos outros. Os dois
prosseguiram em seu caminho e chegaram a outra praça. Ela estava vazia. Havia apenas
um estabelecimento, vendendo vitela de primeira por uma Perutá por Litra. Contudo, não
haviam consumidores. Rabi Iehoshúa ficou aturdido. ‘Não se deixe surpreender por estas
preferências’, disse-lhe Elias. ‘O estabelecimento que vende carne pútrida ilustra as
massas que gastam tudo o que tem e esbanjam todo seu dinheiro para comprar pecados,
que se equiparam à carne de cachorro em estado de deterioração. Por outro lado, Torá e
Mitsvót, que são comparadas à vitela de primeira, são de fácil acesso e aquisição. Mas
não há compradores’”.
É o que vimos dizendo até aqui. Às vezes é fácil gastar milhares de dólares com futilidades
que a má inclinação nos convence a perseguir, com vistas a adquirir glórias e cantar vitória
sobre os demais. Há pessoas que chegam a gastar fortunas com artigos que não lhes
trazem benefício algum, nem neste mundo nem no Mundo Vindouro. Atividades que não
são melhores do que carcaça de cachorro. Quanto ao Chéssed, a boa inclinação nos
aborda como agentes, anunciando serem mercadoria legítima e que o próprio Deus a
comercia (como está escrito Miqueias 7:18: “Ele... tem prazer na misericórdia”). E a
bondade traz alegria ao homem neste mundo e no Mundo Vindouro, e é adquirida com
custo baixo e pouco esforço. Contudo, devido à nossa lastimável condição espiritual,
ninguém dá a atenção merecida a este lucrativo negócio. A razão para esta negligência é o
Iétser Hará, que não dá descanso ao homem e que não o permite enxergar a grandeza e
benefícios da Mitsvá de Chéssed.
O melhor conselho a seguir é ponderar constantemente sobre os versículos das Escrituras
e da literatura rabínica, que acumulam louvores sobre esta sagrada virtude. Então,
ganharemos a convicção clara de que esta é a verdadeira vontade de Deus: que devemos
nos educar para comportar-nos com bondade e misericórdia com relação aos outros, ou
nas palavras das Escrituras: “Andar nos Seus caminhos”. O Sifri declara (Deuteronômio
10:12): “Estes são os caminhos de Deus: ‘Eterno, Eterno, Deus misericordioso e piedoso,
tardio em irar-se, abundante em bondade...’ (Êxodo 34:6)” Seguindo esta linha de conduta,
adquirimos amor pela virtude da generosidade, como está escrito (Miqueias 6:8): Ahavát
Chéssed (amar a bondade). Pelo mérito deste tipo de comportamento, Deus estenderá
Sua bondade a esta pessoa em tudo o que ela fizer, tanto neste mundo quanto no Mundo
Vindouro.
Apesar disto, ninguém deve se iludir, acreditando ser suficiente incorporar esta virtude, ao
mesmo tempo em que negligencia o temor aos Céus, Deus o livre. Isto é falso. É preciso
seguir e obedecer a Torá, aceitar o jugo dos Céus e também perseguir todas as formas de
Chéssed incansavelmente. O Sifrê explica o versículo (Deuteronômio 32:29): “Se...
tivessem sido sábios... as entenderiam”: Se Israel estudasse as palavras da Torá, mal
algum teria poder sobre eles. O que eu disse a eles? – Aceitem o jugo do Rei dos Céus,
persuadam uns aos outros a temerem os Céus e a portar-se uns com os outros com
Chéssed”. Então alcançarão a paz e a felicidade.
Capítulo 9
excerto da parte 1
Leis referentes ao pagamento de salários
DIA 29
1 Está escrito na Torá (Levítico 19:13): “Não pernoitará a paga de um diarista contigo até
pela manhã”, e mais adiante (Deuteronômio 24:15): “No seu dia lhe pagarás a sua diária, e
isto o fará antes do pôr do sol”. Nossos sábios interpretaram (Baba Metsiá 110b) as
palavras “não pernoitará” como implicando que o diarista trabalhou durante o dia e que o
prazo fixado para seu pagamento é toda a noite subsequente. Se não for pago durante
este período, o empregador está transgredindo este mandamento “não pernoitará a paga”.
No caso de jornada noturna, o período para o pagamento é todo o dia subsequente, no
máximo até o pôr do sol. Se o pagamento for feito após o pôr do sol, o empregador está
transgredindo tanto o mandamento passivo de não deixar o sol passar pelo pagamento,
quanto o mandamento ativo de pagar o empregado logo após sua jornada de trabalho. É
importante cuidar de fazer o pagamento antes do pôr do sol, pois neste caso ele
seguramente não está transgredindo qualquer um dos mandamentos acima. Após o pôr do
sol, enquanto não houver anoitecido e se o pagamento ainda não foi realizado, o
empregador deve cuidar fazê-lo antes de aparecerem as estrelas, do contrário, está
transgredindo abertamente estes dois mandamentos.
2 A que nos referimos aqui? A alguém que trabalhou a noite toda, ou seja, até a aurora.
Mas se trabalhou apenas algumas horas durante a noite e terminou a tarefa antes da
aurora, o prazo de pagamento dura apenas até o amanhecer. O mesmo com relação a
quem trabalhou durante o dia; se não trabalhou todas as horas do dia, mas apenas
algumas delas, concluindo a tarefa antes do pôr do sol, o prazo para pagar seu soldo
termina com o próprio pôr do sol, como indica o parágrafo 1. Em vista disso, em nossos
dias, quando os operários costumam concluir a jornada de trabalho com o pôr do sol, é
preciso cuidar de pagá-los antes de aparecerem as estrelas, pois eles também são
considerados diaristas (veja mais em Netiv Hachéssed). Se um operário trabalhar até
saírem as estrelas, mesmo que não esteja obrigado a isto, seu patrão deve pagá-lo até o
raiar do dia. Na véspera do Shabat, quando é costume parar de trabalhar alguns
momentos antes de anoitecer, é preciso apressar-se para pagar os empregados antes do
pôr do sol se o empregado vier solicitar seu soldo e o patrão dispuser da soma para pagá-
lo, cumprindo assim o mandamento “No mesmo dia pagará seu salário”.
3 Saiba que isto não diz respeito somente a quem trabalha horas inteiras, pois mesmo
quem faz um trabalho leve, que vale apenas centavos, também é considerado diarista e
sobre ele incorrem todas as leis descritas acima. Há quem diga que mesmo se for
realizado um trabalho que vale menos que um centavo, o patrão não pode deixar de pagar
no prazo certo. Infelizmente, muita gente falha neste mandamento.
4 A lei é a mesma para quem trabalha por semana, por mês, por ano ou por sete anos. Se
concluir o trabalho durante o dia – o patrão deve pagá-lo até o pôr do sol; se concluir o
trabalho durante a noite – seu pagamento deve ser-lhe entregue antes do amanhecer.
5 Estas leis dizem respeito tanto a seres humanos quanto ao aluguel de animais e
utensílios, como está escrito: “Não pernoitará a paga contigo” – de tudo aquilo que estiver
te servindo. Quanto ao arrendamento de terrenos, as opiniões variam: veja a explicação do
Gaon de Vilna (Choshen Mishpat, 339:1), que defende a necessidade de agir com rigor
neste caso. De fato, está escrito (Torat Cohanim, Sifra, porção Kedoshim 2:9), que todas
estas leis dizem igual respeito ao arrendamento de terras. Encontrei este assunto
especificado também no livro Shaar Hamishpat (339:1). Por conseguinte, é preciso ser
igualmente meticuloso com relação a aluguéis de casas (veja em Netiv Hachéssed). Estas
leis também valem quando se emprega um menor de idade.
6 Se um empregado morre, seu filho não herda o direito de receber o pagamento de
imediato, em relação à proibição de “não pernoitará”.
7 O patrão não transgride a lei de “não pernoitará” a menos que disponha da quantia para
pagar o salário, como está escrito: “não pernoitará a paga do empregado contigo” – ou
seja, que o dinheiro do pagamento esteja com você. O mesmo se aplica se o dinheiro
estiver penhorado ou emprestado a outro na hora de pagar o salário, pois ele pode ser
resgatado. O Shitá Mecubétsét afirma em nome do Ritva, que se o patrão tiver alimentos
que podem ser vendidos, eles também estarão incluídos nesta categoria, pois o patrão
pode vendê-los para pagar o salário do empregado. Esta lei também se encontra no Sêfer
Hachinuch, Mitsvá 588.
Aparentemente, se o patrão puder tomar dinheiro emprestado para pagar um salário, é
indicado fazê-lo, para deste modo cumprir a Mitsvá “no mesmo dia pagarás o seu salário”.
Principalmente se o empregado for uma pessoa pobre. Se lhe pagar em dia impedirá que
ele se torne dependente do auxílio alheio, obviamente isto deve ser feito. Veja o primeiro
capítulo de Netiv Hachéssed, parágrafo 20.
8 Se alguém empregou dois servidores, mas dispõe de dinheiro para pagar apenas um
deles, me parece correto dividir a soma entre os dois, para não transgredir o mandamento
que proíbe reter o dinheiro dos salários, pois deste modo não o terá mais. Mesmo se um
deles exige o pagamento antes do segundo, o patrão deve deixar metade da soma para
pagar o outro, que logo virá pedir o seu soldo, como está escrito (Shevuot 45b): “É sabido
que um empregado não deixa de cobrar o seu salário”. Se o patrão tem conhecimento que
o segundo empregado não se incomoda com o pagamento do primeiro, neste caso poderá
pagar apenas o primeiro, somente se os dois diaristas forem pobres ou ricos; mas se um
deles for pobre e o outro rico, veja o que se deve fazer, no capítulo 10 (oitavo item).
9 Ao término do serviço, o patrão deve cuidar não gastar seu dinheiro com mercadorias se
souber que não disporá do suficiente para pagar seu empregado, mesmo que ele ainda
não lhe tenha exigido o salário. Mais ainda se planeja adquirir mercadorias após o
empregado lhe pedir que o pague. Se o fizer, está infringindo a lei “no mesmo dia lhe
pagarás a sua diária”. A pessoa consciente deve cuidar deste assunto, mesmo antes do
fim da jornada de trabalho.
10 É preciso pagar ao empregado tudo o que lhe é de direito, se dispuser do dinheiro. Se
não pagar ao diarista todo o seu salário está transgredindo a lei de não deixar o
pagamento pernoitar, mesmo se faltar uma pequena parcela para completar-lhe o salário.
No caso do patrão não dispor de toda a soma para pagar empregado deve dar-lhe o que
tiver em mãos, para não transgredir a lei “não pernoitará”.
11 Saiba que tudo o que escrevemos neste capítulo com relação ao patrão transgredir a
lei “não pernoitará a paga do teu empregado contigo”, diz respeito somente ao caso do
diarista que cobrou seu ordenado e o patrão se recusa a pagá-lo. Contudo, se o diarista
não exige o salário, o patrão não está transgredindo a lei mesmo que tenha dinheiro, pois
há um consentimento calado do empregado. Há quem diga que mesmo se o empregado
ainda não cobrou pelo serviço, o patrão deve procurar pagá-lo em dia, embora se não o
fizer não transgride a lei (Shaar Hamishpat 339:2. Veja também em Chevel Iossef Ulam
Hamishpat). Se um empregado cobra o salário e o patrão não dispõe da soma naquele
memo momento, mas a obteve antes de findo o prazo para o pagamento, ele deve
encaminhar o dinheiro ao empregado ou informá-lo que a soma estará à sua disposição,
assim não transgride o mandamento “não pernoitará”. Similarmente, quem aluga animais ou
utensílios, findo o seu uso deve procurar pagar a tempo a quem os alugou, mesmo que o
dono ainda não tenha requisitado a devolução do animal ou de seus utensílios, pois não se
pode dizer que o fato dele não pedir os utensílios de volta implica no consentimento da
continuação do uso após o prazo estipulado, pois ele não tem como saber quando seu
animal ou utensílio terminou de ser utilizado para poder cobrar pelo aluguel.
12 Após o prazo de pagamento do diarista, o patrão não incorre na violação de “não
pernoitará”. Mesmo assim, deve pagar o empregado de imediato e cada momento que
demorar em pagá-lo estará transgredindo uma proibição dos nossos sábios, como está
escrito (Provérbios 3:28): “Não diga ao seu próximo: ‘Vá embora e volte, e amanhã te
darei’, quando você o tem”.
13 Um empregado conhece seu patrão e sabe que ele não costuma dispor de dinheiro
antes de um dia de feira. Neste caso o empregador não transgride a lei “não pernoitará”
mesmo que tenha fundos e mesmo que o empregado o cobre logo no início da jornada,
pois ao ser admitido para o trabalho sabe que seu patrão não o pagará até o dia da feira.
A partir do dia da feira, se o patrão não o pagar está transgredindo o dito “não diga ao
seu próximo etc.”.
O mesmo se aplica àqueles que não pagam seus empregados até sentarem com eles
para calcular seu soldo; neste caso, eles não estão transgredindo a lei até calcularem o
salário junto aos empregados, posto que eles concordaram em trabalhar nestas condições.
Capítulo 10
Leis referentes ao pagamento de empréstimos
1 Se uma pessoa deu uma peça de roupa para consertar e o pagamento será feito
somente após a conclusão do trabalho, enquanto a peça estiver em poder do artesão – ele
não está violando proibição alguma. Se o artesão devolve a peça consertada antes do pôr
do sol, em pleno dia, se anoitecer sem que o artesão tenha recebido pelo serviço, o cliente
está transgredindo o preceito “no seu dia lhe pagarás a sua diária, e isto o fará antes do
pôr do sol” (Deuteronômio 24:15).
Similarmente, se o artesão devolveu a peça consertada à noite, ele deve receber seu
pagamento antes do amanhecer, do contrário o cliente estará transgredindo o preceito
“não pernoitará” (Levítico 19:13) logo que amanhecer, pois a contratação de um serviço
implica em pagamento após o seu término, no mesmo período.
2 Quem instrui um agente para que saia e contrate diaristas e ele os contrata, dizendo: o
patrão lhes pagará pela jornada – nenhum dos dois estará transgredindo a lei “não
pernoitará”, pois não foi o patrão quem os contratou e o agente não é responsável pelo
seu trabalho por haver-lhes dito que o patrão os pagará. Isto, mesmo que não o tenha dito
explicitamente, pois os diaristas sabem que o agente não é responsável pela jornada de
trabalho. No entanto, o patrão estará violando o preceito (Provérbios 3:28) “não diga ao
seu próximo, vá embora e volte etc.”, tentando evitá-los. Mas se estiver ocupado e não
puder atender os empregados para pagá-los, ele não está violando a lei.
3 Se disser aos diaristas: “eu sou responsável pelo vosso salário”, mesmo que os avise
ser um agente e que o trabalho não é responsabilidade sua, será seu dever pagar seu
salário e ele violará a proibição de “não pernoitará”, se não os pagar no prazo apropriado.
Mas se ele não disser que o salário é sua responsabilidade nem disser que é
responsabilidade do patrão, neste caso: se os diaristas sabem que o trabalho não é
responsabilidade sua, o agente não está violando a lei; contudo, se os diaristas não o
souberem, ele tem o dever de pagá-los para não transgredir a lei “não pernoitará”.
4 De que estamos falando? De um agente qualquer. Mas em se tratando de um tutor dos
negócios e da propriedade alheia, mesmo que os diaristas saibam que ele não é o
responsável pela tarefa e que fez somente contratá-los, será considerado como se o
agente tivesse dito que é responsável pelo seu pagamento. Neste caso, ele estará incluso
na lei “não pernoitará”. Uma mulher tem um esposo, mas gere seu próprio negócio em
casa: se contratar diaristas, mesmo sem assumir compromisso explícito de pagamento,
ela deve pagar-lhes para não infringir o preceito “não pernoitará”.
5 Se o patrão deu a um banco uma ordem para pagar seus empregados dizendo, por
exemplo: pague ao meu diarista um dinar em espécie que eu lhes restituirei e o banco se
comprometeu a realizar o pagamento, estando os diaristas de acordo – o empregador não
estará transgredindo a proibição de “não pernoitará”, mesmo se não houver feito o
depósito no banco e por este motivo o banco não honrar os pagamentos dos operários,
pois está escrito: “não pernoitará... contigo” (Levítico 19:13), e neste caso o salário não
está com o empregador, mas contratualmente com o banco.
6 Tudo isto diz respeito somente à proibição de “não pernoitará”. Mas o empregado pode
voltar atrás e exigir receber seu pagamento diretamente do empregador, ao invés de
recebê-lo do banco. Ele também tem o direito de mudar de opinião e exigir o pagamento
diretamente do patrão se o banco não lhe pagar, podendo exigi-lo do empregador a
qualquer momento, argumentando não estar de acordo com o arranjo original. Mesmo no
caso do banco não ter voltado atrás em seu comprimisso e decidir pagá-lo, ainda assim o
empregado tem direito de retroceder do acordo original e exigir seu salário do
empregador.
7 A lei acima se aplica somente no caso do diarista não haver desobrigado explicitamente
o empregador do dever de pagá-lo, mesmo quando o banco falhou em executar a ordem
de pagamento, ou quando o diarista não se sujeitou a este compromisso por meio de um
Kinian (ato simbólico de aceitação). Se há um Kinian, o diarista não tem o que exigir do
patrão.
8 Se o patrão empregou dois diaristas e um deles é pobre, mas ele só tem como pagar a
um deles no prazo determinado, o pobre tem preferência, como está escrito
(Deuteronômio 24:16): “pois ele é pobre etc.”
Nossos sábios ensinam (Baba Metsiá 111b) que a intenção do versículo é dizer que o
pobre tem preferência sobre o rico. Se dos dois diaristas um for pobre e o outro miserável:
o miserável, Evion, sofre mais do que o pobre, mas está mais acostumado ao embaraço.
Por isto é chamado de miserável – Evion – porque deseja – Ovê – e não consegue obter o
que quer. Neste caso o pobre terá preferência ao miserável. Mas se um deles for
miserável e o outro rico – o miserável antecede o rico.
9 Se os dois forem pobres ou miseráveis e um deles for parente do patrão, o familiar não
tem o privilégio de anteceder o outro com relação ao pagamento do soldo.
10 Saiba que o pobre tem precedência mesmo no caso do rico haver demandado seu
pagamento antes dele, pois no final o pobre também virá exigir seu pagamento dentro do
prazo, como está escrito: “É fato consumado que um diarista não deixa que atrasem
pagamento” (veja capítulo 9, item 8).
11 Se os dois empregados forem ricos ou os dois forem pobres, sendo que um deles foi
diarista no dia anterior e o empregador já incorreu na infração “não pernoitará” com
relação ao seu ordenado, e o outro trabalhou somente durante este dia, o segundo
precede o primeiro na hora do pagamento, para que seu prazo não vença. Somente
quando o segundo empregado receber seu dinheiro, o primeiro poderá ser pago logo que o
patrão tenha como pagá-lo. Neste caso é possível que um rico tenha preferência ante um
pobre.
12 É proibido contratar um diarista sabendo de antemão que não terá como pagá-lo a
tempo, pois o empregado espera ser pago logo após o serviço (Deuteronômio 24:15):
“Porque é pobre e por ela arrisca a sua alma”. Do contrário, o empregado deve ser
avisado de antemão e concordar com os termos do patrão, a menos que seja costume
daquela localidade pagar os empregados somente em dias de comércio e mercado,
quando o patrão tem dinheiro disponível (como registramos no capítulo 9). Por esta razão,
se o patrão quiser viajar mas teme que o prazo de pagamento vingará antes do seu
retorno, deve providenciar antes da viagem que seus empregados recebam seus salários
no prazo certo.
13 Tudo o que escrevemos nestes dois capítulos diz respeito apenas às situações onde o
empregado não é pago no prazo correto. Caso o patrão, contudo, se recuse a pagar um
empregado ou lhe pague menos do que o devido, que seja um só centavo, estará
transgredindo o que diz a Torá em Levítico (19:13): “Não sonegarás (o salário de) teu
próximo, e não extorquirás”. Deixar de pagá-lo implica também em roubo, como afirma a
Guemará (Baba Metsiá 111a) e quem o faz deve ser desqualificado para prestar
testemunho diante de um tribunal. Nossos sábios também disseram: “Quem se nega a
pagar um empregado, é como se houvesse lhe tirado a alma; e transgride seis
mandamentos da Torá, cinco passivos e um ativo: “não sonegarás”, “não extorquirás” e
“não pernoitará a paga contigo”, descritos em Levítico (19:13); “não defraudarás o
empregado pobre e necessitado”, “no seu dia lhe pagarás a sua diária” (mandamento
ativo) e “não passará por ele o sol”, descritos em Deuteronômio (24:15), na porção Ki
Tetsê”. Veja na Guemará, Tratado Baba Metsiá (111a) e também no Zôhar sagrado,
porção Kedoshim, que explica este tópico detalhadamente. Por conseguinte, todo aquele
que se dedicar a cumprir estes preceitos e cuidar não transgredir as leis pertinentes a este
assunto, será largamente recompensado.
Epílogo
DIA 30
Sei que muita gente pode pensar que, hoje em dia e nesta época, a prática da caridade já
é suficientemente difundida e que não há nada mais a dizer. A este tipo de argumento eu
respondo: a caridade, como é conhecida de um modo geral, mede-se com relação ao
doador e ao receptor – com relação ao receptor, de acordo com suas necessidades, como
nos ordenou a Torá (Deuteronômio 15:8): “Certamente abrirás a tua mão a ele e
emprestarás o suficiente para o seu sustento”. Antigamente, as necessidades de um pobre
podiam ser suficientemente satisfeitas por meio de um pequeno presente. Hoje, vestuário,
calçados e habitação, assim como as demais necessidades básicas do homem, custam
significativamente mais. Olhe para si mesmo, veja quanto gasta com suas próprias
necessidades e constate que o preço das coisas é duas e até quatro vezes mais o que
elas custavam antes. Consequentemente, a obrigação de atender as necessidades de um
pobre requer somas maiores. O mesmo se aplica ao Chéssed que devemos fazer com os
pobres na forma de empréstimos, como ordena a Torá (Êxodo 22:24), “Emprestarás
dinheiro ao Meu povo, ao pobre que está contigo”. Também está escrito (Levítico 25:35):
“E quando empobrecer teu irmão e encostar sua mão sobre ti, deterás sua decaída”. Este
tópico também está incluso nesta categoria, como explicamos anteriormente. De modo
similar, antigamente as pessoas precisavam de menos para subsistir; emprestar-lhes uma
pequena soma era suficiente para que pudessem abrir um negócio e dele pudessem
sustentar-se e aos seus. O credor podia então cumprir a determinação da Torá ao
amparar um pobre. Hoje isto já não é possível, pois as necessidades cresceram. A
margem de lucro nas transações financeiras diminuiu. Por conseguinte, cada homem
precisa de mais para viver.
Doar também diz respeito ao doador, pois a obrigação de doar para caridade depende das
circunstâncias em que cada um se encontra. O dever de uma pessoa de boas condições é
maior que o dever de um pobre (ainda que este também deva contribuir para a caridade –
veja Guitin 7a). A obrigação do rico é ainda maior que a da pessoa de boas condições. E a
de uma pessoa extremamente rica, maior que a dos demais. Contudo, duas pessoas
podem estar praticando o mesmo ato, mas um é louvado e recompensado por isto, ao
passo que o outro é condenado e perde seu dinheiro. O motivo é que este último fez uma
doação por demais trivial se comparada às bênçãos que o Altíssimo, bendito seja,
despejou sobre si. Um caso como este aconteceu a Nacdimon ben Gurion (Ketubót 67b),
figura proeminente de sua época, uma das três figuras cujo mérito podia adiantar o Sol,
como relata o Talmud (Taanit 20a). Nacdimon estendeu caridade a todo Israel (ibid.).
Contudo, por não contribuir de acordo com suas posses, foi condenado a perder sua
fortuna. Obviamente, não podemos avaliar esta obrigação em nossos dias, segundo os
critérios daquela época. Naquele tempo, o mundo havia acumulado menos riqueza. Hoje
em dia há mais gente rica e muito mais rica do que antigamente. (Hoje, todos podem
constatar isto em suas próprias comunidades. Um rico de antigamente pode ser
considerado pobre em nossos dias, em termos relativos. O rico de antigamente mal se
compara ao remediado “classe média” de hoje. Mas em comparação com os tempos
antigos, hoje temos mais pobres, portanto, o dever dos mais ricos de ajudá-los em tempos
de privação também cresceu. Então, como ver estas obrigações do mesmo modo como as
víamos antigamente?).
Naquele tempo, o padrão de vida das pessoas era mais modesto. Quando havia uma
emergência, era possível cumprir o dever de prestar caridade com uma soma modesta de
dinheiro, que as pessoas tinham em casa, já separadas para atos de Tsedacá ou
Chéssed. Mas as circunstâncias mudaram. Hoje as pessoas gastam seu dinheiro com
luxos e prazeres, roupas e casas caras, empregados e etc. O padrão de medida dos atos
de Tsedacá e Chéssed, que envolvem a própria alma de cada um, sua redenção neste
mundo e no Mundo Vindouro, não devem incluir somas menores que as despendidas com
estes luxos. Nossos Sábios provam o que estamos afirmando aqui: “No futuro, Deus
repreenderá cada um de acordo com o que ele foi”. Se perguntarmos a uma pessoa que
conduz as despesas de sua casa comportando-se como um rico e gastando mais do que
pode, sua resposta será que ela considera impossível reduzir estes gastos e economizar.
Mas quando se trata de Tsedacá, seu coração endurece e sua mão se fecha, dando a
impressão de ser pobre e sem recursos. Sobre estes tópicos, as Escrituras dizem
(Provérbios 13:7): “Há aquele que se julga rico (em seus próprios negócios) e, no entanto,
nada tem; e aquele que se julga pobre (em dar Tsedacá e fazer Chéssed) e, no entanto,
tem grande riqueza”.
Como sabemos, Tsedacá e Chéssed sobrepujam o atributo da Justiça Divina. Assim
nossos Sábios (Shabat 151b) comentam o versículo (Deuteronômio 13:18): “Para que o
Eterno Se aparte do furor da Sua ira, tenha piedade de ti, Se compadeça de ti”: “Quem
tem piedade sobre os homens merece piedade dos Céus”. Hoje vemos o atributo da justiça
estrita (Midát Hadin) crescer cada vez mais no mundo, dia após dia. As mortes por
calamidades e causas não naturais abundam. Falta influência Divina no mundo e um dia
traz mais maldições que o dia anterior. Por isto, urge incrementarmos nossos atos de
Tsedacá e Chéssed. Talvez deste modo logremos reverter a severidade das sentenças e o
mundo encha-se de misericórdia (como explicamos no parte 2, capítulo 3).
Coletânea de conselhos preciosos
baseados em Marganita Tava*
Redigido pelo famoso Gaón e Tsadic da geração anterior, conhecido entre os sábios
de Israel para mérito e glória da nossa nação e que santificou o Nome de Deus com
estudo constante e atitudes louváveis, nosso mestre, o rabino e Gaon Iehonatan zt”l da
cidade de Lubesht – mais conhecido como rabino Iehonatan Woliner.
* Encontrei este manuscrito com seu discípulo, meu companheiro, o rabino Gaon HaChov,
da cidade de Palungian, que contou-me que seu pai, o santo referido rabino, tinha o
costume de lê-lo e relê-lo diversas vezes ao dia. Devido à sua grande utilidade, vi por bem
publicá-lo com o intuito de beneficiar o público.
Não é bom conversar muito com as pessoas nem mencionar seus nomes, senão o mínimo
necessário ou com o intuito de lembrar uma Halachá em seu nome. E também, devemos
nos afastar de todo o tipo de mexerico, sombra de mexerico (Avác Lashon Hará) e não
fazer comentários negativos sobre criatura alguma neste mundo, como disseram nossos
Sábios (Pirkê Avot 4:3): “Não desdenhes a ninguém, e não desprezes coisa alguma”.
* * *
Não conversar na sinagoga e na casa de estudos sobre assuntos mundanos a não ser o
estritamente necessário e mesmo assim que seja com a finalidade de cumprir uma Mitsvá.
Mesmo assim, é preciso falar pouco, para que do permitido não incorramos no proibido;
melhor falar no idioma santo (Hebraico).
* * *
Não conversar durante os estudos sob hipótese alguma, a menos que seja para uma
Mitsvá passageira. É melhor não fazer pausas mesmo entre uma lição e outra, a menos
que estritamente necessário.
* * *
Não conversar durante os estudos quando estiver estudando com os colegas, senão o que
for pertinente a uma Mitsvá passageira que envolve a todos. Se precisar ocupar-se sozinho
desta Mitsvá deve tentar não desperdiçar o tempo dos demais.
* * *
Não falar asperamente com quem lhe faça indagações sobre a Torá, mesmo que ele esteja
equivocado, respondendo com brandura, para que ele não tema voltar a perguntar; mais
ainda se não estiver claro que ele equivocou-se e não insistir em seu ponto de vista, como
comentaremos mais adiante. Até com os mais jovens não devemos insistir em nossos
pontos de vista e ser constritos.
* * *
Não dar ouvidos a conversas fúteis, tanto pior a conversas proibidas. É preciso afastar-se
e não dar ouvidos a este tipo de confabulação, como está escrito no Tratado Shabat, que
conversas vãs diferem de conversas proibidas. Devemos evitar dar ouvidos a conversas
desnecessárias dentro da sinagoga ou durante os estudos, pois quem ouve é como quem
responde, por isto é preciso evitá-lo. Conversas como estas impurificam o pensamento,
por isto precisamos cuidar até do que pensamos e dos pensamentos estranhos,
principalmente durante o estudo e as orações.
* * *
Ser prudente em não envergonhar os outros em público, conscientes da gravidade deste
pecado. Mesmo quando se repreende alguém, é preciso fazê-lo paulatina e
prudentemente, como explica o comentário sobre a porção Kedoshim.
* * *
Julgar favoravelmente a todos pois, segundo o Semag, isso faz parte do conjunto das
Mitsvót. Devemos julgar favoravelmente o povo judeu em seu relacionamento com seu
Criador, entre outros, com relação aos costumes que o público assimilou como parte de
seu rito, impossíveis de serem consertados; mas os que puderem ser consertados –
devem sê-lo e não é preciso ajustar-se a eles.
* * *
É preciso falar com suavidade às pessoas e cuidar para não zangar-se, mesmo com
relação a uma Mitsvá. Mesmo quando a repreensão faz-se necessária, é preciso falar com
brandura e serenidade; como se estivéssemos repreendendo nosso próprio mestre, pois a
verdade sobre o que faz cada um nos é oculta, e pode acontecer de nosso interlocutor nos
superar em boas ações, quanto mais em se tratando de um Talmid Chacham (sábio).
* * *
Ter em mente que um dia partiremos deste mundo, como disseram nossos Sábios (Pirkê
Avot 2:15): “Faz Teshuvá um dia antes de tua morte”, cumprindo todos os dias nossas
Mitsvót com total presteza e agilidade, como se tivéssemos somente este dia para servir
nosso Criador.
* * *
O homem deve imaginar que nasceu hoje e que ainda não teve a oportunidade de servir a
Deus, como dizemos na recitação do Shemá, (neste versículo, a palavra “hoje”, Hayom,
alude a esta ideia na opinião dos homens de Jericó, por isto nossos Sábios não
protestaram nem levantaram dúvidas, por causa do significado desta passagem, cuja
mensagem é a de cumprir esta Mitsvá “hoje” e não amanhã, com nosso coração. Veja
Talmud (Pessachim 56b). Esta é uma regra de ouro da Torá e das Mitsvót.
* * *
Anotar todos os atos de Teshuvá e transgressões dos quais nos recordamos, assim com
as boas atitudes que nos comprometemos a cumprir, cuidando para ser meticulosos e
constantes no seu cumprimento, pois foram os Céus que despertaram nossa consciência a
elas, e ter em mente que os Céus o fizeram por ser isto o que precisamos para servir o
Criador. É preciso cuidar disto como se fosse um juramento, como está escrito (Salmos
119:106): “Jurei, e hei de cumprir”. De qualquer forma, é preciso cuidar deste compromisso
como se fora uma promessa de certo, mesmo com relação a uma Mitsvá. Para nosso
infortúnio, o Iétser Hará aumenta a cada geração fazendo as pessoas desprezarem suas
promessas, o que incrementa cada vez mais a influência do Iétser Hará, os Céus não o
permitam. Por isto, é preciso lembrarmos de cumprir tudo o que prometemos, mesmo que
seja uma Mitsvá. Eram bons os dias de antigamente, quando as pessoas cuidavam não
transgredir o pecado de jurar em falso; mas nós, por causa dos nossos pecados, não
vemos nada de mal nisto. Afastemo-nos pois das promessas e das juras, mesmo que seu
objetivo seja uma Mitsvá. Se não cumpri-las, Deus o livre, o indivíduo é chamado “que não
mantém a palavra”, o que é proibido até mesmo às pessoas comuns.
* * *
Repreenda as pessoas que aceitarem tua admoestação ou que talvez o aceitem, mesmo
que certamente não aceitem o que está escrito explicitamente na Torá. Cuide bem de fazê-
lo, pois é grande a punição de quem impede a repreensão. É certo pedir auxílio a Deus
para que as pessoas aceitem de bom grado o que lhes queremos provar.
* * *
Incremente o estudo da Torá tanto quanto possas e não o abandone por um momento
sequer. Tenha em mente que terás que prestar contas sobre cada momento e cada
segundo que desperdiçastes. Por isto, esforça-te de corpo e alma para não desperdiçar
um momento sequer do teu estudo.
* * *
Procure o bem do teu semelhante, persiga a paz e cuide não transgredir a proibição “Não
terás ódio” (Levítico 19:17). Na opinião do Maharam de Lublin é proibido até odiar um
perverso, enquanto não o tenhas repreendido e nesta geração não há quem saiba
repreender, pois se os houvessem, os malvados aceitariam sua repreensão. Pois foi sua
natureza má que o fez pecar, como disseram nossos Sábios (Pirkê Avot 2:5): “Não julgues
o teu próximo até chegares ao seu lugar”. Quanto mais prejudicá-lo, mais deve pedir
misericórdia por ele e que Deus o ajude a fazer Teshuvá completa. Não dê apelidos aos
outros e não os chames pelos apelidos que os outros os chamam.
* * *
Estude em voz alta, pois esta é a parte principal do estudo. Tenha a intenção de temer e
de amar a Deus cada vez que pronuncia Seu nome.
* * *
Diga antes de estudar Torá e antes de cumprir uma Mitsvá – faço-o por mandamento
Divino. Peça a Deus que te ajude no seu cumprimento e na tua preparação por meio do
estudo, com integridade.
* * *
Tenha sempre em mente a Mitsvá da fé na Providência Divina, o amor e o temor a Deus,
expressando-o com veemência: aceito sobre mim a Mitsvá de reconhecer a Providência
Divina, o temor e o amor a Deus. Pense constantemente estar santificando teu corpo
segundo as Dez Sefirót e no Nome do Eterno com as vogais Camats, Patach, Tserê,
Segol, Shevá, Cholam e Chiric, que indicam temor e amor.
* * *
Reflita com os livros de Mussár três momentos por dia: ao levantar-se, ao meio-dia e à
noite, e nas palavras desta obra sempre que possível. Pondere bem sobre tuas ações e
peça a Deus que te ajude a trilhar verdadeiramente o caminho da Teshuvá.
* * *
Antes de recitar cada uma das bênçãos da oração, pense no conteúdo desta bênção e em
seus segredos ocultos. Que tua intenção no momento da oração seja a glória dos Céus e
não teu interesse pessoal. Durante a repetição do Shaliach Tsibur, tenha intenção em cada
uma de suas bênçãos, respondendo Amén. Cuide responder à Kedushá, pois é um
preceito positivo da Torá, como explicam o Raiá Mehemna Cadisha e o Zôhar sagrado.
* * *
Cuide recitar as bênçãos de agradecimento e que tua boca não se deleite com alimento
algum antes de recitares a bênção apropriada; cuida também recitar as bênçãos das
Mitsvót. Estuda com afinco tudo o que é pertinente a elas, para que não venhas a
pronunciar uma bênção incorretamente, Deus o livre.
* * *
Não olhe para fora durante o estudo para não perder a atenção e não mire nada além do
próprio objeto do estudo. O mesmo vale para as orações. Feche os olhos durante a
Amidá. Isto vale para as orações do ano todo.
* * *
Não coma demais; afasta-te dos prazeres deste mundo, em especial do luxo e do sono em
demasia, como está escrito (Eclesiastes 2:8): “Capazes de deliciar qualquer filho dos
homens”. Cuida de tudo o que traz em si a dúvida da proibição e tenta cumprir as Mitsvót
de acordo à opinião da maioria das autoridades rabínicas.
* * *
Procure não conversar sobre assuntos gerais e filosofias e não os tenha em mente, pois
podem causar-te o esquecimento do que aprendeu em Torá, Deus o livre.
* * *
Não cause danos a criatura alguma neste mundo e não cause sofrimentos a ninguém. Não
xingue as pessoas e não levante a mão contra ninguém, nem que seja para repreender um
malvado, pois pode não ser justo merecê-lo, como explica o Zôhar sagrado, porção
Sheminí.
* * *
Ter em mente a santidade do Shabat durante todo este dia e não esquecer-se disto, como
está escrito: “Estejas lembrado etc.” O mesmo com relação aos Iamim Tovim (dias
santos), lembrando-se constantemente de manter o coração alegre nestes dias pois o
Shabat e os dias santos constituem sinais do pacto entre o povo judeu e Deus, portanto
devemos ter em mente sua santidade durante todo o Shabat e o Iom Tov. É este o motivo
do Kidush, a primeira bênção sobre a santidade do dia. Também é bom lembrar da
santidade de cada Rosh Chodesh, pois são dias santos segundo a Torá (Deoraita) e talvez
sejam dignos da mesma alegria que dispensamos aos dias santos, como explica o Talmud.
* * *
Passar por uma porta que tenha Mezuzá com reverência e amor, recitando o que escrevi
anteriormente. Cuide em especial de colocar Tefilin, pois constituem um sinal entre o povo
judeu e Deus e não desvie tua atenção deles, mantendo sempre a intenção apropriada,
como ensina o Arizal.
* * *
Pense antes de falar, pois talvez haja algo proibido no que está prestes a dizer, e também
como o dirá, que seja da forma mais resumida possível, assim como a utilidade que isto
terá para uma Mitsvá.
* * *
Pense antes de comer, se está observando o caminho da Torá e do serviço Divino, que é o
alimento espiritual, e depois coma para satisfazer o corpo, como está escrito (Provérbios
31:27): “Ela abre sua boca com sabedoria”. Estude estas palavras. Se transgrediu alguma
delas, arrepende-te e confessa, para ganhar conhecimento e proteger-se. Se nada
transgrediu, confessa o que fez no passado e peça pelo futuro. Peça também pelo preparo
da tua comida, que seja impecavelmente casher, como explica o sagrado Zôhar. Roga a
Deus que te ajude a pronunciar as bênçãos corretas e do modo correto, assim como
salvar-te da gula.
* * *
Cuide em especial de honrar teu pai e tua mãe, teu rabino, sábios e anciãos e de honrar a
Torá. Do respeito aos sábios deduzimos o respeito que devemos prestar aos escritores de
livros sagrados, pois nos orientam e nos ensinam com seus santos escritos. Se constatar a
necessidade de contestar suas palavras, faça-o com grande respeito, como se o estivesse
fazendo com teu próprio mestre.
* * *
Seja solidário com o sofrimento da Shechiná.
* * *
Repita sempre tudo o que escrevemos aqui, para não transgredir nada do que dissemos,
pois um pecado leva ao outro; seja sagaz com o Iétser Hará e lograrás sobrepujá-lo.
* * *
Agradeça a Deus por todo o bem e o mal, e não tente contestar ou investigar Seus
motivos. Lembra-te do versículo (Deuteronômio 8:5): “E saberás em teu coração que,
como o homem castiga seu filho, assim te castiga o Eterno, teu Deus”. O Semag o
considera um mandamento positivo da Torá, pois tudo tem influência positiva sobre a Torá e
as Mitsvót. Peça a Deus que te ajude a não caminhar de cabeça erguida, mas sim
adotando as demais condutas adequadas – pois isto é um mandamento Divino, assim
como saber que a glória de Deus preenche toda a Terra – e isto diz respeito ao
comportamento do judeu na Terra.
* * *
Não seja arrogante, ao mesmo tempo em que te preocupas em adquirir a virtude da
humildade. Comporte-se com os homens que vêm de longe para um lugar onde habitam
pessoas sábias e importantes. Quando descobrires em ti uma boa virtude, agradece a
Deus por tê-lo auxiliado a adquiri-la com Sua benevolência. E não creias que te devem algo
por isto. Se descobrires em ti um defeito, Deus o livre, culpe somente a ti mesmo. Com
relação aos estudos, seja humilde perante os demais, pois todos podem se equivocar,
quanto mais o menor entre os menores. Se constatares que sabes algo de Torá, agradeça
a Deus por isto, pois Ele te está ajudando. Peça a Ele em tuas preces que te ajude a
adquirir as qualidades da submissão e da humildade, para que tenha sucesso tua Torá.
* * *
Estuda algo durante cada refeição antes de recitar a bênção sobre os alimentos, pois é um
grande dever, como explica o sagrado Zôhar na porção Terumá. Cuide dedicar um tempo
determinado para este estudo, para que não venha a alongar-se demais e acabe
esquecendo da bênção sobre os alimentos ou excedendo o tempo estipulado para recitá-
la. Não te envolva em divagações quando deste estudo, para que não interfiram em tua
mente quando estiver recitando a bênção sobre os alimentos.
* * *
Quando estiver comendo uma refeição festiva, tenha em mente que está cumprindo uma
Mitsvá e qual a Mitsvá em questão. Alegra-te em especial nas refeições do Shabat e dias
santos, pois estás comendo à mesa do Rei dos reis. Coma com total reverência e amor a
Deus, e não desvie o pensamento disso. Estude sobre a mesa algo relacionado com a
santidade do dia – Torá oculta e revelada.
* * *
Cuida-te para não te envolveres em controvérsias e não te apegues a elas, Deus não o
permita, pois incorrerá numa transgressão (Números 7:5): “E não sejas como Côrach etc.”
E o Semag o considera um mandamento da Torá; ainda mais quando se trata de
controvérsia pública. Subjuga-te frente a teus oponentes, ofereça-lhes a paz e não os
odeies, saiba que tudo isto é castigo Divino pelos teus pecados e que eles originaram as
Clipót que te perseguem. Examina cautelosamente tuas ações, pois se as retificares, não
terás oponentes. Não peça aos Céus que julgue teus inimigos mesmo que entre eles
existam os que não tenham Torá e Mitsvót, Deus não o permita, mas afasta-te deles e não
os amaldiçoe nem rogue para que sejam julgados. Cuida não odiá-los nem em teu coração.
Não fales mal deles e não lhes provoque mal algum; pelo contrário, faça-lhes o bem tanto
quanto possas e peça a Deus que lhes tenha compaixão e os beneficie e Ele ouvirá tuas
preces.
Até aqui as palavras do rabino Iehonatan Woliner
zt”l
Notas
Para retornar ao texto do livro clique no link da respectiva nota
1 Veja parte 2, capítulos 9 e 10.
2 Parte 2, capítulo 2.
3 Veja parte 2, capítulo 9.
4 Parte 2, capítulo 6.
5 Trata-se do trecho da Torá em Êxodo, do capítulo 21 ao capítulo 24. Segundo o Sêfer
Hachinuch, esta porção contém 53 mitsvót, muitas das quais são relativas ao
funcionamento dos tribunais e da justiça, em seus diversos aspectos. (N.R.)
6 O Talmud (Ketubót 66b) conta que Rabi Iochanan ben Zacai saía de Jerusalém montado
em seu burro, quando encontrou uma moça que catava grãos de cevada no excremento de
um rebanho de beduínos. Ao vê-lo, ela disse: “Rabi, alimenta-me!”. Ele perguntou de quem
ela era filha e ela respondeu que seu pai era Nacdimon ben Gurion. Rabi se espantou, pois
tratava-se de um homem muito conhecido e muito rico. A Guemará relata que Nacdimon
era um homem que fazia caridade (Ele era uma das três pessoas, juntamente com Moisés
e Josué, cujo mérito podia adiantar o sol [Taanit 20a]), mas não doava de acordo com suas
posses. (N.R.)
7 O Midrash Sifri sobre a porção Haazinu traz o seguinte relato: “‘Goteje a minha doutrina
como a chuva’ (Deuteronômio 32:2) – Disseram os sábios: Disse Moisés ao povo de Israel:
Se vocês soubessem quanto sofrimento aguentei pela Torá! E quanto trabalho dediquei a
ela, e quanto esforço desprendi por ela, como está escrito (Êxodo 34:28): ‘E esteve
(Moisés) ali com o Eterno, quarenta dias e quarenta noites’. E ingressei entre as criaturas
celestiais e adentrei entre os serafins, e apenas um deles é capaz de queimar o mundo
inteiro. Minha alma dei por ela, meu sangue dei por ela. Assim como eu a estudei com
todas as dificuldades (sofrimento), vocês também deverão estudá-la com sofrimento...”
8 Rabi Ioná ben Avraham (c. 1220-1280), mais conhecido como Rabênu Ioná, nasceu em
Gerona (Gerundi), na Espanha. Escreveu comentários sobre alguns tratados do Talmud,
além de ser autor de importantes livros de Mussar (ética), entre eles Shaarê Teshuvá e
Sefer Hair’á. (N.R.)
9 O Sinédrio (ou San’hedrin) era uma assembleia formada por 71 membros, e constituía a
instância judicial máxima do povo de Israel. (N.R.)
10 O Talmud (Shabat 126a) reforça a ideia da Mishná citada. Ambos os trechos foram
incorporados ao Sidur (livro de rezas), sendo recitados após a benção sobre o estudo da
Torá. (N.R.)
11 Uma das obras mais conhecidas do grande cabalista espanhol Rabi Iossef Gikatalia
(1248-1310). Entre suas obras estão também Shaarê Tsédec e Shaar Hanicud. (N.R.)
12 Nossos Sábios entendem que, a partir de uma certa geração, o mérito de nossos
patriarcas se esgotou e não mais protegeu o povo de Israel, restando a ele somente o
pacto de Deus com Abrahão, Isaac e Jacob. (N.R.)
12a A expressão “medida por medida” é a tradução literal do conceito Midá kenégued
Midá. Este consiste na ideia de que o homem recebe e é tratado de acordo com suas
ações, conforme vimos no capítulo 3: “Quem tem compaixão pelas demais criaturas
merece a compaixão dos céus” (Shabat 151b). (N.R.)
13 Agadá abrange ensinamentos de fé, sabedoria e ética, além de contos e analogias,
isentas de normas haláchicas. (Enciclopédia Talmúdica) (N.R.)
14 Os Gibeonitas, ou Guivonim, figuram no livro de Josué (Iehoshúa). Eles habitavam na
terra de Israel quando Josué liderou sua conquista. Após ouvirem as proezas que Deus
realizara para o povo de Israel, os Guivonim, assustados, utilizaram um método ardiloso
para não serem derrotados pelo exército de Josué. Eles vestiram roupas velhas e levaram
consigo pães secos. Procuraram Josué e disseram ser viajantes de uma terra distante,
apenas de passagem pela terra de Canaã. Eles alegaram que não habitavam naquela terra
e, portanto, não haveria necessidade de uma guerra contra eles. Josué e os líderes de
Israel fizeram então um pacto de paz com este povo. Ao descobrir que fora enganado, o
povo de Israel não agrediu os Guivonim, uma vez que o pacto já havia sido selado, mas,
por haver sido enganado, exigiu que estes se tornassem rachadores de lenha e tiradores
de água para os israelitas (vide Josué, capítulo 9). (N.R.)
15 Guezerá Shavá é uma das treze regras hermenêuticas de dedução da Torá. (veja
Baraita de Rabi Ishmael, no inicio da Sifra, que foi incorporado à reza matinal [veja “Sidur
Completo”, Editora Sêfer, pág. 39]). Consiste na comparação entre dois casos com um elo
em comum, a partir do qual se deduz que um veredicto que se aplica ao primeiro aplica-se
também ao segundo. Em geral, este tipo de inferência é apoiado na tradição, ou seja,
estes elos são ensinados de mestre para aluno, através das gerações (veja Rashi sobre
Pessachim 66a – final da página). (N.R.)
16 Esta é a primeira das treze regras hermenêuticas para fazer inferências (vide nota
anterior). Concluímos que, se um veredicto se aplica em um caso leve, no mínimo, se
aplicará a um caso mais grave. (N.R.)
17 O Iétser Hará, para evitar que a pessoa estude e aprenda o caminho correto,
argumenta: “De que adianta estudar e conhecer as numerosas obrigações da Mitsvá de
Chéssed para depois transgredi-las? É melhor não estudar e não saber, pois assim as
transgressões serão feitas sem conhecimento e, portanto, não serás motivo de
humilhação.” Este argumento é falso e absurdo, e podemos perceber isto através de uma
analogia: “Uma pessoa foi aconselhada a não seguir por um determinado caminho, pois
este tinha muitos buracos e outros obstáculos perigosos. Ela então respondeu àqueles que
a aconselharam: ‘Tenho uma ideia melhor, me deem um pano’. Seus amigos responderam:
‘E o que farás com o pano? Acaso poderás com ele cobrir os buracos?’ Ela então disse:
‘Não, eu pretendo cobrir meus olhos com uma venda. Deste modo, caso tropece num
buraco, não serei motivo de escárnio e não poderão culpar-me, pois meus olhos estavam
cobertos, de modo que não poderia saber onde estavam os obstáculos.’ Seus amigos
então o repreenderam: ‘Não existe motivo de escárnio maior que este! Você é um ser
humano, deveria usar sua inteligência e saber que, ao cobrir os olhos, certamente cairias.’”
(N.A.)
18 O Radbaz (Rabino David ben Zimra) nasceu na Espanha em 1480 e faleceu em Safed
(Israel) em 1579. Foi um dos mestres do grande cabalista Isaac Luria (conhecido como
Arizal ou Ari Hacadosh). (N.R.)
19 Os predadores são Gazlanim, aqueles que se apoderam indevidamente dos bens dos
demais (Rashi). (N.R.)
20 Trata-se de Eglá Arufá, um novilho que é abatido quando um indivíduo é encontrado
morto no campo e não se sabe o que lhe acometeu. Neste caso, os anciãos da cidade
mais próxima matam o novilho e dizem: “Nossas mãos não derramaram este sangue.” (veja
Deuteronômio 21:1-9). (N.R.)
21 Remez é a alusão de um texto a outro assunto, que não está revelado no significado
explícito do versículo. (N.R.)
22 O rabino Chaim Vital (1543-1620) foi aluno do rabino Moshe Alshech e do rabino Moshe
Cordovero. Mais tarde, tornou-se importante discípulo do Ari Hacadosh. (N.R.)
23 Veja Ética dos Pais 1:2. (N.R.)
24 A tribo de Zebulun sustentava a tribo de Issachar, que tomava para si a tarefa de
estudar Torá e isto recompensava ambas as tribos, conforme será explicado no capítulo
20. (N.R.)
25 Tanaíta, denominação dos sábios da Mishná. (N.R.)
26 O Dinar era uma moeda da época que equivalia ao Zuz. Seus valor era igual a 1⁄4 de
Sela ou 192 Perutas. Um Dinar de ouro, por sua vez, habitualmente tinha o valor de 25
Dinares comuns (de prata). (N.R.)
26a Conforme é explicado no Talmud, isto é uma referência aos romanos, que sempre
buscavam cobrar mais e mais importos. (N.R.)
27 Estes fundos são conhecidos pelo acróstico Guemach (Guemilút Chéssed). (N.R.)
28 De acordo com a Torá (Levítico 25), no ano sabático, todas as dívidas são perdoadas e
todas as posses retornam aos donos anteriores. Por este motivo, as terras vendidas
pouco tempo antes do sétimo ano têm seu valor depreciado. Do mesmo modo, as pessoas
tendem a ficar mais receosas para emprestar dinheiro, pois, caso o devedor não pague e
comece o ano sabático, a dívida será automaticamente perdoada. É por este motivo que
esta admoestação faz menção ao ano sábatico. Por isto também, nossos sábios
estipularam o Prozbul, uma forma de manter as dívidas após o sétimo ano. Este artifício foi
criado com o intuito de beneficiar os pobres que teriam dificuldade para conseguir
empréstimos nos últimos anos ou meses antes do sétimo ano. (N.R.)
29 Após a morte de Samuel, David viajou para o deserto de Parán. Naquela região, entre
Maón e Carmel, Naval era um homem de muitas posses e, ainda assim, recusou-se a
receber David com hospitalidade. (N.R.)
30 A mistvá de Shilúach Hakên consiste em afastar a mãe e deixá-la ir livremente quando
alguém deseja tomar para si os ovos ou passarinhos de um ninho (vide Deuteronômio 22:6-
7). Esta Mitsvá é mencionada aqui como a mais fácil e simples, pois assim ela é descrita
por nossos sábios no Midrash (Midrash Tanchuma Ekev 2). (N.R.)
31 Os pobres têm preferência até mesmo aos que se ocupam da Torá (vide Shach
251:17). (N.A.)
32 O Rabino Eliahu ben Shelomo Zalman (conhecido como Gaón de Vilna ou Hagrá [1720-
1797]) foi um dos grandes líderes de seu tempo. Entre suas obras, encontram-se
comentários sobre as escrituras, sobre o Talmud, sobre a Halachá e sobre livros de
Cabalá. (N.R.)
33 A baixela de prata e a bacia foram utilizadas nas oferendas de todos os príncipes de
Israel (Números 7). (N.R.)
34 Em hebraico, o termo késsef se refere tanto a prata como a dinheiro. (N.R.)
35 Sela era uma moeda de prata da época, cujo valor era quatro vezes maior que o Dinar
(vide nota 22). (N.R.)
36 Aparentemente, o texto se refere ao Midrash Tanchuma, Mishpatim 15, citado no
capítulo 6. (N.R.)
37 O Talmud conta que Benjamin, o Justo, era o responsável por um fundo de caridade.
Certa vez, em um período de escassez de alimento, uma senhora o procurou e pediu por
sustento. Não havia, no entanto, dinheiro no fundo para ajuda-la. Ele então lhe disse: ‘Se o
senhor não me der sustento, uma mulher e seus sete filhos perecerão’. Ele então a
sustentou com seu próprio dinheiro. Algum tempo depois, ele adoeceu e estava por morrer,
quando os anjos interviram diante de Deus, dizendo: ‘Você disse que salvar uma vida de
alguém de Israel equivale a salvar todo um mundo, e Benjamin, o justo, que salvou uma
mulher e seus sete filhos morrerá tão cedo?’ Imediatamente, Deus anulou o decreto e
concedeu ao justo mais 22 anos de vida. (N.R.)
38 Portanto, se uma pessoa se levanta pela manhã para ir à casa de estudos (Bêt
Midrash), e lhe aparecessem visitas, é preferível que ele se ocupe desta Mitsvá e receba
seus hóspedes. Isto se aplica quando não há outra pessoa em sua casa que possa
receber os convidados (ou quando se trata de pessoas importantes que o indivíduo deseja
receber pessoalmente). Se outra pessoa pode receber as visitas em seu lugar, fica
estabelecido o que aprendemos (Iorê Deá 146): ‘quando surge diante do homem uma
Mitsvá enquanto este se ocupa do estudo da Torá, e esta Mitsvá pode ser realizada por
terceiros, ele não deve deixar seu estudo’. (N.A.)
39 Sancheriv (Senaqueribe), rei da Assíria, atacou o reinado de Judá no início do século 8
a.e.c., conquistando suas cidades, e sitiou Jerusalém, capital do reinado, onde se
encontrava o rei Ezequias (Chizkiáhu). No entanto, Deus salvou Jerusalém, abatendo 185
mil soldados do exército assírio durante a noite, e San’heribe retornou derrotado para
Ninive. (veja 2 Reis 18-19). (N.R.)
40 Nabucodonosor (Nevuchadnetsar), rei da Babilônia, foi responsável pela destruição do
Templo em Jerusalém e pelo exílio na Babilônia, entre os anos 586-516 a.e.c. (veja 2 Reis
25). Porém, de acordo com nossos sábios, ele não o fez pessoalmente, pois temia uma
derrota semelhante a que sofreu Sancheriv, e enviou a Nabudazaran em seu lugar (de
acordo com San’hedrin 96b). (N.R.)
41 Em hebraico: Hamacom ierachem alêcha betoch cholei Israel. No Shabat acrescenta-
se: Shabat hí miliz’oc, urfuá kerová lavo, verachamav merubin, veshivtú beshalom. (N.R.)
42 Veja Sidur Completo, Editora Sêfer, página 68. (N.R.)
43 A porção de Chaiê Sara (Gênesis 23:1-25:18) descreve em detalhes a maneira como
Abrahão agiu após a morte de Sara. Na porção Vaichí (Gênesis 48:1-50:26) são descritos
todas as providências tomadas após o falecimento de Jacob. (N.R.)
44 Em hebraico: Hamacom ienachem etchem betoch shear avelê Tsión virushaláyim. Esta é
a formula no plural, caso se trate de uma só pessoa, substituímos a palavra etchem por
otchá (masculino) ou otách (feminino). (N.R.)
45 Litra era uma medida de peso utilizada no Talmud. A Litra se identifica com a libra
romana, cujo valor é próximo a meio quilo. (N.R.)