O conceito de guilgul (reencarnação) é originado no judaísmo, sendo que uma alma deve voltar várias vezes até cumprir todas as Leis da Torá. Na verdade, cada alma tem dois tipos de missão neste mundo. A primeira é a missão geral de cumprir todas as mitsvot da Torá. Além disto, cada alma tem uma missão específica. Caso não tenha cumprido a sua, a alma deve retornar a este mundo para preencher tal lacuna. Somente pessoas especiais sabem exatamente qual é sua missão de vida.
Existem também reencarnações punitivas para reparar alguma falha cometida numa vida anterior.
Atualmente é um pouco diferente, por estarmos vivendo na última geração do exílio e na primeira da gueulá, conforme já anunciado pelo Rebe.
Maimônides escreve nas Leis de Teshuvá que a Torá prometeu que no final do exílio todo o povo de Israel fará teshuvá e imediatamente será redimido. Assim, as almas desta geração, que vivenciarão a futura Redenção, não mais passarão por reencarnações, e devem tentar retificar o quanto antes tudo o que deve ser feito para aproximar a vinda de Mashiach.
Quantas vezes reencarnamos
A alma tem inúmeras chances de reencarnar. Podemos voltar para retificar erros de vidas passadas, mas a cada viagem da alma, ela acumula bons atos. O bem que fazemos durante nossas vidas – tanto a atual como as passadas – se acumula. Isso vale tanto para o indivíduo como para o mundo como um todo. A cada geração, o mundo acumula mais e mais energia positiva. Esse é o fenômeno que levará à Era Messiânica – a utopia tão almejada pelo Povo Judeu e pela humanidade. Ao reencarnar diversas vezes, a alma recebe inúmeras oportunidades de crescer e se desenvolver. A neshamá pode voltar ao mundo diversas vezes para cumprir missões diferentes. Geralmente, as almas de mulheres não precisam reencarnar tantas vezes como as dos homens. O motivo disso é que as almas das mulheres são mais perfeitas – assim, não necessitam tanto de retificação. Os livros místicos ensinam que muitas almas femininas voltam ao mundo não porque necessitam de alguma retificação, e sim, para ajudar sua alma gêmea, seus filhos ou algum familiar.
Várias almas em um corpo?
Existe a possibilidade de várias almas habitarem um mesmo corpo? A resposta é que isso é uma possibilidade. Existe no Judaísmo o conceito de dibuk – possessão. Não é exatamente o mesmo fenômeno que é trazido em livros e filmes de ficção, mas é uma realidade reconhecida pelo Judaísmo. Contudo, evocar espíritos é terminantemente proibido pela Torá, pois envolve forças negativas. O Judaísmo proíbe que as pessoas se envolvam com tais práticas.
A segunda situação em que mais de uma alma pode habitar dentro de um único corpo é um fenômeno denominado ibur. O ibur neshamot (gravidez das almas) ocorre quando uma alma se “acopla” temporariamente a outra. O ibur ocorre quando a alma de um Tzadik ou de um ente querido se “acopla” a um corpo. Por exemplo, o Patriarca Avraham constitui o símbolo da bondade. Caso uma pessoa que tenha praticado a bondade por toda a vida encontre obstáculos em sua capacidade de ajudar ainda mais os outros, uma parte da alma de Avraham pode se “acoplar” a essa pessoa para lhe dar mais ímpeto – abrir novos horizontes para que ele continue a praticar a bondade. Nesse caso, essa pessoa teve o grande mérito de ter consigo, temporariamente, parte da alma de Avraham Avinu, graças aos seus atos de generosidade
Há momentos em que sentimos que entes queridos estão ao nosso lado. Podemos sentir a força de nossa mãe, pai, avô ou avó. Isso não significa necessariamente que a alma de tal pessoa esteja “acoplada” à nossa. Contudo, existe essa possibilidade.
A segunda situação em que uma alma se “acopla” a uma pessoa ocorre quando a alma cumpriu sua missão, mas ficou faltando algum detalhe que não foi realizado – não por sua culpa, mas por motivos circunstanciais. Nesse caso, a alma não precisa voltar ao mundo e viver mais uma vida, mas precisa completar o que lhe falta. Um exemplo é a mitzvá do Pidion HaBen – o resgate do primogênito. Para um homem completar essa mitzvá, há uma série de exigências, entre elas, que tanto o pai como a mãe não sejam Cohanim ou Levi’im e que o menino tenha nascido de parto natural.
Uma série de circunstâncias pode fazer com que uma pessoa não consiga cumprir a mitzvá do Pidion HaBen. Nesse caso, a alma que nunca cumpriu essa mitzvá se “acopla” ao pai que está realizando a cerimônia para o seu filho e, assim, essa alma está se beneficiando e atingindo a perfeição espiritual. Depois de participar do Pidion HaBen, a alma parte do mundo.
Qual é a nossa missão?
Todos nós temos uma missão especial e singular – tanto individual como coletiva. Mas a grande maioria de nós não sabe exatamente qual é nossa missão. Nossos Sábios ensinam que há alguns indicativos.
De maneira geral, viemos ao mundo para fazer o bem – cumprir os 613 mandamentos da Torá. Mas os Sábios do Talmud ensinam que nossa missão está associada aos mandamentos da Torá que fazemos com mais cuidado e carinho. Ao mesmo tempo, nossa missão também pode estar ligada a um mandamento da Torá que encontramos muita dificuldade em realizar. Essas dificuldades podem indicar erros de vidas passadas que precisamos corrigir nesta vida.
Concluímos este ensaio sobre os fundamentos da reencarnação ressaltando que esse é um tema extremamente profundo que requer muito estudo e que deve ser abordado com muito cuidado. Mas saber da existência de vidas passadas amplia o nosso panorama e a nossa responsabilidade.
Todos carregamos uma carga genética de nossos pais e dos nossos avós, mas possuímos também uma carga muito mais profunda de várias vidas passadas. Cabe a nós decidir o que fazer – como dar continuidade ao Judaísmo e à nossa herança espiritual. Somos fruto de uma história e cabe a cada um de nós não desperdiçar essa história.
Todo ser humano carrega consigo não apenas o legado milenar de seus antepassados, mas também os atos que realizou em encarnações anteriores. A cada dia de nossa vida temos a oportunidade de crescer espiritualmente, corrigindo erros de vidas passadas e acumulando méritos, e isso nos leva tanto à nossa própria elevação espiritual como a de todo o mundo.